Felipe Miranda: Carreguem suas armas, tragam seus amigos
Já me falaram que a maioria dos agentes autônomos não gosta de mim. Eu, sinceramente, não acho muito justo. Veja se você não concorda comigo…
Primeiro, porque dos nossos 340 mil assinantes, um montão acaba operando com eles e deixa um bocado de dinheiro lá. Acho um tanto estranho falar mal de quem gera dinheiro pra você. Sei lá, é só a minha opinião.
Segundo, eles não entenderam uma coisa: eu adoro os caras, na física, como pessoas mesmo, e como entes que trabalham para o desenvolvimento do mercado de capitais, de uma forma ou de outra. Qualquer um que esteja nessa já tem minha simpatia na largada. Financistas, uni-vos! Fora que tenho amigos — sendo mais preciso, bons conhecidos — trabalhando na área.
Mais até do que isso, o papai foi agente autônomo durante muito tempo, ainda quando esse troço era meio bangue-bangue. Então, sou grato à profissão, pois foi a partir dela que papai pôs comida na mesa por vários anos lá em casa. Talvez eu não tivesse a devida gratidão à época — “você conhece a gratidão dos filhos”, conforme precisamente resumiu Kafka.
Mas hoje é diferente. Ah, como é diferente! Depois que você é, de fato, um chefe de família, percebe o quanto aquilo é valioso — meu caro, eu não tenho um orçamento mensal; carrego comigo uma verdadeira folha de pagamentos, tenho mais payroll do que o Employment Report a ser divulgado daqui a pouco nos EUA.
Minha única questão com os agentes autônomos, que são em sua maioria competentíssimos e éticos, se refere à estrutura de incentivos. Tudo e só isso. Já falei algumas vezes a respeito. É um pouco cansativo pregar no deserto. Hoje, portanto, nesta sexta-feira maravilhosa de clima londrino aqui em Sampa, abro aspas para a CVM:
“A atuação do agente autônomo é, sem dúvida, permeada por conflitos de interesse. Ele tem incentivos para vender os produtos financeiros que geram maior comissão (ou “rebates”) e tem interesse que o cliente faça o maior número possível de operações, gerando corretagem, o que nem sempre pode ser do melhor interesse do cliente.
A CVM não está afirmando que no mercado brasileiro os agentes autônomos ajam preponderantemente sob tais motivações, mas apenas reconhece que o conflito de interesses é inerente à sua atuação.”
Não sou eu falando. É o regulador. Então, vamos combinar, se a turma da XP ficou brava comigo quando apontei rigorosamente a mesma questão, precisa agora estar igualmente brava com a CVM. Deviam telefonar para o Marcelo Barbosa ainda hoje cobrando retratação.
Não estou pedindo muito. Só uma questão de coerência, né? Ou, sei lá, talvez eu e a CVM tenhamos ficado loucos juntos. Vai saber… Tudo é possível no Absurdismo, cuja formalização se liga mais ao Existencialismo de Albert Camus, mas se você reparar bem e for subindo na genealogia da coisa, encontra raízes em Søren Kierkegaard.
É aí que eu queria chegar.
Existe um argumento hoje, pós-Previdência, de que haverá grande frustração no Brasil. Supostamente, de acordo com essa corrente, como não existe nenhuma outra pauta já conhecida, aprovaremos a mudança de regra nas pensões e, depois, entraremos numa grande ressaca.
Sem novos projetos, o país continuaria sem crescer. Sem crescimento, a trajetória dívida/PIB não diminui nem mesmo com a Nova Previdência. Então, os mercados passariam por uma importante correção, pois teriam antecipado um cenário muito positivo à frente, que, no final do dia, não viria a se materializar.
Há gestor muito competente indo por essa linha, falando que Paulo Guedes não tem um plano e que não se vê nenhuma planta nova surgindo por aí.
Discordo fortemente dessa turma. O argumento supramencionado é falacioso. Não estou falando que os mercados não podem cair mais à frente. Claro que podem. O futuro insiste em ficar no futuro e não podemos antecipar o comportamento de amanhã dos ativos financeiros para hoje. O ponto é que o raciocínio fere a lógica formal. Só isso.
Quem argumenta por essa linha de que “não estou vendo agenda” e conclui pelo inexorável pessimismo incorre num erro epistemológico, pois confunde ausência de evidência com evidência de ausência.
Não é porque você não está enxergando os planos de Paulo Guedes que eles não existam. Se você ouviu o discurso dele na Expert (pelo que me disseram, a feira está ótima; parabéns por isso — sim, eu sei separar as coisas), encontrou lá algo assim: “Tudo que tiver de medidas que não dependerem do Congresso, nós vamos unleash hell; assim como os romanos do início do filme Gladiador. Vai ser tudo ao mesmo tempo”.
Você acha mesmo que um cara desse não tem um plano. Smells like teen spirit. Isso cheira a espírito adolescente. Há uma série de coisas a serem feitas e já devidamente planejadas. Agora, é mais inteligente que não as coloquemos à mesa, simplesmente para que não comecem a já sofrer as pressões das corporações parasitas que usurpam o Estado brasileiro e sejam muito desidratadas. Por incrível que pareça, “with the lights out, it’s less dangerous”. É mais seguro caminharmos sem colocar todas as cartas na mesa antes da hora, evitando queimar a largada.
Focamos agora na Previdência, depois fazemos o resto, sem embaralhar as coisas. Você não consegue fazer o segundo gol antes do primeiro. Isso aqui não é uma corrida de 100 metros, mas uma verdadeira maratona. Qualquer um que já se envolveu num campeonato de pontos corridos sabe que se pensa jogo a jogo.
Ao final de 2015, quando o Ibovespa rondava os 40 mil pontos, apontei a mesma falácia lógica adotada pela maior parte dos agentes financeiros. Como não estávamos enxergando a saída para a crise da era Dilma, concluímos pela inexistência da saída da crise.
A recomendação era dar um salto de fé na direção de uma recuperação brasileira, pois os ativos locais haviam ficado excessivamente baratos e algo aconteceria — seja lá o que fosse esse algo. Veio o impeachment, e a Bolsa se multiplicou por 2,5 em três anos.
Agora, volto ao leap of faith de Søren Kierkegaard. Ainda que não estejamos vendo toda a agenda reformista nos pós-Previdência, entendo que devemos dar um novo salto de fé e ter muita exposição à Bolsa. Não porque possamos mergulhar no escuro de forma ingênua.
Mas porque as ações brasileiras estão baratas, negociando na média história de 12 vezes lucros projetados, sendo que já negociaram a 17 vezes em momentos de otimismo e agora o custo de oportunidade do capital é o menor da história.
Você não precisa tocar as reformas vindouras com as mãos. Basta entender que, aos níveis de preço atuais, elas são uma opcionalidade, e isso, sim, precisaria ser levado ao preço.
Apesar do recorde ali perto dos 104 mil pontos, não há distorção de preço na renda variável. O mercado realmente distorcido e problemático é o de crédito, em que há sobrealocação, por conta de uma capacidade descomunal das plataformas de investimento de varejo de colocarem na pessoa física esse tipo de produto.
“Renda fixa”, “sem volatilidade”, “bem acima do CDI” entram maravilhosamente bem nos ouvidos do investidor pessoa física. Eu entendo a dinâmica. Seria muito difícil supor o contrário na prática. Afinal, falar qualquer coisa diferente disso exigiria uma estrutura de incentivos não conflitada.