Felipe Miranda: A Advogada do Investidor
Por Felipe Miranda e Equipe, da Empiricus Research
Quem está no centro do debate: eu ou você? A quem importam as recomendações de investimento: ao analista ou ao investidor?
Na “Elasticidade da Técnica Psicanalítica”, de 1928, Sándor Ferenczi propôs uma espécie de subversão da ordem da teoria clássica da psicanálise. Primeiro, defendeu um elo emocional entre analista e analisado, propondo uma escuta sensível e atenta às particularidades de cada paciente. A qualidade da relação afetiva permitiria o endereçamento preciso das singularidades do analisado.
Depois, exigiu humildade do psicanalista, ao dar-lhe um papel quase coadjuvante no processo de cura. O paciente seria sempre o protagonista, de tal sorte que a teoria deveria adaptar-se a ele – daí vem a ideia de “elasticidade da técnica”, que se alarga para poder contemplar as especificidades do paciente, em vez de obrigar o paciente a caber na teoria.
É uma alusão clara à Cama de Procusto, que cortava as pernas de seus visitantes para fazê-los caber em suas acomodações. Se a realidade não está representada pelos modelos, a culpa, obviamente, não pode ser dela, não é mesmo?
Por que estou falando tudo isso?
Destarte, pela minha implicância já demonstrada aqui umas quatrocentas vezes com a prática dos analistas de desenvolverem modelos simplificados da realidade para, a partir deles, projetar o futuro, como se esse pudesse ser representado por algumas linhas de código. Não há elasticidade suficiente da técnica para fazer o mundo entrar numa planilha de Excel.
Mais importante é o segundo ponto: porque não adianta nada eu ter minhas convicções e a partir delas formular sugestões de investimento se essas não valerem para você. São as minhas proposições que precisam se alargar para endereçar os seus anseios mais íntimos; não o contrário.
O investidor é o protagonista, embora todo o mecanismo queira trazer para si o foco da atenção, assumindo um autismo perante a figura que mais importa no processo. Ninguém sequer conversa direito.
A imprensa especializada escreve para os especialistas – o maior jornal de finanças do país escreve para agradar a Faria Lima, o Leblon e a Anbima, além de, por mais surreal que possa parecer, ter uma diretoria de esquerda.
Os analistas estão preocupados com o ranking do II. Esquecem da necessidade de oferecer as melhores recomendações e focam em desenvolver os modelos mais sofisticados – sabe como é, pega bem com os coleguinhas de profissão. E, claro, cada posição conquistada no II implica um salário adicional no bônus anual. Vale tudo pelo voto dos amigos do buy side, que há muito tempo despreza os relatórios do sell side e está mais interessado em outro tipo de agrado vindo dessa turma.
A B3 quer conquistar o varejo adotando uma linguagem institucional. E o regulador terceirizou a uma entidade privada o poder de polícia, de modo que a regulação passa a atender a interesses privados, dominado, evidentemente, pelo poder hegemônico, que nunca se engajou verdadeiramente em democratizar o mercado de capitais.
Em conversa recente com Fernando Haddad, ouvi um causo ilustrativo do problema. Perguntado sobre qual era seu projeto pessoal, ele respondeu brilhantemente: “Sou muito ambicioso para ter um projeto pessoal”.
É exatamente isso. Se queremos fazer algo grande, precisamos abandonar questões pessoais. Para democratizar o acesso aos melhores investimentos, devemos atender aos anseios e às motivações de quem é o verdadeiro protagonista desta história: o investidor.
Vou dar alguns exemplos da necessidade que eu, Felipe, tenho de alargar a técnica analítica.
Os dois leitores mais assíduos desta newsletter (mãe, se você lesse, seriam três!) talvez já tenham percebido minha simpatia pelo chamado “tail hedging”. De forma bastante grosseira, a estratégia implica comprar muitos ativos de risco, combinados a uma porção de seguros contra catástrofe, normalmente representada por opções.
Alguns leitores não se sentem confortáveis com opções e escrevem com frequência: “Felipe, não gosto de opções, acho que não é para mim.” Ótimo, se não é para você… não é para você. Para esses, tenho recomendado proteger a carteira por meio de uma exposição razoável em dólar, que, por sinal, vem desempenhando até melhor do que as opções de venda.
Outro caso: é pra comprar ou vender Bolsa? Dólar? E imóveis?
Não pode haver uma resposta única para isso, entende? Além de respeitar a disposição individual a risco de cada um, o horizonte temporal do investimento, o momento de vida, a recomendação exige saber o quanto você já tem de Bolsa, dólar e imóveis.
A ideia de investir, originalmente, parte da noção de portfólio de mínimo risco, aquele que faz o “hedge” (a proteção) perfeito de seu padrão de consumo. Ou seja, se seus gastos sobem 10 por cento, seu portfólio de ativos sobe 10 por cento. Exemplo: se você tem 20 por cento dos gastos em dólar, terá 20 por cento da carteira em dólar, para “hedgear” seus dispêndios – essa seria a alocação de seu portfólio de mínimo risco.
Comprar ou não determinado ativo depende mais de quanto você já tem ou não daquilo do que propriamente da visão particular sobre ele.
Terceiro caso: bond proxies.
Se você pegar o desempenho das ações típicas pagadoras de dividendos neste ano, verá uma performance abaixo da média. Bancos e ações de commodities têm liderado o movimento, enquanto as chamadas bond proxies ficam para trás.
Isso está acontecendo no mundo todo. Diante do aumento do rendimento dos títulos do Tesouro dos EUA e da consequente abertura de juro, as ações preferidas dos rentistas estariam perdendo apelo mundo afora.
Diante da dinâmica, analistas se dividem. Alguns acham o movimento pertinente, pois se trata de uma tendência global, catalisada pelo aumento do custo de oportunidade do capital. Outros fazem o contraponto: acreditam que, diferentemente do ocorrido nos países desenvolvidos, os juros no Brasil caíram, de modo que as ações de dividendos aqui ficaram ainda mais atrativas.
Quem está certo? Não acho que exista uma resposta única. Há argumentos para os dois lados. Para um investidor global, de fato o custo de oportunidade do capital aumentou, havendo sentido na penalização às bond proxies. Já se você tem apenas um olhar local, também pode encarar que seu custo de oportunidade do capital diminuiu.
A decisão cabe ao próprio investidor. Ele é o protagonista dessa história.
Quando Robert Parker, possivelmente uma das maiores autoridades do mercado de vinho, foi questionado por vinícolas sobre sua avaliação ruim daquele produto, apenas respondeu: “Eu sou um advogado do vinho”. Sua newsletter se chama “The Wine Advocate”. Ela pode sofrer um monte de críticas. É um sinal de que obedece a um único senhor: o próprio vinho.