Felipe Miranda: Águas de março para salvar o verão – 5 ações bem quentes
O boletim do primeiro bimestre de 2021 traz notas vermelhas.
A alta dos juros de mercado trouxe aumento da atratividade relativa da renda fixa e preocupações com o valuation de nomes de crescimento.
Internamente, a falta de clareza sobre nossa trajetória fiscal e o temor de adoção de maior intervencionismo estatal na economia impuseram perdas ainda maiores para os ativos de risco do que aquelas observadas lá fora.
Como resultado, o Ibovespa acumula queda de 7,55% nos dois primeiros meses do ano. O dólar volta aos níveis de R$ 5,60 e a moeda brasileira vai, mais uma vez, se consolidando como um dos piores desempenhos entre as emergentes. O CDI sobe 0,28% no ano.
Atravessamos a turbulência no positivo. A Carteira Empiricus subiu 0,66% em fevereiro, levando a performance de 2021 a 1,28%. Falando de ações especificamente, a carteira Oportunidades de Uma Vida avançou 1,79% no mês passado, com alta de 0,70% no ano.
A diversificação dos portfólios, acertos pontuais no book de ações e a ajuda da sorte (venha sempre!) garantiram o resultado positivo.
Apesar da inegável contribuição da deusa Fortuna, que, no geral, tem sido boa companheira nesses 11 anos, não me parece apenas fruto do acaso. Somos grandes defensores da diversificação, que, em ambientes de incerteza e aleatoriedade, permite boa redução de riscos, com preservação de retornos potenciais. Se não sabemos o futuro (e realmente não sabemos!) e há uma boa dispersão de resultados possíveis à frente (como também é o caso), a resposta precisa passar pela pulverização de apostas.
Em paralelo, se não há uma clareza sistêmica tão grande em favor dos ativos de risco, em especial no Brasil diante das dificuldades de superação da pandemia e até mesmo seu agravamento, somados às nossas enormes incertezas fiscais e à falta de convicção liberal, o stock picking — a boa escolha de ações — pode ser o grande diferencial. Talvez o Ibovespa não vá bem e, ainda assim, sua carteira possa oferecer-lhe lucros razoáveis. Afinal, qual outro destino pode ter nosso dinheiro num ambiente em que, apesar da alta recente, os juros de mercado continuam muito aquém da média histórica. Como lembrou Warren Buffett em sua tradicional carta anual, como é sombrio o futuro dos detentores de bonds!
Reitero uma grande convicção: o grande diferencial de retorno dos portfólios nos próximos anos deve vir da boa escolha de ações e de investimentos alternativos e ilíquidos. Procure boas equipes nesses nichos específicos. Como gosta de dizer Martin Escobari, há uma grande vantagem em se estar no Brasil: estamos sempre uns bons anos atrasados; então, basta você olhar o que aconteceu nos EUA e importar para cá.
Se o picking será o grande responsável pela geração de alfa, o que podemos arriscar para março?
Tenho dois pilares fundamentais para os próximos meses: commodities e tecnologia. Também tenho um outro apoio do tripé em minha carteira de ações, ligados a nomes cíclicos domésticos que ficaram para trás na pandemia, como educacionais, varejo de moda e shoppings. Ponderação aqui de curtíssimo prazo é a escalada da pandemia, que pode ainda deixá-los para trás nas próximas semanas. De todo modo, quando você vê Lojas Renner negociando abaixo de 20 vezes lucros, a mão começa a coçar.
De maneira mais pontual e idiossincrática, cinco coisas estão na minha cabeça para março:
1 — Grupo Cosan, aqui representado por RLOG3, que é CSAN3 com pequeno desconto. Superada a reorganização societária no começo de março, vamos para um novo ciclo de crescimento, em que ficarão claros os novos drivers de geração de valor. O mercado ainda olha muito para a Raízen como se aquilo fosse São Martinho mais Ultrapar, mas é muito mais do que isso.
O valor escondido ali e as vantagens competitivas, além da qualidade do management, são incomparáveis. Geração de energia, etanol de segunda geração, a melhor margem em distribuição de combustível, o ganho de market share e tantas outras coisas. Não me surpreenderia se o IPO de Raízen viesse ainda no primeiro semestre. Conforme o management inicie o NDR e mostre a proposta de valor para o mercado, vamos ter um re-rating importante aqui. Em paralelo, o papo de IPO da Compass deve voltar no segundo semestre — isso se não tivermos um private placement no meio do caminho — e Rumo vem recuperando volumes no ano.
2 — Incorporadoras. O setor foi dizimado nas últimas semanas com subida de taxas de juro. Com mercado potencialmente se acalmando ou, ao menos acomodando as altas recentes dos yields (BC da Austrália já sinalizou hoje a possibilidade da chegada da cavalaria se necessário), pode encontrar dias melhores em março. Dois nomes favoritos aqui: Mitre e Direcional.
Mitre negocia a impressionantes 5 vezes lucros para 2022; deve pagar dividend yield de 5% já neste ano. O mercado resiste em “pagar na frente” pelo crescimento de Mitre. Ok, mas três coisas fundamentais: ele tem sido o melhor resultado da rua (já é em crescimento e VSO; e vai ser em ROE), oferece belo execution no nível da obra, sendo empresa de dono, o que é fundamental no setor, e, ainda mais importante, já tem boa parte desse crescimento contratado; está sozinho ali no Tucuruvi e na Freguesia do Ó. A ação foi penalizada por venda de posição importante de um grande investidor internacional, mas o lote está chegando ao fim e deve abrir caminho para recuperação já a curto prazo.
Direcional, por sua vez, tem uma outra Direcional dentro dela, que é a Riva, e o mercado ainda não está pagando por isso. É a grande beneficiada do movimento da Caixa de oferecer uma linha de crédito superior àquela do Itaú, com aumento de 11% do affordability. Aos poucos, vai ficar claro o potencial da Riva, e Direcional como um grande nome pagador de dividendos, com crescimento, já em 2021.
3 — Tecnologia. O setor foi bem penalizado a partir da segunda metade de fevereiro, diante do aumento das taxas de juro mundo afora. Até acho que, como um todo, o nicho pode ter underperformance no curtíssimo prazo, com mercado privilegiando os nomes de reabertura da economia lá fora, em detrimento a quem foi muito beneficiado na pandemia.
Mas há algo particularmente interessante: no Brasil, houve uma onda súbita e grande de IPOs simultâneos de tech. Ninguém se diferenciou muito e as coisas andam meio parecidas em Bolsa. Conforme o tempo vai passando, cobra-se o execution do prometido no IPO e o mercado vai começar a diferenciar essas coisas. Nesse sentido, a aquisição realizada pela Méliuz na sexta-feira pode ser um catalisador muito relevante.
Começa a entregar as promessas do IPO e, no meu entendimento, o próximo passo vai ser caminhar num novo nicho, abrindo uma nova frente de crescimento, a exemplo do feito com o cartão em parceria com o Banco Pan. Se isso vier a acontecer, a ação pula para R$ 50 em poucos meses.
4 — Pão de Açúcar. Hoje vai ser uma pancadaria. Com o spin-off de Assaí, temos basicamente o bom (crescimento e margem mais alta) negociando em torno de 20 vezes lucros. E o “ruim” (margem baixa e sem crescimento) a impressionantes 7 vezes lucros.
Mesmo sabendo das dificuldades de PCAR3 (controlador complicado, margem muito baixa e falta de canais claros de crescimento), tudo tem seu preço. A 7 vezes lucros, isso vira até alvo de um hostile. O setor negocia a pelo menos 12 vezes, com pares muito claros e negócios bem conhecidos e mapeados no mundo todo. Seria razoável imaginar que PCAR3 viesse, no tempo, a negociar a pelo menos 10 vezes. E isso seria 50% de upside.
5 — Lojas Americanas. Talvez ainda em março teremos um fairness opinion sobre a combinação de negócios com a B2W. A esta altura da vida, não me parece que o maior empresário brasileiro esteja disposto a macular sua reputação. Teriam os 3G o G de Governança? Seria mais razoável supor que não haverá qualquer tipo de tungada aqui. Os tempos exigem isso. Então, teremos um veículo único listado em Bolsa e o mercado vai começar a fazer conta de EV/GMV pareando LAME com Magalu e Mercado Livre — ainda com algum desconto, claro, mas não nessa magnitude. Ação muito barata e com trigger claríssimo. Nada melhor para fechar o verão.