Felipe Miranda: Alô, alô, CVM, tem alguém aí? Esconda a carteira
Por Felipe Miranda, estrategista-chefe da Empiricus
“Hello,
Is there anybody in there?
Just nod if you can hear me.
Is there anyone at home?”
Comfortably Numb – Pink Floyd
O Corinthians não tem elenco. O Corinthians não tem sequer um time. Não tem dinheiro também. E não tem mais o respeito dos adversários. Centroavante, então, nem pensar, passa longe. Não tem um grande treinador, nem esquema tático. Mas o Corinthians tem alma. E a alma é inquebrável. O Corinthians sempre vai ser… Corinthians. É só por isso que ele está na final da Copa do Brasil.
Entre os vários personagens que visto para escrever esta newsletter — todos eles são reais e amados, compositores sinestésicos da alma —, existe um preocupado com governança corporativa e respeito ao interesse dos acionistas minoritários. Meu favorito é o “corintiano, maloqueiro e sofredor — graças a Deus”, mas deixo de lado.
Ciente dos limites de minha atuação microcósmica, tento dar uma pequena contribuição ao desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil. A palavra é uma espada viva e eficaz, mais cortante do que qualquer outra faca, pois penetra até a divisão da alma e do espírito, das juntas e das medulas. Foi assim nos casos históricos de Oi, Brasil Telecom e Marfrig — para ficar na tríade mais emblemática.
Às vezes, me sinto pregando no deserto, conversando apenas comigo mesmo. Ninguém ouve ou fala nada. Bicho, morreu o Charles Aznavour e fingimos que nada aconteceu! Ainda ontem, poderia ouvi-lo claramente: “Hier encore, j’avais vingt ans. Je caressais le temps et jouais de la vie. Comme on joue de l’amour. Et je vivais la nuit. Sans compter sur mes jours qui fuyaient dans le temps”.
Se ouvem ou não, se leem ou não, se há ou não efeito prático disso, não sei. Dou de ombros. “Compadre meu Quelémem sempre diz que eu posso aquietar meu temer de consciência, que sendo bem assistido, terríveis bons espíritos me protegem. Ipe! Com gosto… como é de são efeito, ajudo com meu querer acreditar. Mas nem sempre posso. O senhor saiba: eu toda a minha vida pensei por mim, forro, sou nascido diferente. Eu sou eu mesmo.”
As almas têm sua própria linguagem. A minha fala hoje sobre um dos maiores roubos da história do mercado de capitais brasileiro. E se me cobram linguagem moderada e comedida, eu lhes peço desculpa por mais uma vez falhar em cumprir com o pedido, pois não há outro modo de descrever o que aconteceu ontem. O estilo é o homem. No dia em que me enquadrarem em certos eufemismos, será o dia em que terei sido domado. E não há coisa pior para acontecer a um lutador do que ele ser domado.
Hier encore, Qualicorp (QUAL3) fechou contrato com seu presidente e fundador, o famigerado Sr. José Seripieri Filho (conhecido no mercado como Júnior ou, segundo a imprensa, como aquele que emprestava seu jatinho para viagens do ex-presidente Lula), firmando acordo de não competição, o impedindo de deixar a companhia e o proibindo de vender suas ações em Bolsa (ele detém 15 por cento do capital da companhia). Em troca, a Qualicorp pagará a Júnior a módica quantia de 150 milhões de reais.
É ultrajante.
Deixe-me recuperar a Lei das S.A., em seus artigos 153 a 155 (copio apenas as partes mais contundentes):
“O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.
O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.
O administrador eleito por grupo ou classe de acionistas tem, para com a companhia, os mesmos deveres que os demais, não podendo, ainda que para defesa do interesse dos que o elegeram, faltar a esses deveres.
É vedado ao administrador: a) praticar ato de liberalidade à custa da companhia; b) sem prévia autorização da assembleia-geral ou do conselho de administração, tomar por empréstimo recursos ou bens da companhia, ou usar, em proveito próprio, de sociedade em que tenha interesse, ou de terceiros, os seus bens, serviços ou crédito.
O administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus negócios, sendo-lhe vedado: usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo.”
O acontecimento de ontem é simplesmente uma afronta a tudo isso. Sem passar por Assembleia, o presidente da companhia assalta a Qualicorp na cifra de 150 milhões de reais por uma atividade já prevista para o cargo de CEO.
No mínimo, eventos como esse precisariam passar por ritos como assembleia geral de acionistas — já há inclusive mobilização de importantes acionistas minoritários para, no exercício de seu dever fiduciário, perseguir seus direitos na Justiça. Minha opinião pessoal, porém, é que a questão, isoladamente, não deveria ser submetida a Assembleia, porque já está inserida no pacote de remuneração do management e do CEO em particular. Todos os elementos do acordo já estão definidos como integrantes da função do administrador pela Lei das SAs, com seus limites, direitos e deveres, não havendo qualquer necessidade de um acordo em paralelo.
Circula pelos grupos de WhatsApp do mercado financeiro comunicação da XP Gestão manifestando-se sobre o fato e já se comprometendo com o exercício de ativismo para evitar prejuízos aos acionistas minoritários.
Desde já, a Empiricus , sabendo dos limites de sua atuação e reconhecendo seu pequeno tamanho sem nenhuma arrogância diante da grandiosidade da XP, se coloca à disposição para eventualmente ajudar, reunindo procurações de seus assinantes para eventual posterior disputa em Assembleia.
Aproveitando, já que estamos no modo metralhadora giratória, deixe-me falar de outro tema que tangencia o aspecto governança. Essa história de GWI tomando o controle e a administração de Gafisa não vai terminar bem. Há um cheiro de enxofre no ar. A ação pode até não cair no curto prazo, com o gestor “squeezando” todo mundo e fazendo puxeta no papel ao chamar aluguel. Mas a incorporadora vai enfrentar fechamento da torneira dos bancos, a relação com fornecedores vai ficar complicada e duvido que Gafisa entregue todos os imóveis em construção lá na frente. O mais triste é que vai respingar sobre todo o setor, com spreads mais altos e aumento da percepção de risco. Se já era difícil ganhar dinheiro com ação de incorporadora, vai aí mais um obstáculo.
Embriagados por cada dose de novidade eleitoral, por vezes deixamo-nos esquecer de que as ações — esses símbolos que pulam para cima e para baixo, piscando alternadamente entre o vermelho e o verde em nossos monitores — são, no final do dia, empresas, que convergem no longo prazo para a realidade… empresarial.
A nós, garimpeiros das melhores oportunidades em Bolsa, resta apenas o exercício da vocação. Da minha parte, gosto do trabalho e de rock’n’roll. Por sorte, eles acabam sendo a mesma coisa: “I’m satisfied to sit here working all day long”, resumiram com precisão Jimmy Page e Robert Plant.
Enquanto o longo prazo não chega, somos mais uma vez influenciados pelo cenário eleitoral. Mercados brasileiros iniciam a terça-feira demonstrando bom humor — Ibovespa Futuro vai acima dos 80 mil pontos. Crescimento de Jair Bolsonaro, percebido como reformista e mais amigável aos investidores, na pesquisa Ibope dispara otimismo com ativos brasileiros, depois de fraco desempenho na véspera, quando Bolsas internacionais apontaram forte alta.
Além da pesquisa Ibope, outras duas notícias negativas para a candidatura de Fernando Haddad. A primeira se liga à proibição de veiculação de entrevista do ex-presidente Lula, enquanto a segunda se refere ao conteúdo da delação do ex-ministro Antonio Palocci, bastante enfático contra o PT.
Na agenda econômica, produção industrial e IPC-Fipe ocupam o dia internamente. Nos EUA, presidente do Fed discursa sobre emprego e inflação. Saem também vendas de veículos e o índice ISM de condições empresariais.