Felipe Miranda: Como investir no Brasil pós-Previdência?
A: 96?
B: Pois é. Acho que tá no ponto.
A: Ah, sim. Mas tô pensando na rolha. Medo de quebrar.
B: Com jeitinho, vai. Com jeito, tudo vai.
A: Sei não. Vamu vê.
B: Puuutz.
A: É, já temia.
B: Calma. Vai dar certo.
A: Alguém chama o Cláudio (no caso, o sommelier), por favor. Já pede pra ele trazer a pinça.
B: Acha que ainda dá pra tirar?
A: Fica tranquilo. O Cláudio é um cirurgião. Com ele, não tem erro.
C: Opa, tudo bem? Deixa eu ver o que dá pra fazer aqui…
B: In Cláudio we trust…
C: Olha só… acho que peguei essa danada… pronto… tá aqui.
B: Boa, Claudião. Isso é de quem sabe muito.
C: Na verdade, de quem bebe muito e não aceita desperdiçar nem uma gota.
B: Ah, mas quem sabe de bebida é quem bebe memo.
A não ser que aconteça uma hecatombe nos próximos dias — e, sejamos sinceros, o Brasil é o país das hecatombes súbitas —, a reforma da Previdência será aprovada nos próximos dias na Câmara. Rodrigo Maia, inclusive, quer votá-la em dois turnos ainda nesta semana.
Todos sabem da importância do projeto. Com o Brasil entrando nos trilhos e a Selic caminhando para a casa de 5 por cento ao ano, o que é um corolário da aprovação da nova previdência, as pessoas me perguntam o que devem fazer para começar a investir melhor.
Minha resposta é sempre a mesma: você vai investir melhor investindo. Até agora estou tentando bater faltas como o Zico a partir do seu DVD… sem sucesso.
Há dois fatos estilizados sobre educação financeira. O primeiro é justamente este: você deve aprender primeiro e investir depois. Pra mim, aqui caímos naquele paradoxo da contratação de uma pessoa sem experiência. Ninguém a contrata porque ela não tem experiência; mas, então, sem ser contratada, a pessoa nunca terá experiência.
Como você aprendeu a andar de bicicleta? Claro que você não precisa se jogar de cabeça. Apenas coloque o pé na água. E, quanto antes o fizer, melhor. Há um grande risco em tentar evitar todos os riscos da vida. Passam oportunidades variadas e, de repente, você se descobre um velho chato (de corpo e alma).
Ontem mesmo, voltando de BH, fui parado no aeroporto. “Você é da Empiricus, né?” “Sou, sim, muito prazer.” “Da próxima vez, vou te levar mais a sério. Duvidei de BTG, depois de Pan. Ainda não me perdoei.” “Faz parte. Acontece. Mas demos sorte nessas. A gente erra pra caramba também, viu?” “Ah, como todos. Mas meu ponto nem é esse. É que não gosto de ações.
Acho muito arriscado. Prefiro os fundos imobiliários. Tenho 30 por cento da carteira neles.” “Entendi. Respeito, claro. Mas será que não seria menos arriscado para o senhor ter 20 por cento em fundos imobiliários e, sei lá, 10 por cento em ações? A diversificação reduziria seu risco.” “Vou ver se crio coragem.” “Começa com um pouquinho. Põe 1 por cento em ações, mas põe.”
Compre primeiro, entenda depois, diz George Soros.
Outro ponto, também aderente ao discurso politicamente correto, se refere à ideia de se comprar somente aquilo que você entende — a turma do value investing adora essa. Taleb já resumiu a ideia no novo clássico “Understanding is a poor substitute for convexity”. As pessoas não precisam entender sobre os ativos em si. Elas precisam saber como aquilo entra no seu portfólio e os impactos da sua carteira.
Mais uma vez recorrendo a Taleb, X não é f(x). X é a realidade, os ativos financeiros propriamente ditos. F(x) é seu portfólio, uma função da posição nos tais ativos.
A verdade é que se você for se preocupar em entender, de fato, todos os ativos, provavelmente você não vai sair do lugar. O entendimento não apenas será um substituto pobre para a convexidade (já falo mais sobre isso), mas também negativo, deletério e paralisante.
Imagina que você vai montar uma carteira diversificada entre renda fixa, ações, fundos imobiliários, moedas, commodities. Você vai mesmo se especializar em tudo isso? Quanto tempo vai demorar? Enquanto você se forma doutor em finanças, o Ibovespa sobe dos 104 mil para os 150 mil pontos — sim, é verdade, eu acho que isso pode acontecer. Os movimentos são sempre maiores e mais rápidos do que imaginamos a priori, seja para cima, seja para baixo.
Deixe-me dar um exemplo para tentar mostrar o ponto com mais clareza. Eu quase tripliquei o dinheiro investido em bitcoins. Sabe o quanto eu manjo de criptomoedas? Zero! Não é quase zero. É zero mesmo. Mas eu sabia como aquilo poderia impactar meu portfólio. E isso bastava.
O bitcoin, como um ativo de altíssimo risco, poderia ir para zero. Ao mesmo tempo, poderia se multiplicar indefinidas vezes. Havia uma assimetria convidativa ali. Muito mais a ganhar do que a perder. Então, fazia sentido colocar uma bobeirinha do meu capital ali. Coisa pouca, claro, porque todos sabemos se tratar de algo muito arriscado — aliás, por favor, não subestimem as pessoas.
O investidor pessoa física é muito mais inteligente do que uma turma por aí supõe. Ninguém compra bitcoin esperando uma combinação risco/retorno de poupança. Todos somos grandinhos aqui; por isso, sempre que formos para ativos de alto risco, devemos alocar uma parcela bastante pequena de nosso portfólio.
Há um novo Brasil se formando, de fato, em relação a investimentos. Pela primeira vez na história, teremos juros baixos de maneira estrutural, por muito tempo. Isso vai forçar as pessoas a abandonar o paraíso do CDI — não porque elas querem, mas simplesmente porque esse paraíso não existe mais. Continuará apenas como uma espécie de Pasárgada no imaginário das pessoas. Mas imaginário não paga boleto. E você vai precisar se mexer.
Não estou aqui inventando nada. Aconteceu em vários e vários países que passaram por dinâmica semelhante. Entre os anos de 1980 e 1990, a Goldman Sachs, como uma metonímia do mercado de capitais nos EUA, se multiplicou por 10 vezes. É disso que estamos falando.
Mais interessante ainda é que esse processo batizado de “financial deepening” acontece só uma vez. Não tem volta. É uma espécie de linha do tempo. Corre em uma única direção. A metáfora que tenho na cabeça é a do Mito da Caverna, de Platão.
Depois que o sujeito sai da escuridão e vê a luz, não dá mais para apagar a imagem iluminada da cabeça. “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”, feliz ou infelizmente, é só um belo filme. Na vida real, a gente ainda não descobriu como apagar memórias desejadas ou não.
Uma vez que as finanças estiverem enraizadas no cotidiano das pessoas, com taxista tendo uma carteira diversificada de ações, não tem volta. Ou seja, essa onda gigantesca que está começando agora vai ser vista uma única vez na história brasileira — e, cara, você precisa participar disso de alguma forma. Você viu o mar de gente assistindo ao Jorge Paulo Lemann e ao Guilherme Benchimol nesse final de semana?
É fantástico poder observar isso. E não é à toa. Era inimaginável alguns anos atrás. Agora está aí, basta ligar os pontos. Andre Jakurski, Luis Stuhlberger, Luiz Alves, Rogério Xavier viraram celebridade nacional; é ou não é sintomático?
“Ah, mas será que não teremos uma ressaca pós-Previdência, dado que ela não garante a retomada do crescimento?”
Como talvez os três leitores se lembrem, na sexta escrevi aqui neste mesmo espaço que a reforma da Previdência não era o fim do ajuste da economia brasileira. Ao contrário, ela era apenas o começo de um amplo programa de reformas, a ser revelado nos dias subsequentes ao acerto previdenciário.
As pessoas não estavam vendo as medidas vindouras e concluindo que elas não viriam, na confusão clássica entre ausência de evidência e evidência de ausência — desculpem, mas um pouco de erudição e lógica formal faria bem a um certo pessoal. Aí você abre o Valor e está lá: “Governo prepara pacote para o day after da reforma da Previdência.” Lá dentro, uma fonte compara as próximas medidas a uma espécie de plano plurianual.
Resumo da história: a reforma da Previdência encerra uma primeira parte, mais feia. Agora, entramos numa espécie de Segundo Mandato Bolsonaro. Esse, sim, pra valer, focado na agenda da retomada do crescimento, com alguns estímulos de curto prazo (liberação do PIS/Pasep e de parte do FGTS), redução das taxas de juro, concessões, privatizações, ajustes microeconômicos, fortalecimento das agências reguladoras, novos marcos regulatórios, mais flexibilização trabalhista, reforma tributária e por aí vai.
A onda é maior do que o consenso supõe. A história está só começando e minha proposta pragmática sobre o “como investir num cenário pós-Previdência” envolve quatro palavras mágicas:
1 — Convexidade. É a história de perseguir boas assimetrias, resumida na ideia de apostar centavos para ganhar dólares, nunca apostar dólares para ganhar centavos. Antes de qualquer decisão de investimento, compare o que você pode perder frente ao que pode ganhar. Não avance se a assimetria não lhe for convidativa. Exemplo: o cenário para crédito privado hoje no Brasil é altamente não convidativo. Pequenas migalhas de retorno em troca de muito risco.
2 — Diversificação. O último almoço grátis disponível. A forma de reduzir dramaticamente o risco do seu portfólio, sem abrir mão de muito retorno potencial. A arma daqueles que não sabem o que estão fazendo — não se iluda! Ninguém sabe direito o que está fazendo. Desconfie de quem tem tanta certeza de alguma coisa. Por mais otimistas que estejamos, você precisa ter proteções na carteira, com dólar e ouro (não subestime isso; ninguém fala do ouro pra você, né? Mas ele já supera 1.400 dólares/onça).
3 — Bolsa. Ações são o grande cavalo para o segundo semestre. Monte uma posição relevante nisso, da forma que quiser. Pra mim, os 150 mil pontos são cristalinos. E podem acontecer mais rápido do que todo mundo espera. Teremos 30 por cento de re-rating e 20 por cento de expansão de lucros. Bingo: 50 por cento de upside. Depois vai ficar óbvio. Jornalista vai escrever que 9 entre 10 estrategistas sabiam desse movimento (mas ele mesmo não comprou e ficou rico; recalque é dureza). Tudo a posteriori é óbvio.
4 — Juro longo. Com os prêmios se esgotando na parte curta da curva, o pessoal vai começar a alongar. Num cenário de juros negativos no mundo e situação fiscal endereçada aqui, não fará muito sentido ter juro real de 3 por cento por essas bandas.
Se você tiver uma boa reserva de emergência (algo equivalente a seis meses de seus gastos), uma sólida posição em Bolsa (eu sugiro algo em torno de 35 por cento de seu capital, mas pode ser menos caso você não seja tão arrojado) e em juros longos, combinada a proteções em dólar e ouro, entendo que está bem preparado para esse Brasil pós-Previdência.
Antes de encerrar, duas considerações de cunho micro que podem ser temas bem quentes para este segundo semestre:
A — Oferta de ações da Tecnisa, confirmada hoje. Se isso passar bem, é uma sinalização vigorosa de otimismo com Bolsa em geral. Empresa bem complicada e com vários aumentos de capital nos últimos anos. Colocando no mercado de forma adequada isso, seria sinal de apetite por ativos de alto risco. Sinal inequívoco de bull market. Mais do que isso, tem que ganhar exposição ao setor imobiliário, com vigor, aqui simplesmente por ser um grande beta play, ou seja, mostrar enorme sensibilidade às condições sistêmicas. Se você quer saber as empresas complicadas (aquelas de mais risco, mas com enorme potencial de valorização) com boas chances de se multiplicar, precisa conhecer nossas Special Situations, as empresas em situação especial, com dedo no gatilho para uma potencial decolagem.
B — A normalização da malha aérea, depois da importante restrição de oferta decorrente da recuperação judicial da Avianca. Preço de passagem já começou a ceder depois da explosão recente. Não sei em qual ritmo vai se dar essa normalização, nem imagino que as passagens vão voltar ao nível original de preços, mas me parece inexorável um endereçamento das questões de oferta e passagens mais baratas à frente.
CVC me parece gritante aos níveis atuais (talvez demore um pouco, mas nem Deus acerta timing em Bolsa). Smiles se beneficiaria fortemente também e talvez seja uma das ações mais baratas da Bolsa; aliás, ninguém vai fazer nada em relação aos abusos do controlador? O sujeito anuncia o fim das negociações da Gol para incorporação da Smiles e, no dia seguinte, sem nem tentar disfarçar, avisa que revisará os termos do acordo com a empresa de fidelidade.
Controlador atuando contra os interesses da firma. Um caso clássico de ferimento à Lei das S.A.s. Vamos fingir que nada aconteceu? Não seria o caso de um pouco mais de proatividade da CVM aqui?