Colunistas

Felipe Miranda: Acabou a moleza

22 jul 2019, 10:23 - atualizado em 22 jul 2019, 10:23
Colunista discorre sobre maior importância na seleção das ações

“Força, preciso de força; sem força não se consegue nada. E força é preciso conseguir pela própria força, e é isso que eles desconhecem.” Raskolnikov vive atormentado pelas próprias tempestades psíquicas após ter feito o que fez em “Crime e Castigo”. Nesse raro momento de empolgação, ele tenta encontrar dentro de si alguma faísca para voltar a viver com alguma chama. Como já disse Bruce Springsteen: “Can’t start a fire without a spark”.

A força que normalmente pedimos a algo ou a alguém de fora fica, na verdade, dentro da gente mesmo.

Eu me vejo como uma grande contradição. Sou um analista que acredita muito pouco na capacidade dos analistas — e aqui, como sempre, emprego o termo “analista” em seu sentido amplo, não estrito e técnico, em referência a todos aqueles que analisam ou avaliam uma determinada coisa. O Aurélio é um pouco mais abrangente do que a instrução 598 da CVM e suspeito que a culpa não seja dele.

Acordo e vou dormir pensando em formas de bater o mercado, de oferecer indicações de investimento capazes de entregar resultados acima da média, enquanto nutro internamente a certeza da impossibilidade de se fazer isso.

Serve para mim e para os outros. Os mercados são muito eficientes e superá-los, para mim, é mais um ato de sorte e exploração de apostas assimétricas a longo prazo do que propriamente de acertos nesta ou naquela tese. Às vezes, confesso, chego a pensar que somente são capazes de bater os mercados aqueles que têm certeza de não ser possível bater os mercados. Assim, eles recorrem à diversificação e aos benefícios da convexidade, que supera de longe as tentativas de entendimento da realidade e de antevisão do futuro. Depois, descarto também essa hipótese.

Eu gostaria de pensar diferente. Gostaria de habitar este planeta onde moram muitos investidores, gestores e analistas por aí, certos de que gozam de algum superpoder. Seria lindo me achar um ser superior capaz de identificar o rumo subsequente dos mercados. E veja que não se trata apenas de uma convivência harmoniosa, que equilibra forças ambivalentes, com vetores dionisíacos e apolíneos coexistindo numa rica complexidade de atributos. A contradição é diferente da ambivalência. Ou você acredita que pode bater os mercados, ou não acredita. Não dá para ser as duas coisas ao mesmo tempo. Deviam baixar uma lei. Não dá e pronto. Ou será que dá?

Se eu pudesse ao menos prever uma, mas só uma cotação de ação… É, eu sei. Quase posso ouvir a Whitney Houston: “Can’t run from myself, there’s nowhere to hide”. Aquele CD do filme “O Guarda-Costas” tocava inteiro, todo sábado, lá em casa. Ah, que tragédia! Kevin Costner teve o destino típico daqueles que se acham heróis: foi se jogar na frente da mocinha para protegê-la e levou um belo de um tiro no peito. Acho que prefiro “Dança com Lobos” e a proposta de conviver com o diferente. Cada vez mais, a Bolsa vai se tornar um ambiente democrático e nós precisamos nos acostumar com isso.

Voltando ao Bruce Springsteen: “Man I’m just tired and bored with myself. I check my look in the mirror. I wanna change my clothes, my hair, my face”.

Eu queria tirar toda essa armadura e despir-me da roupa desse personagem que vem aqui escrever-lhe coisas como se nós — todos nós da Faria Lima e do Leblon — pertencêssemos a uma espécie de categoria superior, dotada da habilidade especial de ganhar mais dinheiro do que a média.

Sabe o que eu acho? Os analistas e os gestores — esse conjunto de idiotas do qual faço parte (não se ofenda: somos todos um grande escândalo) — se vendem como grandes geradores de alfa. O alfa é basicamente a capacidade de geração sistemática e consistente de retornos anormais, ou seja, acima da média. Deveria medir o quanto o camarada consegue entregar além do benchmark nos mais variados cenários.

Você vai ver discursos do tipo: “Os fundos multimercados são destino atraente para parte dos recursos hoje na poupança ou nos pós-fixados tradicionais, pois o gestor pode operar em vários nichos e vários ativos, sabendo escolher as melhores oportunidades em cada classe”. Outra moda bem típica agora: “Os fundos long biased são alternativa interessante, pois o gestor pode aumentar ou diminuir sua exposição a ações conforme o cenário se apresente mais ou menos propício”.

Claro, nós, os gênios analistas e gestores, saberíamos sempre quais seriam as melhores oportunidades em cada um dos mercados e também a hora certa de entrar e sair de cada uma delas. Ora, não lhes parece ridículo?

Sabe o que é pior? Acho que a coisa vai ficar mais difícil daqui pra frente. Isso porque todo mundo acha que gera alfa, mas, na verdade, apenas gera beta. Aliás, na melhor das hipóteses, somos bons geradores de beta.

Explico.

Hoje, abri a Bloomberg e lá aparecia: “Goldman says stocks likely won’t go up much higher — there’s limited further upside after S&P 500’s 19 per cent climb so far this year, according to the bank”. Basicamente, um alerta da Goldman Sachs para o pequeno potencial de valorização adicional da Bolsa norte-americana neste ano.

Não era propriamente algo novo para mim, mas serviu de catálise para a estruturação de um pensamento anteriormente um pouco difuso e mais intuitivo.

Em outras palavras, o ponto nevrálgico para mim é o seguinte: desde o começo de 2016, os mercados subiram muito em cima do componente beta (sensibilidade às condições sistêmicas). Com o Ibovespa saindo de 40 mil para 105 mil pontos, foi relativamente fácil ganhar dinheiro em Bolsa. Direto e reto, a real é que, quanto mais loucura você fez, mais dinheiro ganhou.

Mas agora talvez entremos numa nova fase, porque o reapreçamento mais geral, do mercado como um todo, possivelmente tenha menos a oferecer. Você precisará ser mais seletivo daqui pra frente.

Podemos ver o argumento de dois lados. Primeiramente, no apreçamento intrínseco dos ativos. O valor de uma determinada ação ou de um determinado título é dado pela soma dos seus fluxos de caixa de hoje até o infinito, trazidos a valor presente por uma taxa de desconto apropriada.

Em linhas gerais, o que aconteceu de 2016 para cá foi uma abrupta queda dessa taxa de desconto. Primeiro, porque evitamos o desastre, interrompemos a caminhada em direção ao precipício que estava em curso com a nova matriz econômica do governo Dilma. Essa foi a primeira reavaliação do nível de risco brasileiro — afastamos o risco de cauda de nos tornarmos uma Argentina ou uma Venezuela (sim, isso esteve no radar, ainda que numa probabilidade pequena). Depois, outros dois fatores conviveram meio juntos. As taxas de juro globais vieram mais para baixo diante das sinalizações de flexibilização monetária adicional pelos principais bancos centrais, e caminhamos destacadamente na direção da consolidação fiscal, por meio da PEC do teto de gastos e da aprovação da reforma da Previdência na Câmara.

O resultado disso foi uma brutal queda nas taxas de desconto, que afetam indiscriminadamente os ativos de risco brasileiros. Uns mais, outros menos, mas todo mundo sente esse efeito, que é brutal para a sensibilidade dos valuations.

Outra forma de perceber a coisa é por meio do apreçamento por arbitragem. Para não haver lucro certo sem risco e sem a necessidade de se colocar dinheiro próprio, o ativo de risco deve pagar o rendimento do ativo livre de risco mais um adicional relativo ao respectivo prêmio de risco.

O que aconteceu nos últimos anos? Tanto a taxa livre de risco caiu (basicamente, queda das taxas de juro de mercado lá fora; há 13 trilhões de dólares em yields negativos) quanto o prêmio de risco específico diminuiu dramaticamente no Brasil, pelos fatores citados acima. Com isso, o retorno dos ativos de risco precisa cair, com seus preços em Bolsa se aproximando de seus valores justos.

O problema é justamente que o espaço para queda adicional das taxas de juro internacionais parece limitado, bem como boa parte do reapreçamento generalizado dos prêmios de risco-Brasil já aconteceu. Agora, acabou a festa. Não há mais “low-hanging fruits” fáceis de se pegar por aí.

Nos próximos meses, enquanto o crescimento macroeconômico ainda não volta (nesse outro estágio, quando o PIB acelerar com força, poderemos de novo nos beneficiar do beta), retornos verdadeiramente anormais exigirão assunção de mais risco e mais seletividade. Os vencedores devem ser aqueles menos ligados ao beta e mais atrelados à seleção de ativos. Transitaremos dos catalisadores macro e sistêmicos para eventos idiossincráticos. Vai ser preciso uma boa dose de força adicional para caminhar acima da média até o final do ano. Contrate um bom guarda-costas. O Rodolfo, meu sócio e companheiro para toda obra, da época em que eu ainda tinha cabelos, apresenta um sólido plano para você atravessar esse grande ciclo a sua frente — se você quer estar totalmente blindado e ainda acelerar seus rendimentos, precisa conhecer a Aposentadora FIRE. Sem milagres ou superpoderes. Vida como ela é, dentro do que é o melhor disponível para seus investimentos. Tudo e só isso.

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