Opinião

Felipe Miranda: Cristo 2.0 – Desta vez é diferente

25 jun 2019, 11:37 - atualizado em 25 jun 2019, 11:37

Felipe Miranda

“They got a message from the Action Man
‘I’m happy, hope you’re happy too’”

Ashes to ashes — David Bowie

“Art is not the application of a canon of beauty but what the instinct and the brain can conceive beyond any canon. When we love a woman, we don’t start measuring her limbs. We love with our desires — although everything has been done to try and apply a canon, even to love.”

Pablo Picasso

Se você pensou naquela capa da Economist com o Cristo Redentor decolando, de novembro de 2009, bingo. Era essa mesma a intenção. Naquela vez, não deu certo. Dizem até que trouxe mau agouro. Economist, Eurasia e Exame — não necessariamente nessa mesma ordem — compõem o folclórico Curupira quando o assunto é a Bolsa brasileira. Um triênio começando com “e”, de “especialistas”, de grandes pés trocados.

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Remeter-nos imageticamente ao Cristo decolando seria uma insistência em algo que já se provou errado? Uma espécie de princípio da contra indução, na ironia de Mario Henrique Simonsen, em que insistimos num fracasso até que ele dê certo?

Acho que não.

Hoje me preparo para um segundo casamento. Estou muito feliz e motivado com isso. Mais ainda, estimulado pela possibilidade material de constituir uma família grandona. Família é de onde se vem e para onde se vai, sem nunca ter saído. O resto é distração.

Até mesmo minha profissão me remete à gênese familiar. O Corinthians é isso também, dos tempos em que ia de arquibancada, para sentir mais emoção (porque meu time bota pra …), no Paca, com meus primos Régis e Roger — parece dupla sertaneja, mas é só irmandade.

Volto.

Uns talvez digam que é a vitória da esperança sobre a experiência. Eu penso só que desta vez é diferente. Não porque me dou a expectativas ingênuas. Sou um tanto velho e calejado para isso, embora guarde em mim a vivacidade e a intensidade de um adolescente — como aquilo que Picasso retratou, quando tinha 91 anos, em “Le jeune peintre” (O jovem pintor): “Eis o que você é, Picasso, eu sou você, o pintor eternamente jovem”.

Falo dessa possibilidade porque identifico as efetivas condições materiais postas à mesa.

Perdoe-me a ambiguidade. Se a esperança se refere ao Cristo em forma de foguete ou ao casamento? Aos dois. Mas aqui, por razões óbvias e necessidade de se manter fiel ao escopo, explico as bases de uma só das possibilidades e interpretação, embora ambas sejam igualmente concretas e tangíveis, quase como se pudéssemos agarrá-las com as mãos, além de senti-las no peito.

E, por favor, não me venha com a ideia de que prognósticos, sejam eles financeiros ou matrimoniais, se formam de maneira racional, com cálculos, modelos e planilhas.

Para mim, é justamente o contrário. Conclui-se intuitivamente e depois formam-se as teorias mentais estruturadas, numa espécie de conta de chegada. Quem vive essas coisas mesmo, na pele, dia a dia, tijolo a tijolo, sabe que elas são feitas mesmo é de intuição e sintonia com a essência.

Hoje gostaria de apresentar o acrônimo C.R.I.S.T.O., que resume um pouco de minha tese estruturalmente otimista para os ativos de risco brasileiros. Obviamente, sei que haverá volatilidade no meio do caminho, que teremos correções importantes dos mercados, que teremos retrocessos pontuais. Mas tudo isso será ruído diante de condições de base.

Antes de desdobrar o acrônimo, a pergunta mais geral: no que essa decolagem atual difere fundamentalmente da anterior? Se fosse para resumir, a questão central me parece estar no ponto de partida.

Eu tenho uma ideia muito enraizada e geral sobre o Brasil, que inclusive me disseram pouco tempo atrás ser parecida com a de Paulo Guedes (não sei se é verdade, mas ouvi de um amigo próximo). Talvez ela seja até menos econômica e mais sociológica/antropológica. Sei lá. Deem o rótulo que quiserem.

Penso que o Brasil é um país, de um jeito ou de outro, que converge para a mediocridade. Nossa essência não é disruptiva, nem revolucionária; então, sempre que estamos muito mal, começamos a melhorar. Parece que vamos cair no buraco, mas não caímos, porque somos maiores do que ele.

Ao mesmo tempo, somos complacentes, macunaímicos e preguiçosos (Macunaíma é o herói nacional, duplamente preguiçoso e sem nenhum caráter). Isso nos impede de ser um país realmente desenvolvido. Assim, quando estamos bastante bem, começamos a fazer besteira e voltamos para a média.

Somos um grande PMDB (fiz questão de manter o P porque sinceramente não superamos o parasitismo; e, para que os parasitas continuem mamando nas tetas do hospedeiro, ele não pode matar sua fonte de alimento). Quando não é o P, são as Corporações, que sequestram o Estado para si. Então, formamos quase um PC, um Partido Comunista a impedir o estabelecimento de um capitalismo de mercado verdadeiro.

Breve parêntese: sobre a ideia que ouvi ser de Paulo Guedes sobre o Brasil (como ele certamente não está entre nossos três leitores, não poderemos ter a informação confirmada), a metáfora é de que o país vive num cercadinho. Bate na banda de baixo e começa a subir. Daí sobe até o limite superior, bate nele e volta para o meio.

Isso sintetiza tudo. Se você absorver a essência dessa concepção, entende por que acredito ser a situação atual tão diferente daquela de 2009.

Naquela oportunidade, vínhamos de um ciclo extremamente favorável entre 2003 e 2007, quando nos beneficiamos das taxas de juros bastante baixas no exterior, da pouca volatilidade do PIB, da inflação e das taxas de câmbio mundo afora, dos benefícios colhidos de instituições inclusivas e reformas estruturantes feitas no governo FHC e dos altos preços das commodities, marcados sobretudo pela maior representatividade da China no mercado internacional, e da ampliação dos programas de assistência social, com impactos muito positivos sobre distribuição de renda, feita no governo Lula 1, além da manutenção, em especial até 2006, de uma política econômica ortodoxa marcada pela dupla Palocci na Fazenda e Meirelles no BC, além de técnicos competentes como Marcos Lisboa, Murilo Portugal e Joaquim Levy.

Ainda que tivéssemos sofrido as mazelas da crise de 2008, a verdade é que a recuperação no Brasil veio em formato de V, muito em função do fato de termos as condições para adotar medidas contracíclicas. O país vinha de um crescimento sólido e voltou a se expandir com vigor, muito puxado por expansão de demanda (mais gasto público, estímulo monetário e medidas macro prudenciais).

Então, rapidamente, batemos na total utilização dos fatores — como se estivéssemos acima da média do nosso cercadinho. Em vez de tirarmos o pé, seguimos acelerando. Batemos no teto e fomos arremessados para baixo novamente numa queda livre, entrando na maior recessão da história republicana brasileira.

E qual a situação agora? Totalmente diferente disso. Estamos no limbo, lá embaixo. Descobrimos até um alçapão na parte inferior de nosso cercadinho. Fundo do poço tem porão. Até atingir o meridiano de Greenwich desse cercado, precisamos subir muito.

Só para recuperar nossa mediocridade precisamos caminhar muito com inclinação positiva. Existe uma anormal ociosidade no mercado de fatores, tanto de trabalho quanto de capital — e o Brasil costuma conseguir crescer quando há folga de demanda; a porca torce o rabo mesmo na hora dos problemas de oferta.

Veja que no mercado financeiro estrito também há uma diferença importante entre as duas condições climáticas ali no Corcovado. Enquanto, lá por 2009, o Brasil era o queridinho do gringo e Lula era “o Cara” até para Barack Obama, agora ninguém quer saber disso aqui e Bolsonaro é defenestrado pela imprensa local e internacional. Ou seja, há muito dinheiro para vir de fora.

Isso me permite estar bem otimista para a próxima decolagem, agora, sim, com sucesso. C.R.I.S.T.O. está quebrado assim:

C = Crescimento. Há muita ociosidade na economia, existem estímulos monetários, as empresas e as famílias estão desalavancadas. A série de reformas a ser implementada vai permitir retomada da confiança e vai destravar investimentos represados por conta de anos de recessão muito severa.

As famílias, com alguma folga no orçamento depois de terem diminuído seu endividamento, tendem a voltar a consumir, com inflação sob controle, melhora no crédito e maior visibilidade da economia.

R = Reformas. Nada será possível se as reformas não passarem. A parte boa é que elas vão passar. Não importa tanto se o protagonismo vem do Executivo ou se estamos num Parlamentarismo branco. Reforma é igual dinheiro: não tem carimbo. Às favas com os escrúpulos dos direitos autorais.

De uma forma ou de outra, sairemos com uma boa reforma da Previdência, muito superior às estimativas iniciais dos “especialistas”. Rodrigo Maia já fala em instaurar a comissão para a tributária. Depois, podemos ter pacto federativo, carteira de trabalho verde e amarela e uma série de nós setoriais sendo desatados a partir de bons marcos regulatórios e Projetos de Lei Complementar, além de amplo programa de concessões e privatizações.

I = Interest. Perdoe pelo anglicismo, mas quis fazer a imediata referência aos juros internacionais, em especial nos EUA. Recentemente, o Banco Central Europeu (BCE) animou os mercados ao sugerir possibilidade de reduzir sua taxa básica de juros. Logo na sequência, veio o Fed.

Ou seja, os retornos nas economias centrais ficam cada vez menores. Assim, o gringo, que é quem verdadeiramente faz preço na Bolsa, vai buscar rendimentos maiores em mercados emergentes. Ou seja, vai ter mais dólares entrando aqui, acesso a capital e maior fluxo para os ativos financeiros, elevando seus preços em Bolsa.

S = Selic. A taxa básica de juros da economia brasileira deve caminhar para 5 por cento ainda neste ano. Mais do que isso, vai se manter por aí por um bom tempo. Nunca na história brasileira tivemos juros tão baixos e quietos nesses patamares estruturalmente.

Isso vai provocar uma revolução, seja no mercado de capitais estritamente, seja nas decisões corporativas de alocação de capital ou nos hábitos de poupança e investimento das pessoas físicas, que precisarão migrar para ativos de risco para ter maiores rentabilidades de seu dinheiro. Não é uma hipótese. É um fato objetivo a caminho.

T = Tecnicidade. Aqui me refiro a um perfil técnico da gestão de política econômica. Mas não somente no alto escalão. Acabou a história de nomeações burocráticas ou corrompidas, para representar um partido com um projeto de poder. Respeita-se o critério da eficiência e da busca por maior transparência da gestão pública. A governança vai sendo levada aos ministérios, às secretarias e às estatais.

O Estado voltando a ser também — ou ao menos tentando — uma referência ética para a sociedade (falo na margem, que é sempre o que interessa). Finalmente, esse perfil técnico pode dar um choque de produtividade brutal na economia brasileira. Isso vale tanto na gestão macro (reformas fiscais e boa política monetária), quanto na micro (marcos setoriais, privatizações, concessões) ou mesmo institucionais.

O = Ordem. Depois de anos da esquerda intervencionista que usurpou o Estado num capitalismo de compadrio ou, pior ainda, num capitalismo de quadrilhas, vamos para uma direita liberal, em que a disciplina, o trabalho e o rigor voltam a ser percebidos como valores a serem perseguidos, bem como a eficiência dos ambientes de mercado. Isso havia sido perdido sobretudo a partir de 2011, naquilo que se convencionou chamar de “nova matriz econômica”, cujas raízes datam já de 2006, quando da saída do ministro Palocci da Fazenda, época em que a então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, falava que “gasto é vida”. Agora, essas coisas vão sendo retomadas.

E elas marcam a caracterização brasileira, em sua origem. Não se trata, portanto, de uma decolagem em direção aos céus. Mas, sim, de um encontro do Brasil com ele mesmo. Ao menos até batermos de novo no limite superior de nosso cercadinho. Falta muito até lá. Os ativos de risco brasileiros estão propondo um casamento, não um flerte de curto prazo.

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