Felipe Miranda: algumas palavras sobre a nova tarifação da B3
Seria mais fácil para mim adotar um discurso politicamente correto em prol de toda e qualquer eliminação de taxa ou tarifa para o investidor.
Soaria bonitinho, “do bem”. Seria o que todos (ou quase todos) gostariam de ouvir. Possivelmente, faria bem à minha reputação. Mas eu não me importo com isso — até porque, me desculpem, não há no mercado concurso para “bom mocismo”. Os “animais de mercado”, para usar uma terminologia de George Soros, são… bem… animais. E a natureza tem sua lógica e sua ética próprias, e elas diferem bastante do maniqueísmo de Hollywood.
Como diria Taleb, a reputação é para os escravos, para aqueles que não estão realmente preocupados em fazer e falar o que é, de fato, certo, mas, sim, em obedecer a algum senhor de ordem oculta, muitas vezes representado pelo próprio ego.
As piores agendas correm às sombras, os maiores inimigos costumam ser nós mesmos. Adotando aqui uma interpretação do Pondé, morro de medo daqueles que só reconhecem em si uma faceta de herói e do bem, sempre contra o vilanismo do mundo, interessado, maquiavelicamente, em destruir o nosso mocinho da história.
Se você passa por cima de anseios, vontades, desejos, até mesmo loucuras mais íntimas — e, sim, todos nós temos nossas ambivalências — para preservar a sua imagem acima de tudo, está condenado a neuroses graves. Ou talvez seja ainda pior, naquilo que Freud chamou de “formação reativa”, um dos mecanismos típicos da defesa do ego, em que se manifesta uma grande aversão ao seu real interesse mais íntimo, adotando-se um discurso (falso na essência) na direção contrária.
Eu me preocupo com o que acho certo, não com o que muitos gostariam de ouvir. E trato, verdadeiramente, o investidor como adulto, pois entendo que esse é o tratamento correto, que ele mesmo deveria querer receber. Quando for a minha vez, por favor, tratem-me assim, com a devida transparência e as verdades que precisam ser ditas. Tapinhas nas costas, sorrisos forçados e falsos elogios, sob uma aparente boa intenção de se evitar o conflito, que, na verdade, só esconde a falta de assertividade e de coragem, estão dispensados.
Aqui, vocês três não vão encontrar um discurso do tipo “Xuxa, a rainha dos baixinhos”, como se os investidores fossem fracotes indefesos, sendo explorados por terceiros. Os gerentes dos bancos não são tão diferentes de você — cada um tem boletos a pagar e bocas a alimentar. E os agentes autônomos, apesar de seus problemas de conflito de interesses, fazem, no geral, muito bem ao investidor (chegará o dia em que serão capazes de entender críticas?).
Quando for o caso de taxas abusivas, sim. Aqui estarei para criticá-las duramente, como sempre fiz, sem hesitar nessa batalha que travo há mais de dez anos, obstinadamente.
Ah, sim, também entendo que, diante do aumento da competição, do acesso digital, do avanço brutal da tecnologia e da redução dos juros, ainda há muitas taxas excessivamente altas na indústria financeira. Nos fundos, nos bancos e nas corretoras, faltando também, e principalmente, transparência nas taxas e nos rebates cobrados de forma sub-reptícia do investidor — as agendas ocultas sob a sombra, sempre elas.
Acho que estamos num caminho inexorável para a compressão de taxas de administração, performance, estruturação, distribuição, dos spreads de crédito, etc. Quem não acompanhar esse processo vai acabar oferecendo algo pouco competitivo ao cliente — e é este quem manda no final do dia. Ele precisa estar no centro, precisa ser bom para ele. No fim, é isso. O alinhamento ao cliente é, em termos pragmáticos, instinto de sobrevivência.
Mas que isso não se confunda com um caráter revolucionário ou niilista incendiário contra toda e qualquer taxa ao investidor. Como em qualquer outro mercado, cada um de seus participantes, no meu entendimento, deve ser devidamente remunerado. Gestão, administração, estruturação, distribuição — todos eles precisam ser pagos, sob o risco de não desenvolvermos um mercado sólido no longo prazo. Obviamente, os preços têm que ser justos — de novo, precisa ser bom para o cliente. Contudo, se entrarmos numa paranoia de que “toda taxa é ruim e indevida”, terminaremos, felizes, não pagando nada e morrendo com produtos e serviços péssimos.
Não foi Warren Buffett (e não seriam todos os bons moços buffettianos?) quem disse que é melhor pagar um preço razoável por um excelente negócio do que pagar um preço muito descontado por um negócio ruim?
Tenho visto uma campanha ferrenha contra qualquer tipo de taxa na indústria. Se for algo novo, de natureza disruptiva, então, piorou. Não é porque você nunca viu que é errado ou não pode.
Falo tudo isso de coração, dando voz à minha própria personalidade — minha única conta em corretora é do Itaú, que definitivamente não é um exemplo de corretagem barata. Mas, para mim, tudo bem, pois muitas coisas entram na equação. Acesso tem preço. Boas ideias, facilidade, praticidade, tempo, comodidade, bom relacionamento com o gerente: tudo isso pode — e até deve — entrar na equação. Quanto vale o meu tempo de ter conta em várias corretoras?
Há algum tempo, numa galáxia muito distante, era descolado dizer algo como “economize no cafezinho e você será rico no longo prazo”. Depois, essa ideia virou démodé. Passou a ser legal dizer o contrário: “não economize no cafezinho, porque isso só vai tirar sua felicidade e não fará qualquer diferença substancial em seu patrimônio no longo prazo”.
Os mesmos partidários desse discurso agora levantam a bandeira dos fundos de taxa zero ou de tarifa zero, condenando qualquer cobrança que não envolva inteligência de gestão — ainda que, para esses, inteligência de gestão seja um conceito bem limitado, mas vamos em frente.
A taxa zero é o novo cafezinho. Se você investir R$ 50 mil por cinco anos a uma taxa de 5%, terá, ao final do processo, R$ 63.814. Já se aplicar o mesmo dinheiro pelo mesmo prazo a uma taxa de 5,1% (economizando 0,1% que poderia ser referente à taxa de administração do fundo), terá R$ 64.118. Parabéns! Cinco anos depois, você ganhou um jantar para duas pessoas no Rodeio do Iguatemi (harmonização não incluída, couvert dispensado).
Se querem um soldado para compor esse exército numa guerra irracional contra toda e qualquer taxa ou tarifa cobrada do investidor, não contem comigo. As taxas precisam ser justas, sim, alinhadas ao investidor, o que é bem diferente de lutar contra qualquer cobrança.
O investidor, por sua vez, deve focar-se no que é certo, no que, de fato, vai fazer diferença em sua trajetória de construção patrimonial. Obstinação, 24×7, em retorno líquido consistente, não com qualquer mesquinharia que possa significar um pequeno dispêndio.
Peço desculpas pelo preâmbulo um pouco longo. Ele me pareceu necessário para expressar o espírito com que encaro as críticas feitas à nova política de tarifação da B3.
Especificamente, tenho ouvido críticas à implementação de taxa sobre serviços de processamento de eventos corporativos (dividendos, JSCP, subscrição), de 0,12% sobre cada evento, aplicada a investidores com mais de R$ 20 mil em ativos custodiados. Está rolando abaixo-assinado e tudo mais. Discordo desses apontamentos. A rigor, minha interpretação é diametralmente oposta ao viés crítico sobre a nova tarifação da B3.
O ponto central me parece o erro em olhar isoladamente essa taxa, sem contextualizá-la perante toda a mudança na política da tarifação. O movimento da B3 está alinhado (e não desalinhado) no sentido da ampliação da base de investidores e democratização das boas aplicações, em favorecimento mais destacado aos pequenos. Ou seja, a mudança é boa para o investidor, de modo que precisa ser apoiada.