Empiricus Research

Felipe Miranda: Bois don’t cry

12 fev 2019, 10:52 - atualizado em 12 fev 2019, 10:52

Não leio mais notícias sobre altas e baixas das ações. Muito sábio, Raulzito já tinha percebido: não preciso ler jornais, mentir sozinho eu sou capaz. Naquelas páginas, estão apenas as histórias inventadas para o dia, a versão mais crível – não necessariamente a verdadeira – para uma variação aleatória qualquer. Não é culpa dos jornalistas, fique claro. É o nosso cérebro que está sempre atrás de um causo razoável, linear e bem-comportado. A razão é uma grande emoção, é o desejo de controle.

Desprezo as falácias da narrativa. Meço a pontuação do Ibovespa pelo nível de arrogância das conversas pela Faria Lima – esse, sim, indicador muito mais confiável. Cada enxadada, uma minhoca. Não tem erro. A autoavaliação de gestores e investidores é marcada a mercado, cota diária diretamente proporcional ao desempenho das próprias posições.

Curioso como todos ficaram competentes novamente. As razões são variadas, mas conhecidas. Uns melhoraram processos e tecnologias internos. Outros aprenderam com os erros do passado. Existe também a turma que melhorou a equipe após novas contratações ou demissões das laranjas podres. E, claro, há sempre aqueles que se divorciaram e agora estão livres novamente para voar – a culpa da performance anterior ruim era da coitada da mulher, entendeu?

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Sabe o que essa turma não entendeu, principalmente aqueles que geriam dinheiro em ações há bastante tempo? Que eles não eram tão competentes assim no ciclo 2003-2007. Não selecionaram com precisão cirúrgica small caps que se multiplicaram de valor. Era apenas um bull market. E eles surfaram uma enorme onda de valorização desses papéis, sendo beneficiados (sem perceber) pelo que essa classe de ativos tem de melhor: a convexidade.

Small caps são clássicos “beta plays”, muito sensíveis às condições sistêmicas. Se o mercado vai bem, elas vão muito bem. Você só precisa estar ali. Bingo!

Aliás, quanto mais irresponsável, melhor – os mais alavancados e concentrados são os grandes vencedores de um bull market. Claro, isso é perigosíssimo, porque você nunca sabe quando a festa vai terminar. Mas, a posteriori, depois que a aleatoriedade elegeu seus vencedores, quem vai se preocupar com aquilo?

Depois de ocorrido, quem terá coragem de apontar o dedo para aquele gestor que multiplicou seu capital por um zibilhão de vezes e dizer que ele, apesar de ter produzido um resultado final muito positivo, expôs seus cotistas a riscos escondidos excessivos? E se a História, que só narra o que foi e não o que poderia ter sido, resolvesse caminhar de forma um pouquinho diferente? Ah, deixa pra lá, né?

Ao mesmo tempo, esses mesmos gestores não eram tão ruins quanto a performance de seus fundos poderia sugerir no período 2008-2015 (ou 2010-2015), quando muitos foram simplesmente dizimados e expulsos do mercado. Era a vez do bear market, da vitória do urso sobre o touro, daqueles que antes estavam lá em cima e foram atacados para baixo. Não tinha muito o que fazer ali. Muitas vezes, a metamorfose do bull para o bear market ocorre sem capacidade de antevisão, catalisada por algum cisne negro qualquer desta rica fauna tropical.

“Ah, mas teve muita gente que sobreviveu bem a essa fase ruim.” Sim, é verdade. A mesma turma que não ganhou tanto dinheiro no ciclo favorável anterior ou não estava no mercado antes. Ou seja, o gestor apenas tinha uma característica pessoal de ser mais defensivo; de novo, é uma vitória sistêmica (ou biológica, sei lá) – o cara não vai tão bem em ciclos positivos, e vai ok em ciclos negativos. Ou então era imaculado, porque simplesmente não existia previamente. Alerta: gestores imaculados são os mais perigosos.

Agora, desde 2016, entramos novamente numa tendência estrutural positiva e aqueles que sobreviveram ao bear market anterior estão ganhando muito dinheiro de novo. E, claro, esse resultado favorável se deve sempre e integralmente à sua própria competência.

A lógica é a seguinte: quando o pessoal ganhou muito dinheiro entre 2003 e 2007, era pelo mérito próprio, pela habilidade em selecionar ações e outros ativos de risco (nunca pelas condições sistêmicas favoráveis). Já no momento de 2008-2015 (ou 2010-2015), quando adentramos o bear market, daí os retornos ruins decorreram, exclusivamente, dos problemas macro (nunca da incompetência em selecionar ações e outros ativos de risco). Agora, no ciclo positivo iniciado em 2016, mais uma vez a enorme habilidade de nossos super-heróis volta à cena!

Pessoal, é só um bull market. E tudo bem, sabe? Não precisa chorar. Ele vai eleger (aliás, já está elegendo) seus grandes vencedores, que irão para a capa da Exame para logo depois serem os vilões do próximo ciclo negativo, com uma queda súbita, abrupta e inesperada – espero que, sob nova direção, a maldição da Exame seja quebrada. Todos os heróis da história do mercado de capitais brasileiro encontraram depois um grande fracasso. Luis Stuhlberger é a exceção que confirma a regra – talvez porque saiba, diferentemente dos outros, que não há herói algum; gênio por identificar que genialidade conta pouco num ambiente em que incerteza e aleatoriedade jamais desaparecerão do processo (sempre com proteções; em período pré-carnaval, vale o lembrete: “safe sex or no sex at all”).

Há um fato estilizado no mercado financeiro de que as pessoas físicas investem mal. Basicamente, porque desconhecem o que estão fazendo. Narciso acha feio o que não é espelho. Os profissionais do mercado proclamam a superioridade dos “profissionais do mercado” sobre o investidor de varejo. Ah, que lindo!

Sempre achei essa visão distorcida, arrogante e ensimesmada. Repare como se comporta o alocador, por exemplo. Cheio de dinheiro, muito bem conectado e lotado de informação e conhecimento técnico, esse cara elege suas aplicações favoritas mais preocupado com as marcas d’água de suas investidas do que qualquer outra coisa. Agora mesmo está financiando a aventura empreendedora de muito fundo multimercado no exterior (sem experiência alguma para isso) e estão todos aplaudindo. Detalhe: esse mesmo alocador é o primeiro a ligar para o gestor cobrando performance e ameaçando, tácita ou explicitamente, sacar do fundo.

São os supostos profissionais, ditos acadêmicos e especializados, que estão produzindo rankings de fundos baseados exclusivamente em históricos de retorno e afirmando que três anos representam longo prazo em Bolsa. E o pior: os eleitos disparam essa eleição para suas bases de e-mails e postam orgulhosos suas medalhas no LinkedIn. Meu Deus, mas que loucura! Aí, se você escreve sobre essa barbaridade, você é “polêmico”. Cara, polêmica, pra mim, é não falar a verdade. Se você vê uma fraude e não grita “fraude”, a fraude é você mesmo.

Quando me perguntam quem ou o quê foi protagonista no desempenho espetacular da Carteira Empiricus ou de nosso crescimento empresarial, afirmo sem tergiversar e com total sinceridade: a sorte. Seria mais reconfortante atribuirmos mais competências e habilidades a nós mesmos. Seria tão delicioso quanto falso. O papel da deusa Fortuna no nosso dia a dia é muito mais forte do que o desejo de controle gostaria de admitir.

Com o Ibovespa voltando a se aproximar dos 100 mil pontos (sim, eu acredito!), vim hoje pensando no que poderia ser a melhor indicação de investimento para nossos assinantes. Depois de muito refletir, encontrei o stock picking ideal. Aqui está a recomendação de hoje: “Iludidos pelo Acaso”, um dos livros menos falados de Nassim Taleb, mas possivelmente o melhor.

Ao investidor, é fundamental perceber que os ganhos apurados dentro de um bull market são resultado mais de condições sistêmicas do que propriamente de suas habilidades individuais. Caso contrário, quando o ciclo mudar, ele pode ser expulso do jogo. É muito fácil confundir aleatoriedade com competência (mesmo o gestor profissional faz isso).

Pensando na capacidade de nos iludirmos, lembro dos Mamonas Assassinas na poética “Bois Don’t Cry”: “E na cama quando inflama/ Por outro nome me chama/ Mas tem fácil explicação/ O meu nome é Dejair/ Facinho de confundir/ Com João do Caminhão”.