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Felipe Miranda: Cartão vermelho (para a coesão)

16 set 2020, 11:11 - atualizado em 16 set 2020, 11:13
“A diferença entre “inspiradoramente ousado” e “tolamente imprudente” pode só ser visível em retrospectiva”, diz o colunista

O texto de hoje passa longe de ser um exemplo de coesão. Desculpe. Ao melhor estilo “O que eu também não entendo”— e eu não entendo muita coisa —, são pensamentos soltos, traduzidos em palavras.

Reúno ideias desconectadas entre si, separadas em três partes. Cada uma delas tem sua utilidade particular.

Começo com um testemunho pessoal. Muitos podem interpretar apenas como um anedótico. Embora isso não seja um problema, pois anedóticos muitas vezes servem mais do que um extenso DCF para provar certos pontos por indução, em que casos particulares demonstram uma característica geral, entendo que seja mais do que isso. A informação vinda de uma boa fonte conta muito, em especial num mundo recheado de fake news e de uma imprensa histriônica. Nada melhor do que um bom networking para ajudar a separar ruído de sinal, fazê-lo perceber alguma situação específica com lentes mais nítidas do que aquelas usadas pela média do mercado.

Ontem, a declaração do presidente Jair Bolsonaro de que daria cartão vermelho a membros da equipe do Ministério da Economia voltou a trazer volatilidade aos mercados. Mais um episódio (na minha conta, é o décimo) em que se especula sobre o desprestígio ou até mesmo, no limite, a saída do ministro Paulo Guedes do governo.

Uso este espaço para minimizar qualquer suposição nessa direção. Claro que o cargo de ministro da Economia no Brasil não é propriamente uma grande referência de instabilidade. Saídas ou permanências no governo são decisões bastante pessoais e sempre sujeitas a surpresas no meio do caminho. Nada pode ser completamente descartado. Porém, acredito que, na ausência de algum evento extremo, o ministro Paulo Guedes continua no governo pelo menos até o fim do primeiro mandato Bolsonaro.

Na sexta-feira, jantei com pessoa bastante (assim, bastante!) próxima ao ministro. Não conto isso porque espero algum interesse de sua parte na minha agenda particular. De fato, ela é bem desinteressante. Mas é que dali veio a informação de que “as pessoas não têm ideia do quanto são próximos o PG e o presidente”. Ali, haveria grande confiança recíproca, uma relação de unha e carne, “cueca e carça”.

Acho importante transmitir essa mensagem publicamente porque as especulações de saída ou falta de reconhecimento de Jair Bolsonaro ao ministro são recorrentes. E elas são falsas.

Isso tem implicações para o investidor. Suposições sobre fraqueza do ministro abrem oportunidades de compra de ativos de risco brasileiro. E sua permanência no comando da Economia permite alguma confiança de que não vamos explodir a trajetória fiscal brasileira — podemos até não conseguir fazer muita coisa nesse campo, mas pelo menos temos uma segurança de não adotarmos uma política econômica completamente heterodoxa. Dado o nível de preços dos ativos brasileiros, em especial câmbio e juros de mercado, já é alguma coisa.

A segunda parte da nossa conversa hoje muda completamente o assunto. Das especulações palacianas e das capas de jornais, vamos para o Twitter. Mesmo dentro da esgotosfera da internet, há boas exceções a se seguir e citar.

Ontem, a IP Capital Partners fez uma thread muito interessante sobre a relação entre a sorte e o desempenho nos mercados financeiros. Replico as sábias palavras aqui e faço um pequeno apontamento ao final.

“O universo de investimentos é um dos poucos — se não o único — em que um completo iniciante pode dar muita sorte e, em períodos curtos de tempo, superar maciçamente os resultados de alguém com anos de estudo e experiência. Jamais veríamos o mesmo na medicina ou na construção.

Em seu livro “The Psychology of Money”, Morgan Housel explica que o comportamento do investidor é mais relevante para seu sucesso financeiro do que o conhecimento técnico. Ou seja, investimento não é “hard science”, e sim “soft skill”.

Aprendemos sobre dinheiro de maneiras que são muito parecidas com a física (com regras e leis) e não o suficiente com a psicologia (com emoções e nuances). Porém, as finanças são guiadas primordialmente pelo comportamento das pessoas.

“Subestimamos o papel da sorte e do risco nos investimentos. Falhamos em reconhecer que são dois lados da mesma moeda”, afirma Felipe Miranda (Imagem: Reuters/Amanda Perobelli)

Subestimamos o papel da sorte e do risco nos investimentos. Falhamos em reconhecer que são dois lados da mesma moeda. A linha entre ousado e imprudente pode ser tênue. Inúmeras fortunas (e fracassos) se deram pelo resultado da alavancagem, por exemplo.

A diferença entre “inspiradoramente ousado” e “tolamente imprudente” pode só ser visível em retrospectiva. A dificuldade em identificar o que é sorte e o que é habilidade é o maior problema que enfrentamos ao tentar aprender a melhor forma de administrar nosso dinheiro.”

Como a maior parte das coisas faladas pela IP, são palavras brilhantes. Gostaria, contudo, de acrescentar um ponto à frase “A diferença entre ‘inspiradoramente ousado’ e ‘tolamente imprudente’ pode só ser visível em retrospectiva”.

Muitas vezes, nem mesmo em retrospectiva podemos detectar o que foi competência e o que foi sorte. Ao contrário, por vezes, o resultado de uma escolha financeira, conhecido a posteriori, pode inclusive reforçar a interpretação de que uma decisão tomada lá atrás, que rendeu lucro, se deveu à competência, quando ela somente derivou da sorte.

Exemplo: o investidor que comprou 100% do seu patrimônio em bitcoin há dez anos e hoje olha retrospectivamente sua decisão possivelmente se acha um gênio, quando na verdade tomou apenas uma decisão maluca que, por sorte, deu certo. Howard Marks fala muito disso. Se Maju Coutinho disser que há 80% de chance de fazer Sol amanhã e, na verdade, chover, ela terá errado em sua avaliação? Ou apenas caímos no cenário de 20% de chance?

Para fechar o dia, três ideias rápidas:

1 — A diferença entre os IGPs e os IPCs nunca foi tão grande. Não quero levar isso para uma discussão macro e sistêmica. Fica para um segundo momento se os índices de preços ao consumidor estão grávidos do atacado, do dólar e dos preços dos alimentos ou não. O ponto aqui é explorar quem tem receita reajustada por IGP e custos reajustados por IPC, o que poderia resultar em clara alavancagem operacional. Multiplan (MULT3) e Ecorodovias (ECOR3) são candidatas óbvias.

2 — Tenho uma dose de preocupação com os preços do petróleo até outubro. Há um estoque grande parado no mar hoje. E isso precisa ser desovado até outubro. Gente boa do setor diz que, por isso, inclusive, a Arábia estaria vendendo abaixo do Brent, sabedora dessa possível maior oferta à frente. Se confirmado o choque, o petróleo poderia voltar para a casa dos US$ 30 por barril, afetando, claro, as empresas do setor e as moedas emergentes, enquanto ajuda companhias aéreas.

3 — Dados de alta frequência da economia têm apontado uma recuperação mais vigorosa do que o consenso parece supor. Construção civil e toda sua cadeia podem ser particularmente beneficiadas. Preparamos a Carteira Empiricus para isso hoje.