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Felipe Miranda: A mãe de todas as bolhas está prestes a estourar, mas quando?

19 jul 2019, 11:04 - atualizado em 19 jul 2019, 11:07
Colunista reflete sobre ambiente de inundação de capital e efeitos para o Brasil

Nada é mais poderoso do que uma ideia cujo tempo chegou. Dizem que a frase é do Victor Hugo. Se não foi ele, dessa ele esqueceu. É uma afirmação bonita, eu também acho.

O problema é que o contrário dela também vale. Uma ideia supostamente boa numa hora ruim é apenas uma ideia ruim. Se sua epifania chegou antes do que deveria, você pode ser um visionário — será reconhecido gênio cem anos depois, quando estiver a sete palmos da terra. Se ela veio depois da hora certa, na verdade a ideia já veio a outro e você a está apenas copiando.

Em finanças, isso é especialmente importante. E, no mercado, você é tão bom quanto seu último trade. Precisamos acertar toda hora, continuar com uma performance boa a cada momento, sem abaixar a guarda.

Não tem muito jeito. Se você está na posição de gestão de recursos, precisa desempenhá-la com intensidade. Eu, em termos objetivos, não estou, mas, metaforicamente, é como se estivesse.

Sinto-me corresponsável pela alocação dos recursos (ao menos de parte dos recursos) dos nossos 346 mil assinantes, ainda que a decisão final seja deles, evidentemente.

Apenas indico e o sujeito segue se quiser. Mas como sei que uns dois ou três acabam seguindo, me sinto como um gestor de um grande hedge fund, platonicamente gerindo os recursos (insisto: no sentido figurado, apenas orientando a alocação do dinheiro de terceiros). Então, é uma eterna preocupação. Como ouvi uma vez de um gestor para seu cotista: “Eu não durmo, para que você possa dormir bem”.

E qual é o grande temor do momento? De forma latente, eu me preocupo com o “late cycle” da economia internacional. Esse é o ciclo mais longo de expansão da história dos EUA.

Uma parte dele — não sei se muito ou pouco; a economia não é um experimento de laboratório ou um modelo no EViews em que você pede a função de resposta a impulso de uma variável, de modo que nunca dá para saber direito o efeito de uma coisa sobre a outra — deriva dos enormes estímulos monetários e fiscais impetrados desde 2009.

Sob esteróides, tudo mundo fica forte. Mas não é saudável, sabe? Gera câncer, calvície, impotência e tal — felizmente, sofro apenas de dois desses problemas (e não é o câncer!).

Uma hora isso vai terminar mal. Aliás, sempre termina mal. Deixa eu te avisar uma coisa importante: você vai morrer uma hora. Imagino que, se pudéssemos escrever um outro final para esse filme, todos nós gostaríamos, não? Woody Allen resumiu bem a coisa: não é que eu tenha medo da morte, eu só não gostaria de estar lá quando ela chegasse.

Foram toneladas de dinheiro injetadas artificialmente no sistema pelos principais bancos centrais do mundo por anos e anos. Trilhões e trilhões de dólares, euros e ienes para se comprar tudo que se via pela frente. Depois, veio o Trump com seu pacote fiscal e bombou ainda mais a coisa.

Agora, temos dois problemas. O primeiro é que há uma notável desaceleração na margem das economias. Ninguém sabe muito bem se é apenas um desaquecimento na margem ou o prenúncio de uma recessão. E o outro é que 15 por cento dos títulos de dívida no mundo rendem juros negativos. Isso não me parece normal. É uma situação totalmente sem precedentes na história da humanidade.

Pode ser que dessa vez seja diferente e que não haja problema algum? Sim, claro que pode. Talvez os juros negativos sejam mesmo a nova normalidade, num cenário de envelhecimento da população (mais poupança, menos consumo), muita tecnologia (caráter deflacionário) e inundação de capital em grandes alocadores (o que força necessariamente a compra de títulos de longo prazo, derrubando os yields).

Se os juros caem cada vez mais, penetrando as profundezas do oceano negativo, os valuations vão subindo por conta da queda das taxas de desconto.

Mas sejamos sinceros aqui: ainda que seja uma possibilidade, não parece muito razoável. No limite, o mesmo negócio valeria mais no futuro do que no presente? Em outras palavras, preferiríamos consumir amanhã do que consumir hoje? Isso fere a lógica típica, em que, a princípio, preferiríamos antecipar a satisfação — mesmo porque nem sabemos se estaremos vivos amanhã.

A verdade é que, quando acreditamos no passado que daquela vez seria diferente, sempre quebramos a cara. No final, o caráter cíclico da economia se apresenta imutável. Longos ciclos de expansão se alternam com recessões. Bull markets dão lugar aos ursos polares. Técnicas de investimento, com suas respectivas alocações entre classes de ativos, que eram adequadas por determinados anos se mostram totalmente inapropriadas em outros.

Em resumo: eu acho que isso não vai acabar bem. Isso me parece um tanto claro para ser sincero.

Agora, a pergunta é: quando? Rigorosamente os mesmos argumentos para preocupação com a injeção cavalar de dinheiro no sistema e com os juros excessivamente baixos poderiam ter sido escritos em 2015, 2016, 2017, 2018.

E se você tivesse seguido os alertas de que o mundo viveu e vive uma bolha, teria perdido uma excelente oportunidade de multiplicação de dinheiro num curto intervalo de tempo — o próprio Ibovespa se multiplicou por 2,5 vezes; houve casos isolados de altas superiores a 1.000 por cento no período.

Não há um sinal objetivo de que a bolha está prestes a estourar. Bom, o problema também é que não costuma haver. A coisa acontece de repente mesmo, quando ninguém espera.

Mas, olhando com os únicos olhos que Deus nos deu, que é o que conseguimos fazer, ainda vemos um mundo bastante favorável ao investimento em ativos de risco, sobretudo nos emergentes.

Sendo rigoroso, poderia dizer que essas condições têm melhorado ainda mais. Ontem mesmo, o presidente do Fed de Nova York sinalizou a possibilidade de o banco central dos EUA ser mais ativo para evitar uma desaceleração mais abrupta da economia norte-americana.

À noite, tentaram negar, dizendo que não era bem assim e que aquilo não fora uma sinalização de juros caindo 50 pontos-base na próxima reunião do Fed. Mas há esse espírito de juros menores lá fora. Vários bancos centrais já apontaram nessa direção; alguns, inclusive, já reduziram suas taxas básicas.

Pode ser apenas mais alimento para as bolhas, que estourariam ainda maiores e mais problemáticas daqui a pouco? Sim, poderia, mas a direção ainda é positiva, condicionada às informações disponíveis.

Como conciliamos as coisas? Como contemplar o otimismo com o Brasil (aqui é diferente, pois estamos bem no estágio inicial do ciclo, quando as oportunidades são fantásticas de se ganhar dinheiro por anos), os juros mais baixos lá fora, a desaceleração apenas gradual (ao menos por enquanto) da economia global e a insuperável preocupação com essa mãe de todas as bolhas?

Para mim, é muita Bolsa, juro longo e um bocado de ouro, porque, num eventual reboot do mercado financeiro internacional, o metal precioso vai ser o grande salvador da lavoura.

Vou dizer: ninguém dá a devida atenção para o ouro no Brasil. Tira o final de semana para ler o que Ray Dalio, o maior gestor do mundo, está falando sobre o ouro. Um portfólio para qualquer clima precisa conter um naco disso.

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