Mercados

Felipe Miranda: A pé ele não vai longe

03 jan 2019, 10:48 - atualizado em 03 jan 2019, 10:48

Conceda Senhor, a Serenidade
para aceitar as coisas que não posso modificar,
Coragem para modificar aquelas que posso
e Sabedoria para reconhecer a diferença.”

Reinhold Niehbuhr

Com a epígrafe aí de cima, Donnie (Jonah Hill) recebe John Callahan (Joaquin Phoenix) em sua primeira visita aos Alcoólicos Anônimos. Em momentos de euforia ou depressão, serenidade e sabedoria são muito bem-vindas.

Callahan é um ácido e corrosivo cartunista, quase disposto a iniciar o famigerado programa de 12 passos para libertar-se do vício. Ele acaba de se tornar paraplégico após grave acidente de carro. A charge de abertura é de sua autoria e batiza filme homônimo, em cartaz nos melhores cinemas do País.

“A pé ele não vai longe” é um filmaço. A junção de Gus Van Sant e Joaquin Phoenix dificilmente renderia algo diferente. Segredo nosso, se fosse em outros tempos, talvez revelasse meu minicrush pela Rooney Mara (não conta pra ninguém; é coisa do passado).

Não estou aqui para dicas culturais — se quiser aproveitá-la como tal, fique à vontade também, nada contra. Adotei o título do filme porque ele transmite muito bem uma mensagem da minha cabeça neste momento, enquanto vejo o dólar mais uma vez ganhando força contra as moedas emergentes nesta manhã, em novo dia marcado pela maior aversão a risco lá fora. Acho que o verde (a moeda, claro, não o fundo nem os ativos ligados a maconha) não vai longe.

Como os cinco leitores desta newsletter talvez saibam, acho que os mercados são bastante eficientes. Aqui mais no sentido informacional, de que as novidades são incorporadas, em geral, muito rápida e precisamente aos preços.

São duas as hipóteses que caracterizam um mercado totalmente eficiente. A primeira é de que os preços estão sempre certos, ou seja, as cotações dos ativos reflete adequadamente seu valor intrínseco, seus fundamentos econômico-financeiros. E a segunda aponta a impossibilidade de se superar a performance média do mercado de maneira consistente.

Eu acredito bastante nisso. Normalmente, as coisas se dão dessa forma mesmo. Maaas, vez ou outra, aparece uma oportunidade, com a cotação dos ativos se descolando de seus fundamentos estritos por conta de algum erro de apreçamento ou pela influência de fatores técnicos pontuais. Acredito ser exatamente o caso do dólar contra o real, cuja relação, pra mim, pode caminhar ali para perto de 3,60 rapidinho.

No meu entendimento, a alta do dólar em dezembro se deveu fundamentalmente a três fatores:

i. a uma elevação do grau de aversão a risco em nível global, o que sempre se traduz em maior demanda por moeda forte;

ii. a uma sazonalidade típica de final de ano, com as empresas remetendo divisas para fora por conta de dividendos, num fluxo que costuma voltar nos primeiros meses após a virada do calendário; e

iii. a uma força compradora gerada por bancos por conta da necessidade de diminuir o overhedge no câmbio, por conta da diminuição da CSLL de 20 para 15 por cento (aqui é uma conversa meio técnica; o que vale a pena em termos práticos: bancos com operação lá fora tiveram que comprar dólar para reduzir o excesso de hedge por conta da alteração tributária).

Vejo os três elementos como transitórios. Uma vez superados, a taxa de câmbio brasileira buscaria seu equilíbrio de longo prazo, mais alinhada à dinâmica estrita do balanço de pagamento e da clássica paridade câmbio-juro, o que indica algo ali em torno do 3,60 reais por dólar.

Em paralelo, o fluxo de notícias muito positivo vindo da caixa de bondades de Paulo Guedes pode estimular o ingresso de recursos no País (ou, ao menos, a expectativa por ingressos, o que, em termos práticos para a cotação do câmbio, teria o mesmo vetor), ao sugerir amplo e profundo programa de privatizações, redução das tarifas de importação e melhor perspectiva para os mercados de capitais como um todo, voltando a atrair o interesse gringo, mesmo que seja para operações de curto prazo em Bolsa.

Cumpre dizer ainda que o dólar me parece caro contra a maior parte das moedas emergentes, e não somente contra o real em particular. Passamos 2018 inteiro ouvindo que, por conta do superaquecimento da economia norte-americana, o Fed teria que subir muito fortemente sua taxa básica de juro. Assim, com os rendimentos em dólar lá no alto, o dinheiro foi atraído de volta para os EUA, penalizando a periferia.

Agora, o papo é outro: com os desequilíbrios no mundo, o papo de guerra comercial com a China, o fim dos estímulos fiscais e um natural esgotamento de ciclo, a economia norte-americana  poderia enfrentar uma recessão em 2020, talvez inclusive até já em 2019. Com isso, seu Banco Central não teria de subir tanto o juro básico. Em termos de fluxos monetários, isso permitiria, caso não entrássemos numa recessão global, o retorno do capital para os mercados emergentes, tão penalizados no ano passado.

A pé, sem auxílio da cadeira de rodas dos estímulos fiscais de Trump e com a redução da inércia advinda da velocidade do crescimento econômico, o dólar não vai longe. Estamos short (vendidos) na moeda norte-americana contra o real como uma posição tática. Três e sessenta, lá vamos nós!

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