Eleições 2018

Felipe Miranda: Cinquenta tons de chuchu

24 jul 2018, 16:29 - atualizado em 24 jul 2018, 16:36

Por Felipe Miranda, da Empiricus Research

Eu fico pensando se nós – gestores, analistas, financistas em geral – ainda dispomos do instrumental analítico necessário para identificar as melhores alternativas de investimento nos tempos atuais ou se somos apenas grandes dinossauros, enganando aos outros e, principalmente, a nós mesmos, nutridos por técnicas superadas, inócuas e, mais do que isso, inadequadas para os dias de hoje.

Os profissionais do mercado financeiro, se treinados numa formação ortodoxa, educaram-se na chamada Escola Fundamentalista ou de Valor, no value investing de Benjamin Graham e Warren Buffett, no tratamento de ações como uma representação de um pedaço da empresa.

Essa turma procura distorções entre preço e valor. O primeiro seria a simples cotação do ticker em Bolsa. Valor seria determinado pelas características intrínsecas daquela companhia. Importariam o retorno sobre o capital investido, as forças de Porter, as barreiras à entrada, a qualidade do management, a governança corporativa, o valor dos ativos, o poder da marca, a capacidade de repassar preço, os fluxos de caixa, o nível de risco e por aí vai.

Mas deixe-me falar algo sobre esses mesmos financistas. Para evitar as críticas de eventual parcialidade nas minhas opiniões pessoais, recorro ao argumento de autoridade, emprestando as palavras de Peter Lynch, um dos grandes bastiões do “fundamentalismo clássico”, seja lá o que isso queira dizer:

“Durante todo o tempo, tenho sido tecnofóbico. (…) De fato, a maioria dos investidores que conheço (Warren Buffett, para começar) é tecnofóbica. Eles não trabalham com o que não compreendem, assim como eu”.

Para ser justo, mais recentemente a ideia tem sido flexibilizada na margem e o próprio Buffett tem aceitado investir em empresas de tecnologia. No geral, porém, persiste alguma resistência. Acaba sendo uma aplicação de sua ideia geral de investir dentro de seu círculo de competências, ou seja, em ativos sobre os quais tem grande entendimento. Obviamente, como a tecnologia é um escopo altamente técnico, os financistas, mais generalistas por natureza, sem entender de Python, C, C# C++, Java, Fortran, acabam evitando o setor.

O problema é que o mundo pertence hoje justamente às empresas que mais bem empregam e se apropriam da tecnologia. O mercado acaba dominado pelas melhores estratégias de inteligência artificial, computação em nuvem, exponencialidade, chatbots, marketing digital, algoritmos de otimização, criação de audiência similar – tópicos que, me desculpem, a Faria Lima e o Leblon não entendem bem. Somos obrigados a falar de coisas com que temos pouca familiaridade, sem nenhuma propriedade.

Hoje mesmo, os mercados sobem com algum vigor, empurrados por resultado acima do esperado de Alphabet, a holding que detém o Google. Receitas e lucros acima das expectativas, com grande salto nos “paid clicks”. Mais um banho dos algoritmos de otimização sobre Wall Street. Não estou falando de filosofia. Aconteceu. E quem capturou está ganhando dinheiro hoje!

Voltando ao caso geral, aplicamos um instrumental velho, a um mundo novo. Encontramos grande desconto sobre valor patrimonial ou sobre o valor do ativo líquido numa empresa de autopeças, ignorando que boa parte da cadeia migrará para carros híbridos em pouquíssimo tempo. Tal indústria negocia numa baixíssima relação Preço sobre Lucro e aparece como suposta grande oportunidade, quando, na verdade, aquele lucro será dizimado por uma iminente disrupção na indústria – Cielo (CIEL3) era premium até outro dia. Ignoramos os esforços de Kroton (KROT3) e Gerdau (GGBR4) na fronteira tecnológica, por exemplo, simplesmente por conta de nossa própria falta de conhecimento. Magazine Luiza (MGLU3), que ninguém, com exceção do Alaska, pegou é a representação mais emblemática do argumento. Todos torcemos o nariz pela incapacidade de enxergar antes o que estava emergindo do Labs – mercado hoje fala, com o devido mérito, do Fred, mas é impreterível reconhecer também o que o Renato Pedigoni fez ali. Ele era um menino, sabe? Um grande nerd que revolucionou as vendas da empresa a partir da aplicação de tecnologia.

O value investing tradicional capturaria isso? Se sim, por que os grandes gênios das finanças brasileiras não pegaram?

Deixo claro que gosto do Peter Lynch. O que ele fez no Magellan foi simplesmente impressionante. Também vejo na ideia do “tenbagger” (multiplicação por 10x), que necessariamente exige um processo de tentativa e erro, algo do tinkering talebiano. Mas se você pega a edição mais recente do livro “The Peter Lynch Way”, está escrito como subtítulo “como utilizar aquilo que você já sabe para ganhar dinheiro no mercado”.

Aí dá problema pra mim, entende? Porque eu acho que a gente (todos nós, eu, você, o próprio Peter Lynch, o Didier Deschamps, o Olavo de Carvalho e mais quem você quiser citar) sabe muito pouco. Quase nada mesmo.

Se eu lançar um sétimo livro, vou chamar de “Como utilizar aquilo que você não sabe para ganhar dinheiro no mercado”. E aí você estará em grande vantagem sobre os demais, porque aquilo que não sabemos é um conjunto muito maior do que aquilo que sabemos.

Isso é o pragmatismo talebiano. Como viver num mundo que não entendemos?

Dá para unir isso ao value investing tradicional? Se dá mesmo, não sei. Mas é o que tenho dedicado uma vida a tentar fazer. Para mim, o instrumental analítico da Escola de Valor serve para comprarmos o bom e barato, tentando aumentar nossas chances de que as surpresas estejam do lado positivo. Parece pouco, mas é o máximo que dá para fazer.

Vale para o universo micro e também para grandes temas. Minha visão sobre as eleições, por exemplo, é de que o mercado tem subestimado as chances de uma surpresa positiva. Até dez dias atrás, Alckmin era considerado carta fora do baralho. Fechou a parceria com o Centrão e deu uma boa entrevista ao “Roda Viva” ontem, mostrando um chuchu um pouco mais temperado do que se tinha antes – ainda um chuchu, claro, mas com algum gratino. Foi enfático ao negar o retorno do imposto sindical e firme em certas posições reformistas – bem firme se considerarmos o histórico do tucanato. Pode animar os mercados hoje.

No curto prazo, vai funcionar assim: uma dicotomia clara, num mercado totalmente binário, com ativos de risco (bolsa e prefixados longos) subindo com força com aumento de chances de Alckmin, e vice-versa.

Enquanto o novo presidente não assumir de fato, navegaremos em torno desse mito — com minúscula, para evitar associação com o candidato do PSL, embora o termo até pudesse servir bem ao Bolsonaro; o mito é o tudo, que não é nada. Se Bolsonaro é reformista? Desculpem, mas eu não acredito. Podem chiar o quanto quiserem, mas seu histórico de votações poderia muito bem representar descrever o apoiador da política econômica heterodoxa do governo Dilma. Acaba de evitar uma votação controversa simplesmente porque não gostaria de desagradar corporações específicas (e ajuste fiscal não se faz sem desagradar certos grupos de interesse). Nunca se posicionou a favor da privatização da Eletrobras (ELET3; ELET6) e é bastante reticente na questão previdenciária.

O mito a que me refiro é de que há um candidato reformista (Alckmin) capaz de fazer todo o necessário pelo país. E assim caminharemos no curto prazo, num binomial simplista, a exemplo do que foi Macri na Argentina – aqui fazendo o exercício de que, de fato, haja eleição do candidato considerado reformista. Sobe na expectativa, para depois corrigir os excessos quando encontrarmos a realidade das dificuldades de negociação com o Congresso.

Nenhum político brasileiro é tão reformista assim. Talvez também o oposto seja verdadeiro. Pode ser que nenhum político seja tão não-reformista assim, com a realidade e a aritmética se impondo naturalmente. A agenda e o instinto de sobrevivência sobrepujam qualquer ideologia. O próprio Temer não é um reformista clássico, mas optou por esse caminho por imposição da realidade objetiva. E o que dizer do Centrão, aliado de Alckmin nestas eleições? Há algo mais conservador (no sentido de conservar privilégios) do que isso?

Por fim, peguemos o exemplo do México para enrobustecer o argumento: um candidato supostamente antirreformas assumiu e o mercado, na esteira, subiu com força, a partir de um abrandamento de discurso e uma equipe econômica mais responsável.

Tudo isso para dizer que, entre o cenário binário que os mercados brasileiros pintarão nos próximos meses, há cinquenta tons de cinza. O tema é certamente afrodisíaco, mas é assunto para depois.

Por ora, acho que cabe um tiquinho de estatais na carteira, para capturar a possível subida de Alckmin na corrida presidencial. Se vai ou não ser eleito, ninguém sabe. Assunto divide a população em dois: aqueles que não sabem, e os que acham que sabem. Mas há uma assimetria legal aqui. Monte uma posição bem pequena, para calibrar adequadamente o risco de sua carteira. Petrobras (PETR3; PETR4) pode ser um bom cavalo: barata e num bom momento para commodities (late cycle internacional favorece compra de ações de matérias-primas e se Trump meter uma bomba no Irã, petróleo pode explodir junto).

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