Empiricus Research

Felipe Miranda: “A sorte ataca novamente: sem Renan, 100 mil pontos”

04 fev 2019, 10:38 - atualizado em 04 fev 2019, 10:38

Por Felipe Miranda, CEO da Empiricus Research

“Se alguém lhe disser que uma pessoa qualquer falou mal de você, não se incomode em dar desculpas ou defender-se. Apenas sorria e responda: ‘Eu suspeito que essa pessoa não conheça todos meus defeitos. Caso contrário, não teria mencionado apenas esse’.”

Isso é do Epiteto, filósofo grego representante do estoicismo. De forma espontânea, me parece – e isso é só minha interpretação – uma variação do clássico de Taleb: “Se meus detratores me conhecessem melhor, me odiariam ainda mais”.

Sou sujeito interessado na arte de errar. Pratico sem moderação. Nunca cometo o mesmo erro duas vezes. Cometo logo umas cinco ou seis, só para ter certeza.

Não acho que os financistas, mesmo os mais qualificados, apresentem uma taxa de acerto muito superior à média. Nunca achei. Acho que, por mais dedicados, treinados e numerosos que sejamos, dificilmente vamos conseguir aumentar muito nosso “hit rate”. Quando olho para o histórico mitológico do fundo Verde, por exemplo, não encontro ali um sujeito que acertou, racionalmente, mais teses do que outros. A trajetória foi composta mais fundamentalmente por brilhantes resultados apurados pelo book de hedge (seguros) e pela compra de pequenos “pozinhos” aqui e ali, coisas adquiridas baratas, quase de graça, para as quais a probabilidade de ocorrência parecia baixíssima, até que… uau! O negócio foi catapultado pela materialização de algo até então visto como impossível. A realidade insiste em seu não comedimento.

Para mim, não dá muito pra antecipar “para onde vão os mercados”. Há muita gente boa por aí e o futuro sempre permanecerá opaco e impermeável – não é por falta de inteligência ou dedicação que não conseguimos antecipar o amanhã; o problema do futuro é que ele está… no futuro.

Sendo um pouco mais rigoroso, até acho, sim, que o maior estudo, feito por uma equipe técnica, diligente e numerosa, rende algum “edge”, um alfa adicional, um certo retorno acima da média. Mas esse edge é bastante pequeno, apenas remunerando adequadamente pelo tempo e pela dedicação na busca pelo retorno adicional. Ou seja, na minha visão, os mercados continuariam eficientes. Todos os retornos convergiriam para o mesmo patamar, quando ajustados por riscos e custos, incluindo aí o custo do tempo de análise, da equipe e da pesquisa.

Breve pausa para o jabá (e uma digressão verdadeira do autor): se a premissa acima for verdadeira, a Empiricus será capaz de prover aos seus assinantes retornos acima da média. Por conta da escala conseguida com um empurrão da sorte nos últimos anos, podemos hoje ter uma equipe grande (são mais de 30 pesquisadores focados em descobrir as melhores ideias de investimento) e de alta qualidade (bem remunerada). Os custos e despesas desse time são maiores, o que, de novo supondo a validade da premissa, garante que o retorno final oferecido de sua pesquisa seja maior também. Como esses custos e despesas, no final do dia, são diluídos por centenas de milhares de indivíduos, o assinante, no nível individual, acaba tendo um retorno final “anormal”, ou seja, acima da média do mercado, mesmo depois de considerado todo seu custo pessoal com a assinatura. Em outras palavras, todos pagam um pouquinho, todos recebem a melhor indicação possível. É uma espécie de falácia da composição. No agregado, a Empiricus, se fosse um só assinante, teria retornos normais (considerado todo o custo do tempo e do time de pesquisadores, ofereceria rendimentos em linha com a média em termos líquidos). Mas o assinante, no nível individual, apuraria lucros extraordinários (ele dá uma pequena contribuição para pagar a equipe, arcando só com um pedacinho do custo). Todo mundo tem o mesmo retorno (“normal” quando ponderado pelo custo grande, em termos consolidados). Mas todo mundo arca com um custo baixo, porque diluído entre 300 mil assinantes.

Mas volto. Isso foi só uma das minhas tentativas malucas de quebrar a hipótese de mercados eficientes. Até hoje, não consegui de forma sistemática. Não acredito que ninguém possa, com consistência, acertar mais do que os outros, antever movimentos dos ativos, ser melhor do que a média com recorrência e com baixo perfil de risco (não confundir com baixa volatilidade).

Como talvez os quatro leitores desta newsletter tenham percebido, sim, isso depõe contra mim. Sou um analista (no sentido amplo conferido ao termo “analista”, ou seja, de todos aqueles que realizam análise, avaliação, pesquisa, quebra em pequenas partes; e não na apropriação indébita e monopolista da palavra que o regulador quer conferir-lhe) que acredita pouco na habilidade dos analistas.

Acho que a sorte e a aleatoriedade cumprem um papel muito mais importante nos investimentos do que o nosso desejo por controle gostaria de supor. Na verdade, vale para a vida como um todo. Adoraria que minhas conquistas, sejam elas em nível pessoal ou profissional, fossem integralmente resultado de competências e esforços individuais. Infelizmente, porém, não é assim.

Não é o fim do mundo. Calma. Ainda acho que tenho algum valor. Ah, sim, não tão grande quanto eu gostaria, nem tão enorme quanto os narcísicos financistas se autoimpõem. Digressão 2, dica rápida para caminhar na Faria Lima sem ser assaltado ou furtado: não use Rolex, nunca deixe o iPhone à vista, evite os homens de camisa azul com iniciais na região próxima ao aureolo esquerdo do peito, combinando com cinto e sapato marrom, fuja rapidamente de quem veste terno – esses travestis que se escondem num uniforme para disfarçar sua falta de conteúdo e de ideias originais. Os “empty suits” são ótimos para repetir clichês alheios e para pegar seu dinheiro em forma de taxas e rebates. Caso tenha dificuldade em percebê-los, tente contar quantas vezes ele usou a palavra “COE” na conversa, associando-a a alguma coisa boa.

Eu acho que posso ensiná-lo a errar e a ter sorte.

A primeira coisa a entender: sim, você vai errar. Saiba disso. O fundamental é errar pequeno e adequar a rota rapidamente. Mark Spitznagel, sócio de Taleb, abre o primeiro capítulo do livro “The Dao of Capital” com o Paradoxo de Klipp: “Você precisa amar perder dinheiro, odiar ganhar dinheiro. Mas nós, seres humanos, nós amamos ganhar dinheiro e odiamos perder dinheiro. Então, nós precisamos superar nossas tendências humanas mais primitivas”.

O que o cara quer dizer com isso? Você tem que topar perder para poder ganhar. Se você não incorre em risco, dificilmente vai apurar um grande retorno. Essa é a primeira parte da coisa. E a segunda se refere à necessidade de logo realizar um pequeno prejuízo – ame pequenos prejuízos e os realize imediatamente. Ajuste a rota. George Soros diz assim: “Não tenho nenhuma habilidade para acertar mais do que os outros. Mas sou ótimo em perceber meu erro rápido e corrigir a caminhada”.

Lembre-se também de que a construção patrimonial feita de forma sólida impõe uma carteira diversificada e balanceada e, no meu entender, exposição sistemática à sorte. Ora, se a carteira é devidamente diversificada, vai conter ativos com correlação negativa entre si. Um sobe, o outro cai. Necessariamente você vai ter posições perdedoras na sua carteira. Importa o consolidado. Nunca tire isso de vista.

E então chegamos à questão da sorte. É possível ter sorte de maneira consistente? Ou se trata de um paradoxo, uma contradição em termos? É possível. A sorte deriva de uma exposição sistemática a coisas ou situações que podem lhe pagar muito no caso de um cenário positivo e lhe ferir pouco no caso negativo. Você tenta, tenta, tenta. Vai repetindo o procedimento até que o custo do teste seja baixo e o benefício potencial, grande. Em algum momento, a sorte vai lhe afetar.

Noutro dia, expunha o argumento a um gestor amigo, ao que ele devolveu: “Então azar é a exposição recorrente e incompetente (travestida de competente) a algo que paga mal?”.

Não é exatamente isso. Você pode se expor a várias possibilidades de dar uma grande sorte. Mas não pode nunca se expor ao risco de um grande azar. Não é simétrico. Se você morre, acabou, já era. O argumento vale, literal e metaforicamente, para o caso das finanças.

Você pode várias vezes ganhar milhões ou apurar lucros de 100 por cento. Você não pode se dar ao luxo de perder 100 por cento. Isso o expulsa do jogo. Depois de quebrar, é muito difícil voltar. Qualquer estratégia que incorra na chance de um grande azar precisa ser evitada; não pode ser adotada uma única vez sequer.

Para o caso da sorte, exponha-se de maneira recorrente e sistemática a coisas que podem pagar bem e não ferir-lhe muito. Para o caso do azar, jamais se permita estar exposto a ele.

Uma das maiores tentações, tácitas ou deliberadas, é confundir sorte com competência individual. O canto da sereia sobe os decibéis junto com a pontuação do Ibovespa. Aos 100 mil pontos, precisamos estar sem arrogância. Todos nós – eu e você incluídos – temos dado sorte. E isso é tudo.

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