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Felipe Miranda: Como era Verde o meu vale

19 set 2018, 10:46 - atualizado em 19 set 2018, 10:46

Por Felipe Miranda, estrategista-chefe da Empiricus

“Jesus expulsou todos os que ali vendiam e compravam, derrubou as mesas dos cambistas, e as cadeiras dos que vendiam as pombas; e disse-lhes: Está escrito: A minha casa será chamada casa de oração; vós, porém, a fazeis covil de salteadores”

Obrigado, Faria Lima, nossos assinantes agradecem.

Como talvez você tenha visto por aí, o mitológico fundo Verde vai reabrir para captação em certas plataformas de varejo. Pelo que me disseram, após uma reabertura relâmpago, inclusive já teria fechado em uma delas.

A verdade é que, fora do Olimpo, não há muita informação a respeito. Mas, ao que parece, haverá oportunidade em outras plataformas. Não se preocupe.

Antecipando aqui uma das conclusões: sim, você deve investir no fundo caso tenha a chance. Não há outro melhor para aplicar seu dinheiro. Eu mesmo o farei com meus trocados caso abra-se a janela.

Estou seguindo as indicações da Luciana Seabra, que é quem realmente entende de fundos aqui, embora, para esse caso específico, nem precisasse.

Luis Stuhlberger é — “ser” é bem diferente de “estar” — o maior gestor brasileiro de todos os tempos, possivelmente o único world class, ainda que, como gestora, a SPX me pareça superior à Verde.

O ponto aqui hoje, porém, é outro. Lá vamos nós para mais uma ruptura do pacto “Felipe Paz e Amor” — até que durou bastante, dois ou três minutos.

Há uma lenda urbana de que o investidor de varejo, o cidadão que paga seus impostos e aplica uma parte da grana suada que sobra ao final do mês, deve estar condenado a uma série de alternativas pouco sofisticadas para seus investimentos. Isso acontece porque ele não teria a devida educação financeira para “segurar a onda” em ativos mais arriscados, “panicando” ao primeiro sinal de estresse.

Assim, precisaríamos do Estado-babá, por meio de seu regulador e/ou do muito bem-intencionado gerente de banco, para confinar a pessoa física no mundo da poupança, das LCIs/LCAs, dos CDBs, dos PICs e dos títulos de capitalização — esses, sim, claro, bem adequados ao investidor de varejo. Os COEs, com suas taxas hediondas cobradas do cliente, também valem! Favor não esquecer.

Os nossos liberais trabalham no mercado financeiro e ditam centralizadamente para seus clientes o que eles podem ou não fazer com seu dinheiro, limitando-os às possibilidades ex-ante. Cunhamos o conceito do planejador financeiro central. Logo ele estará criando planos quinquenais para seus investimentos: só pode investir em ações da indústria de base! Onde estão mesmo as liberdades individuais? Por que não pegar para si o futuro de suas finanças?

A essa turma, travestida de séria dentro dos ternos italianos bem-cortados, pergunto: por que o fundo Verde reabriu para captação?

Você vai encontrar algumas explicações por aí, inclusive de cunho pessoal, que pouco deviam interessar. A verdade, porém, é só uma: enfrentou resgates. E ponto.

Então, surge a questão-corolário: por que enfrentou resgates?

Por conta de dois anos de performance ruim. E sabe quem sacou? Ora, você acha que foi o investidor de varejo? Claro que não. Esse nem nunca teve acesso ao Verde. Foram os institucionais, os clientes de alto patrimônio, que se dizem super resilientes à volatilidade, que “compram a tese e a cabeça do gestor”, que “estão com o Stuhlberger para o longo prazo”.

Foram vocês que saíram correndo à primeira oportunidade. Profanaram um retorno sagrado para refugiar-se num novo gestor da moda.

Eu, após sofrer diariamente críticas por tentar levar alternativas mais sofisticadas às pessoas físicas, poderia hoje sentir asco da hipocrisia dos fariseus do templo. Mas não. Sinto-me agradecido, porque foi esse comportamento que permitiu aos nossos assinantes, principalmente a partir do estupendo trabalho da Luciana Seabra, agora acessarem o Verde. Registra-se o formal obrigado.

Aliás, que se dê o mérito a quem o merece de fato: quem falou em primeira mão da possibilidade de reabertura do Verde foi a Luciana, e não os jornalistas da XP.

Sobre a performance em si do fundo nos últimos dois anos, não há o que falar. Foi ruim. E ainda que vários possam tentar buscar explicações, muitos deles incorrendo na falácia lógica “post hoc, propter hoc”, pra mim, só há uma justificativa: o sujeito errou. Uma boa ideia numa hora ruim é apenas uma ideia ruim.

Agora, isso nada tem a ver com o espetacular histórico do fundo Verde, com a genialidade de seu gestor, muito menos com a performance futura. As mãos calejadas, as costas marcadas e as cicatrizes na alma formam caráter e dão sabedoria, pavimentando a via para um caminho melhor à frente. As peles de bundinha de neném (e eu devo pedir desculpas se inclino-me ao exagero, talvez por leitura excessiva de Kafka) devem ser preteridas a quem já criou casca, cujas essência e estrutura permanecem inabaláveis.

Pra mim — e falo isso apenas como um longínquo espectador muito interessado — Stuhlberger é o maior gênio de todos simplesmente porque reconhece que não há gênio algum. Ou que todos são gênios, sei lá. No final, dá no mesmo.

Tough ain’t enough, diria a personagem de Clint Eastwood em Menina de Ouro. O mercado é um ambiente permeado por complexidade, incerteza e aleatoriedade — cuidado com os gênios que renderam bem nos últimos 24 meses e agora pintam-se como heróis; todos eles iludidos pelo acaso. O único gestor que nunca errou é aquele que nunca geriu nada.

A maior virtude do Verde — e você pode capturar isso olhando seus trades mais vencedores da história — não está em antecipar teses de investimento. O futuro não é “antecipável”. O maior mérito vem do book de hedge e da compra de pó (no bom sentido, claro). Se parar pra pensar, o grosso do retorno deriva daquilo que não se vê e não se antecipa hoje. É do posicionamento no improvável.

Pra mim (e essa é apenas minha opinião, como tudo que foi escrito até aqui), Stuhlberger é o mais talebiano dos gestores brasileiros, talvez até inconscientemente. Para uma empresa fundada em homenagem à Empirica, de Nassim Taleb, não poderia haver elogio maior. Por isso, ao seu fundo gostaria de associar-me para a vida toda. As almas têm seus próprios ancestrais e elas se familiarizam de forma natural, ecológica, impávidas mesmo diante de percalços ou retornos de curto prazo.

Se eu tinha alguma dúvida de que o investidor de varejo brasileiro estava em vantagem sobre o institucional, agora não tenho mais. Já era uma convicção, agora ainda mais reforçada.

Se a ideia lhe soa contraintuitiva, apelo ao argumento de autoridade de Peter Lynch, um dos maiores gestores de todos os tempos, também partidário da mesma tese.

A primeira grande vantagem geral do investidor pessoa física se liga em alguma medida ao caso particular aqui exposto: ele não precisa prestar contas a ninguém. Não tem marcação de cota a mercado, exposta a cliente e a alocar diariamente, para exercer-lhe pressão por resultados de curto prazo.

Todos os dias o mercado vai testar sua convicção. Sua tese pode fazer todo sentido e estar certa, mas possivelmente demora um tempo para se materializar — lembre-se de que ações são empresas, por exemplo, e os ciclos empresariais obedecem à outra unidade de medida dos ciclos de home broker. Ou seja, por algum tempo, você necessariamente estará errado, apostando em algo ainda não contemplado pelas expectativas de consenso. Durante esse intervalo temporal, se você é cobrado por clientes e afins, terá de carregar uma convicção sobre-humana no seu cenário para não abandonar a tese. A árvore chacoalha muito e somente os macacos de pulso mais forte podem manter-se apegados aos galhos, “impávidos que nem Muhammad Ali, tranquilos e infalíveis como Bruce Lee”, nas palavras do Caetano.

O investidor pessoa física obedece a um único senhor: ele mesmo. Isso pode mudar tudo.

Outra característica importante desse sujeito é que ele, normalmente, sabe que não sabe. Na Faria Lima e no Leblon, todos sabem de tudo — nenhum super-herói pode admitir por aí sua ignorância e seu desconhecimento, que são bem diferentes de burrice. “Ó príncipes, meus irmãos. Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então, sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? (…) Como é que posso falar com os meus superiores sem titubear?”

A arrogância epistemológica é o caminho mais rápido para concentração e excesso de alavancagem, que, por sua vez, levam direto para a ruína financeira. Se você acha que sabe e aposta all-in numa determinada tese, basta estar errado apenas uma vez. Ao saber que não sabe, a pessoa física entra no jogo mais comedida, pode diversificar, não se alavancar e montar proteções contra suas próprias convicções.

Um terceiro ponto interessante se refere à dinâmica típica dos grandes gestores de investimento. Essa turma toda se conhece, joga golfe na Fazenda Boa Vista, tem casa em Laranjeiras e monta grupo de 150 pessoas no WhatsApp pra falar de investimentos e criticar todos os outros que não pertencem ao grupinho — sabe como é: Narciso acha feio o que não é espelho. Então, vira uma conversa ensimesmada. Todos trocam as mesmas teses de investimento, falam bem das mesmas ideias e ficam reforçando os próprios argumentos, em vez de buscar refutar suas hipóteses originais, numa aplicação perfeita do chamado viés de confirmação.

Para fazer parte da turma, é melhor errar com todo mundo do que acertar sozinho. O investidor pessoa física é somente uma pessoa, que precisa ganhar dinheiro pra si e pra sua família — nem costuma saber direito quais os calls favoritos da ditadura do politicamente correto (sim, ele está presente na Bolsa também). Mais uma vez, ele obedece apenas a si mesmo.

Em adição, o investidor profissional por vezes se depara com uma série de restrições para aplicar os recursos. Não pode esse tipo de empresa, não pode ativo que não pertence a determinado índice, não pode emergente — sei lá, qualquer coisa. Assim, por vezes, seu espectro de possibilidades está limitado. Ao cidadão comum só há um regulamento: ganhar dinheiro, sob perfil de risco adequado.

E, para encerrar, temos ainda a questão da agilidade e da liquidez. Um gestor muito grande é um transatlântico, com as dificuldades naturais de alterar a rota, enquanto a pessoa física é uma lancha. Ademais, se você apresentar uma ideia de uma microcap, por exemplo, a um fundo de 20 bi de reais, ele não vai nem se dar ao trabalho de estudar. Se ele montar uma posição de 3 por cento naquilo, terá comprado 120 por cento do valor de mercado da companhia. Ou seja, ele está alijado de algumas possibilidades de multiplicação, de ativos escondidos de baixa liquidez que só podem ser acessíveis por aqueles cujo capital não é multibilionário.