Opinião

Felipe Miranda: A bolsa está subindo?

10 set 2019, 12:04 - atualizado em 10 set 2019, 12:40
Felipe Miranda
Colunista discorre sobre altas recentes de ações de bancos e commodities (Imagem: Empiricus Research)

“Bolsa sobe 0,24 por cento e se mantém acima de 103 mil pontos.”

Talvez você tenha visto a manchete acima, nessas palavras ou em outras muito parecidas, descrevendo o comportamento agregado das ações brasileira na última segunda-feira.

Como todos nós sabemos, a Bolsa, enquanto ambiente de negociação, ou seja, um lugar, não cai ou sobe. Ou você já viu algum prédio levitando por aí?

Antes, nos tempos do pregão viva-voz, se fosse o segundo palácio construído pela Sersan, do Sérgio Naya, talvez até pudesse cair. Agora, subir, ao menos aqui na Terra-de-meu-Deus, onde, ao que me consta, ainda impera a gravidade, não seria razoável. E, com o fim das icônicas jaquetas amarelas e a difusão da negociação eletrônica, aí já era. Nem subir, nem cair; ponto-final. A Bolsa fica mesmo é parada.

O termo “Bolsa”, também como todos nós sabemos, é empregado como metonímia para o Ibovespa, o índice que mede o desempenho da média das principais ações brasileiras, ponderadas por critérios de negociabilidade e volume financeiro. Mais precisamente, talvez fosse o caso da sinédoque, considerada por vezes apenas uma variação da metonímia, na atribuição da parte (Ibovespa) pelo todo (Bolsa, todas as ações brasileiras).

Nada contra a opção pela ênfase na comunicação, típica das figuras de linguagem. Entendo a escolha de substituir uma palavra por outra, para dar simplicidade e, por vezes, aproximar o leitor. Por mim, tálquei. “Vou ler Guimarães Rosa” pode transmitir mais facilmente toda uma ideia do que “Vou ler A Terceira Margem do Rio”, ainda que a segunda construção seja mais precisa e rigorosa.

Mas isto aqui não é um texto sobre semântica, fonologia ou sintaxe. O problema da frase inicial é que ela esconde certas nuances. Observe as duas imagens a seguir.

A primeira descreve o comportamento das maiores altas e baixas do Ibovespa ontem. Já o segundo gráfico aponta a performance do BOVV11 (um ETF que basicamente replica a carteira teórica do Ibovespa) e do SMAL11 (que acompanha um portfólio de mid e small caps fundamentalmente ligadas ao ciclo doméstico).

O que se infere daí?

Há algo muito curioso acontecendo com as ações brasileiras. Primeiro, notamos que as ações que mais subiram ontem (e esse tem sido um comportamento mais geral em setembro) foram justamente aquelas que vinham de desempenho muito ruim em 2019, as que ficaram para trás, fundamentalmente nos setores de bancos e commodities — fora uma ou outra exceção que confirma a regra. E, depois, observamos uma notável melhor performance nas últimas semanas do Ibovespa contra a média de mid e small caps ligadas ao mercado doméstico.

Não há essa história de “Bolsa está subindo há quatro pregões”. Existe apenas uma alta bastante concentrada em poucas ações de grande peso no índice (bancos e commodities). É o problema clássico da média, muito sensível a observações extremas de peso elevado. Ontem mesmo, apenas 26 papéis do Ibovespa terminaram em alta, contra 42 quedas — há mais desvalorizações do que apreciações, e a desproporção é grande.

Não se trata de exclusividade brasileira. Ao contrário. Também observamos em Wall Street (e pelo mundo todo para sermos precisos) uma grande rotação, das chamadas “growth stocks” para as “value stocks.” Ações de bancos e commodities subindo muito, enquanto os demais setores apanham.

É algo capcioso e, por que não dizer, traiçoeiro até, pegando boa parte do smart money de surpresa. Quem ganhou dinheiro até agosto estava justamente na ponta contrária — os fundos locais estavam todos no mesmo call; a maioria underweight em bancos (alguns, que historicamente sempre foram expostos ao setor, inclusive zeraram tudo, com medo das ameaças das fintechs e notando pouca capacidade de reação diante de um sistema legado difícil de ajustar) e commodities, sob o receio de recessão global ou grande desaceleração afetar o preço das matérias-primas e, por conseguinte, o preço das ações das empresas subjacentes.

Ou seja, se você vinha ganhando dinheiro em 2019, provavelmente está perdendo neste início de setembro. E aqueles que estavam na lanterna agora encontram algum alívio. Essa dinâmica transbordou inclusive para outros mercados além da renda variável — os rendimentos dos Treasuries, dos bunds e dos gilts subiram ontem, enquanto o ouro caiu com algum vigor, também invertendo a tendência do ano.

Evidentemente, são poucos dias. Ações são empresas e, portanto, obedecem a ciclos empresariais. Um comportamento de horizontes temporais inferiores a uma quinzena pode ser mero ruído, sem qualquer significância estatística. Qualquer análise mais embasada exigiria estender os horizontes temporais. A impaciência é talvez a maior inimiga do investidor.

De todo modo, a intensidade e a rapidez da rotação setorial chamam a atenção e gente séria e competente começa a questionar se não seria a hora de aumentar commodity e banco.

Há, majoritariamente, duas explicações possíveis para isso. Sem contar é claro a já ventilada: mero fluxo e ruído aleatório, que, naturalmente, ocorrem em ambientes de incerteza e aleatoriedade, magnificados por questões técnicas ligadas a atuações de fundos passivos, trend followers, momentum traders, cobertura de short e por aí vai.

O mercado nem sempre é racional — o que não quer dizer necessariamente que você possa bater o mercado; os preços podem ficar irracionais por mais tempo que você pode se manter ilíquido.

O primeiro ponto seria um eventual desconto excessivo alcançado por bancos e commodities, depois de terem ficado muito em desvantagem no ano frente à valorização das growth stocks (ações de crescimento). Estando muito baratas e distantes de seus respectivos valores intrínsecos, seria a hora de comprá-las, esperando a natural convergência entre preço e valor, típica da análise fundamentalista clássica.

O segundo elemento se ligaria à capacidade dos bancos centrais em endereçar a atual desaceleração da economia global, sem destruir o balanço das instituições financeiras e sem causar recessão. De um lado, a impressão de moeda valorizaria as commodities (com efeito, há correlação histórica positiva entre as coisas, o que não necessariamente significa relação de causa e efeito).

De outro, teríamos, segundo se diz, apenas mais dois cortes de juro nos EUA, sem que a economia por lá fosse para o buraco. Ou seja, não teríamos juros negativos na terra do Tio Sam — e juros negativos são os principais destruidores dos balanços dos bancos (veja os retornos dos bancos europeus). Então, os bancos norte-americanos conseguiriam transitar razoavelmente bem. Negociando a cerca de 0,8 vez book, dando 12 por cento de ROE e pagando 3 por cento de dividend yield, teriam ficado um tanto baratos, atraindo comprador.

Confesso certa dificuldade em comprar o primeiro argumento. De repente, alguém acorda e resolve: “Hmm… a diferença de valuation ficou grande demais. Soca tudo de growth e compra value”. Da noite para o dia, alguma coisa realmente mudou no fundamento? Parece algo mais técnico do que propriamente estrutural e fundamentalista.

Em paralelo, até concordo com a provável expansão monetária adicional a caminho impetrada pelos principais bancos centrais do mundo. Isso pode ensejar alguma valorização das commodities, espraiando para as ações das empresas do setor. Contudo, há ponderações importantes aqui: pela aplicação mais elementar da teoria monetária, isso não seria exclusividade das commodities.

Temos, na economia, o mercado monetário e o mercado de bens e serviços. Mais grosseiramente, moedas e coisas. Se aumenta a oferta de moeda e permanece igual a oferta de coisas (essa é a premissa), troca-se moeda por coisas numa relação mais favorável às coisas.

Em outras palavras, as coisas, como um todo, não só as commodities, ficam mais caras. Temos uma moeda para uma coisa inicialmente. Ou seja, custa 1 moeda para comprar 1 coisa. Depois, temos 2 moedas para uma coisa. Ou seja, custa 2 moedas para comprar 1 coisa. A coisa (todos os bens e serviços) fica mais cara.

O ponto central aqui é: tudo bem as commodities subirem com perspectiva de juros menores e mais afrouxamento quantitativo (impressão de moeda). Mas todo o resto deveria subir também. Não faz muito sentido, por esse argumento, o resto ser dizimado, como foi ontem com consumo e real estate, por exemplo — aliás, setores bem sensíveis a juro.

Reforço: com boa parte das empresas de commodities ainda alavancadas (notadamente, papel e celulose) e com risco de recessão global, faz mesmo sentido estarmos overweight em matérias-primas?

O que fazer então diante da potencial mudança na dinâmica de alocação dos últimos dias? Ainda prefiro correr o risco de cíclicos domésticos locais, em especial de small e midcaps com valuations razoáveis, mesmo que no curtíssimo prazo movimentações de fluxo possam ferir-lhes circunstancialmente — se assim for, paciência.

Não somos traders, mas investidores. E tentativas de fazer timing do mercado costumam ser muito mal sucedidas. O cenário doméstico é muito mais claro do que o global — estamos num “early cycle” aqui (estágio inicial do ciclo econômico) frente a um grande “late cycle” lá fora (estágio avançado do ciclo).

A única adequação que me parece razoável no momento, para tentar capturar esse eventual “catch-up” de valuation no ano, é adicionar um pouco mais de banco no portfólio, justamente aquelas de múltiplos mais comprimidos. Estamos com o dedo no gatilho. Novidades saindo do forno. Acompanhe tudo na Carteira Empiricus.

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