Opinião

Felipe Miranda: De quanto você precisa para se arriscar?

11 set 2018, 12:04 - atualizado em 11 set 2018, 12:04

Por Felipe Miranda, estrategista-chefe da Empiricus Research

“Eu devia estar contente porque eu tenho um emprego
Sou o dito cidadão respeitável e ganho quatro mil cruzeiros por mês
Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso na vida como artista
Eu devia estar feliz porque consegui comprar um Corcel 73
Eu devia estar alegre e satisfeito por morar em Ipanema
Depois de ter passado fome por dois anos
Aqui na cidade maravilhosa
Eu devia estar sorrindo e orgulhoso por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada e um tanto quanto perigosa”

Raul Seixas

Começo apelando à filosofia do raulseixismo para chamar atenção a um ponto: não importa o quanto você tem hoje. Isso tudo é uma grande piada e um tanto quanto perigosa. Se você ainda não dispõe do patrimônio de que gostaria, há muito ainda por fazer. E se já goza de muita grana, lembre-se de que estamos em tempos de guerra. Talvez depois possamos apelar a Bosco Brasil e suas “novas diretrizes para tempos de paz”. Agora, não. Precisaremos estar de guarda alta o tempo todo, sob o risco de colocarmos em risco o que já temos. Na guerra, você não pode dormir. Ou, se dorme, há sempre alguém de vigília.

Mas é mais do que isso. Mesmo os muito abastados precisam estar sempre em evolução, sem deitarem-se no berço esplêndido dos acúmulos pregressos. Veja bem: é a única forma de estar em conformidade com a natureza. Ela não conspira a seu favor, sob uma perspectiva individual. As leis darwinistas apontam para a evolução do todo. Essa é uma regra universal, não é uma opinião. Se você para de crescer, você morre, resume Phil Knight.

Muitas vezes, percebo certa confusão entre evoluir e sofisticar-se, aqui no sentido de adoção de métodos complexos e formais. Esquecemo-nos de que a simplicidade é a maior das sofisticações.

Recorro a duas recomendações de Ray Dalio, um jovem com algum potencial:

1) Lembre-se da Regra 80/20 e saiba quais são os 20 por cento cruciais. A Regra 80/20 afirma que 80 por cento do valor de algo é alcançável a partir de 20 por cento da informação ou do esforço. (Também é verdade que você provavelmente vai gastar 80 por cento do seu esforço para obter os últimos 20 por cento do valor.) Entender isso impede que você fique preso a detalhes desnecessários tão logo tenha conseguido a maior parte do aprendizado necessário para tomar uma boa decisão.

2) Seja um “imperfeccionista”. Os perfeccionistas perdem muito tempo com pequenas diferenças à custa de coisas importantes. Geralmente existem apenas de cinco a dez fatores importantes a serem considerados na hora de tomar uma decisão. É importante compreendê-los muito bem, embora sejam limitados os ganhos marginais de se estudar as coisas importantes após certo ponto.

Transcrevo esses pontos porque acredito na simplificação das ideias de investimento. Antes, quando essa história de “value investing” começou — a noção de que deveríamos tratar ações como empresas —, o acesso à informação era muito valioso. Com todo respeito, mas, à época, se amarrava cachorro com linguiça. Se você tivesse acesso a um balanço de uma companhia, já estava em tremenda vantagem sobre os demais. Então, poderia, a partir de uma investigação rápida, identificar distorções absurdas entre preço e valor.

Talvez por isso Benjamin Graham insistisse em perseguir barganhas a partir de descontos em múltiplos históricos. Entre as prescrições, por exemplo, estava aquela de buscar relação de preço sobre valor patrimonial inferior a 1,2x e razões de preço sobre lucro da ordem de 7x — tudo sobre números passados, sem precisar inferir muito sobre o futuro ou sobre a preservação de vantagens competitivas no tempo.

Hoje, o mundo é outro. Depois do Google, todos são inteligentes. Não há mais tanto prêmio pela informação, porque cada pessoa do planeta Terra sabe de tudo. Acredito no contrário, numa espécie de via negativa, num prêmio pela desinformação.

Explico. O grande valor está em filtrar a informação, separar ruído de sinal. Saber o que jogar fora como mera perturbação inócua e ficar com o que é, de fato, valioso para determinar o rumo de um ativo ou de um mercado. Há um overload de dados, notícias e opiniões, muitos deles sistematizados num algoritmo digital permeado por inteligência artificial e machine learning, contra os quais, sinto em lhe dizer, você não tem a menor chance em termos de armazenamento e processamento de informação.

O que realmente importa nesse emaranhado de coisas?

Quando eu tinha 10 anos menos, 10 doses a mais de coragem e 10 mil fios de cabelos a mais, escrevi um mestrado em prêmio pelo risco cambial, sob orientação do professor Paulo Tenani.

Por ele, inclusive, tenho muita gratidão — mamãe ensinou a guardar com a gente esse sentimento lá dentrão, porque “as pessoas que realmente vão te ajudar na vida são muito poucas” (previsão bastante sábia!). Foi um dos primeiros incentivadores da Empiricus — eu e Rodolfo ainda lhe devemos um almoço no Varanda; ganhamos um cliente e uma boia de graça. Ainda não paguei porque, segundo ele próprio, o orientado só paga o orientador quando supera a riqueza do professor. Como continuo apenas um rapaz latino-americano, sigo aplicando o golpe da carteira.

A ideia da dissertação era identificar se os investidores exigiam retorno adicional para estar na moeda brasileira e, em caso positivo, de quanto se tratava. Esse é o chamado “prêmio pelo risco cambial”. Depois dessa etapa, poderíamos tentar modelar o prêmio, ligando-o a potenciais variáveis explicativas. Quando ele sobe, quando ele cai e o que o determina. Se fosse bem-sucedido (é claro que não foi), o modelo poderia inclusive ser um bom previsor para o comportamento da taxa de câmbio.

Mas por que eu conto tudo isso?

Porque, ao fazer essa investigação, tive de extrapolar além da fronteira estrita do prêmio de risco cambial. Debrucei-me sobre todos os prêmios de risco possíveis e imagináveis: de inflação, equity risk premium, modelo de Frankel e todo o entorno de modelos de média-variância, ligações com curtose e eventos raros, por aí vai.

Do caso particular da pesquisa em “prêmio de risco cambial brasileiro no período posterior a maxidesvalorização de 1999”, evolui para uma perspectiva mais abrangente sobre prêmios de risco. Percebi que, no fundo, eles eram todos a mesma coisa.

Hoje, penso todo o universo de investimento como uma taxa livre de risco mais um prêmio. Eis a grande simplificação, que, na minha visão, responde por algo em torno de 80 por cento dos retornos: tudo se volta ao comportamento da taxa livre de risco e do prêmio em torno dela.

Nesse momento, há duas grandes coisas influenciando esse prêmio de risco: as eleições brasileiras e a indisposição com mercados emergentes lá fora, de que Turquia e Argentina são exemplos mais contundentes.

O resto é, como eu poderia dizer, o resto. Você pode se perder em filigranas setoriais, perder horas de sono ou mesmo acordado estudando uma empresa e seus balanços. No final do dia, a maior parte de seus retornos vai depender disso.

Dou um exemplo real: na semana passada, visitamos a área de relações com investidores do Banco do Brasil. Foi uma reunião excelente. Saímos convencidos da melhora do trabalho ali e do prognóstico de se trabalhar com rentabilidades mais elevadas. Ao sair da reunião, estudamos cada linha do resultado e do balanço do BB. Tudo indica para bons números, com um valuation bem barato. Ótimo! E toda essa informação vale zero — ou algo perto disso. Porque vai mudar ou continuar assim a depender das eleições. Tudo se resume ao novo presidente para a estatal.

Exposto o arcabouço analítico, emerge a pergunta prática: qual a percepção sobre o atual patamar do prêmio de risco sobre ativos brasileiros?

O nível de apreçamento dos ativos hoje me parece superestimar as chances de eleição de um candidato à esquerda, enquanto subestima probabilidades de que seja eleito um reformista. Não estou dizendo que, no caso de eleição de Ciro ou Haddad, os mercados não cairiam mais. Sim, acho que cairiam, sem dó nem piedade. Meu ponto é de que, temendo um resultado ruim, os investidores estejam exigindo um prêmio de risco muito alto para estar em ativos brasileiros. Em outras palavras, considerados os cenários possíveis para as eleições, haveria mais espaço para subir do que para cair, o que indica uma matriz de retornos de valor esperado positiva. É pouco, eu sei, mas é o que se pode dizer diante de tanta incerteza.

Mercados iniciam a terça-feira no vermelho, analisando dia ruim no exterior com recrudescimento das tensões sobre guerra comercial e resultados da pesquisa Datafolha divulgada ontem à noite, com crescimento dos candidatos à esquerda, tanto Haddad quanto Ciro.

Houve certa frustração com a baixa evolução de Bolsonaro, cuja rejeição inclusive aumentou. Muitos esperavam um efeito maior do atentado. Ofereço uma perspectiva diferente: talvez a violência contra ele tenha tido, sim, um grande impacto. O que aconteceu, porém, é que ele talvez já estivesse em trajetória de queda, não capturada ainda pelas pesquisas anteriores (as coisas mudam muito rapidamente; note que sua rejeição já vinha subindo muito nos levantamentos anteriores).

Pondero também que os efeitos da comoção podem ser mais efêmeros do que supõe a vã filosofia. Se e quando eles passarem, Bolsonaro pode voltar a ser atacado e perder parte da preferência do seu eleitor menos fiel. Não podemos descartar ainda um segundo turno entre a esquerda e alguém de centro, embora, claro, Bolsonaro seja ainda favorito para passar à segunda etapa.

Sobre crescimento de Ciro e Haddad, também aqui precisamos tomar certo cuidado. Os dois vão começar a se atacar reciprocamente e o próprio Haddad vai roubar votos de Ciro quando for ungido formalmente candidato. Aliás, o próprio Ciro vai roubar votos do Ciro — basta começar a falar mais solto e voltar a ser exposto o famoso vídeo da Patrícia Pillar.

Ainda é muito cedo e temos de tomar cuidado para não extrapolar o presente e efeitos de curto prazo sobre o futuro. Alckmin, lá nos 45 do segundo tempo, pode ser o destino final do voto útil que quer impedir a esquerda de voltar ao poder (ele tem a menor rejeição, segundo o Datafolha; Bolsonaro perde de todos). Prisão de Beto Richa hoje, porém, é mais uma adversidade sobre a candidatura do tucano.

Haveria quem pudesse argumentar que o voto útil poderia ir para o próprio Bolsonaro, tentando liquidar a fatura ainda no primeiro turno. Sim, é verdade. Porém, a distância do número de votos atuais até a vitória de Bolsonaro no primeiro turno é muito maior do que a distância de Alckmin hoje até sua ida ao segundo turno. Em outras palavras, é mais fácil o voto útil ajudar Geraldo do que, em termos pragmáticos, servir a Bolsonaro.

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