Eleições 2018

Felipe Miranda: Bem-vindo ao Segundo Mandato Temer

08 out 2018, 11:10 - atualizado em 08 out 2018, 11:10

Por Felipe Miranda, estrategista-chefe da Empiricus Research

“A smell of wine and cheap perfume
For a smile, they can share the night”

Don’t Stop Believin’ – Journey

A gente assistiu à final da Copa de 2002 virado. Estávamos em Porto Seguro, viagem de formatura do Ensino Médio. Acho que na época ainda era Colegial, sei lá. Um clássico.

O quarto estava uma zona. Tinha umas 25 pessoas ali. Mal conseguia identificar quem era quem. Lembro do Reboco me passando uns negócios, uma mulherada berrando no fundo, o André tomando uma bebida estranha. Eu pergunto em voz baixa, pra mim mesmo ou sei lá pra quem: “Quanto tá o jogo, hein?”.

Voltei ao planeta Terra com a galera gritando “pentacampeão”. Uns cinco minutos depois, alguém me passou o celular: “Ó, tá tocando faz tempo”. “Ah, brigado.”

“Alô.”
“E agora, hein?”
“Quem é?”
“Porra, filho, como quem é?”
(Hhhraam, aquela limpada na garganta)
“Fala pai, tudo bem?”
“Este Lula é um rabudo do caralho, hein?”
“Oooorra, muito rabudo…”

Respondi de susto. Confesso que, na época e naquela altura, não entendi nada. Não tinha como entender. Depois, fui perceber o quanto o velho tinha razão.

Aos recém-chegados em Bolsa, vale o lembrete: o governo Lula 1 representou um dos maiores bull markets da história do mercado de capitais brasileiro. Cara, era o Lula, entendeu? Esse mesmo que está aí preso. Você acha que o Lula era reformista? Liberal convertido?

Lula foi encontrado – assim mesmo, na voz passiva – pela herança das reformas estruturantes e liberais do governo FHC, tanto em nível micro como macro, por um cenário internacional de grande calmaria, canonicamente chamado na literatura de Grande Moderação (baixa volatilidade de juros, PIB e inflação) e pela entrada da China como grande comprador de matérias-primas, que se traduziu em grande valorização das matérias-primas e ganhos de 40 por cento nos termos de troca brasileiros. Foi isso que permitiu um crescimento econômico mais vigoroso, expansão do salário mínimo acima da média e melhora do índice de Gini.

No dia depois da eleição, somos encontrados por Jair Bolsonaro. Pra mim, o resultado foi acachapante, inclusive convergiu para aquele traçado aqui mesmo neste espaço na sexta-feira: Bolsonaro terá mais votos nas urnas do que as pesquisas sugerem e deve ficar bem próximo de ganhar no primeiro turno.

Se querem minha visão sobre o comportamento de curto prazo dos mercados como desdobramento do resultado das eleições, aqui as antecipo: alta vigorosa dos ativos de risco brasileiros – impacto brutal sobre juro longo e estatais, incluindo aqui as estaduais (Copel, Copasa, Cemig e Sanepar). A questão está praticamente decidida – a não ser que haja um daqueles cisnes bem negros, Bolsonaro está eleito. Câmbio pode buscar algo como 3,60 reais por dólar, o que pode indicar underperformance de exportadoras. Detalhes, dicas e sugestões mais detalhadas e diretas estão no Bootcamp Empiricus Eleições. Vale conferir.

Valorizações podem ser muito maiores do que o consenso supõe neste momento. Senado veio bem alinhado a Bolsonaro e provavelmente vamos retomar a discussão sobre a reforma da Previdência ainda neste ano – curiosamente, Bolsonaro herdará as reformas estruturantes feitas no governo Temer, da mesma forma que Lula herdou de FHC. Isso, combinado a preços de commodities interessantes, faz toda a diferença.

Agora, há um papo inteligentinho querendo dizer que os mercados exageram no otimismo com Bolsonaro, que não há a menor chance de negociação das reformas com ele e que Paulo Guedes vai logo abandonar o barco. Essa conversa pseudodescolada é, na verdade, bastante clichê. Além de Paulo Guedes, há no entorno de Bolsonaro 40 economistas, alguns com formação sólida em Chicago, realmente comprometidos e engajados com o processo.

A aprovação de reformas depende de vários fatores, incluindo questões exógenas, como o ambiente externo, a sorte, o weltanschauung, o zeitgeist do momento. O que há de concreto agora é que eliminamos por completo o risco de um cenário de cauda muito negativo, os preços dos ativos estão atrativos e vamos voltar a discutir reformas no curtíssimo prazo.

O que vai acontecer depois que o Ibovespa bater 100 mil pontos? Não sabemos. Neste momento, há um dinheiro na mesa para pegar. Você pode pegá-lo ou continuar se perguntando se aquele dinheiro deveria estar mesmo ali ou se vai continuar ali num segundo momento.

Enquanto o mundo se debruça para entender se Bolsonaro é ou não liberal, os mercados vão subindo. O capital não tem ideologia. Aliás, você acha mesmo que o próprio Bolsonaro está preocupado com isso? Precisamos parar de perseguir o que é certo, qual a essência da verdade e da realidade nos mercados. A nós, basta ganhar dinheiro. Não é um concurso de educação moral e cívica. Elegemos um presidente e queremos saber como isso afeta o preço dos ativos. Pela enésima vez, X não é F(X). Entender a realidade é muito mais difícil do que compreender como ela afeta o seu portfólio.

Se você ainda não entendeu a essência da coisa: hoje começou formalmente o Segundo Mandato Temer, aquela tese que dizia sobre a imposição inexorável da agenda liberal e reformista, cuja materialização tinha entre seus pilares a migração do pêndulo da esquerda para a direita – se houve um erro na antevisão, foi de ter achado que o pêndulo pararia na centro-direita; a força motriz era tão forte que o negócio passou atropelando tudo e foi mais ainda à direita. A ideia do bull market estrutural está aí. Touché!