Opinião

Felipe Miranda: 8 coisas para procurar em seu assessor de investimentos

12 mar 2019, 11:03 - atualizado em 12 mar 2019, 11:19
Felipe Miranda
“Durante bom tempo, combati praticamente sozinho esse combate em público” (Imagem: Empiricus)

Por Felipe Miranda, CEO da Empiricus Research

Pela primeira vez, li ontem uma matéria em jornal de grande circulação falando de forma explícita e objetiva sobre o conflito de interesses inerente aos chamados “supermercados financeiros”, esse nome pomposo dado ao que no meu tempo se chamava corretora.

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Como os quatro leitores deste espaço talvez já saibam, a reportagem de título “Expansão de supermercados financeiros expõe conflitos”, assinada por Vanessa Adachi, Adriana Cotias e Nathália Larghi, trata de um tema caro para mim. Não é coincidência a fundação da Empiricus , uma publicadora de conteúdo totalmente fora da indústria de originação e distribuição de valores mobiliários e, portanto, focada em indicações sem nenhum tipo de conflito de interesses. Acredito de alma na superioridade deste modelo.

Já é difícil pra caramba bater o mercado. Agora, imagina fazê-lo tendo de, ao mesmo tempo, obedecer simultaneamente a uma agenda sub-reptícia de taxas e rebates escondidos. Fica bastante difícil. Por isso, insisto em expor os problemas da indústria conflitada, por vezes não devidamente dimensionados e com ferimentos marcantes para o investidor. No final do dia, ele é o prejudicado, mas como as taxas e os rebates lhe são escondidos, o investidor acaba não percebendo e acha que está tudo bem.

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Durante bom tempo, combati praticamente sozinho esse combate em público, afirmando que, embora os “supermercados financeiros” sejam inegavelmente superiores aos bancos tradicionais, eles não eram as fadas que se pintavam nos comerciais de TV. Arquei – e ainda arco – com as consequências disso.

Poderia resumir a crítica da seguinte forma: essas plataformas de investimento são as versões 2.0 dos bancos. Oferecem uma gama maior de produtos e cobram um pouco mais barato (embora ainda bastante caro no geral), o que é ótimo. Jamais poderia tirar-lhes esse relevante mérito. Mas não se livraram da essência do conflito de interesses: quem vende produtos (gerente ou agente autônomo) não poderia estar ligado a sugestões ou sugestionamentos (perdoem o neologismo necessário para transmitir a ideia com um pouco mais de precisão) de investimento, posto que sua remuneração será maior ou menor se vender esse ou aquele produto. Quem parte e reparte fica com a melhor parte. Fica o esclarecimento: não se trata de um problema com as pessoas. Há excelentes gerentes de bancos e agentes autônomos. O ponto central está na natureza da coisa, na estrutura de incentivos, no coração do conflito. Como diz Dan Ariely, exponha o ser humano ao conflito de interesse e, em algum momento, ele vai cair. Todos temos bocas a alimentar e boletos a pagar.

Li, portanto, a matéria de ontem com especial interesse e faço questão de aqui, mesmo reconhecendo minha insignificância no mundo, registrar meus parabéns públicos às autoras. Deixo claro: as mesmas críticas tecidas neste Day One foram também feitas em caráter privado, olhando nos olhos, do top management dos principais supermercados financeiros do Brasil (eu as faria de novo se necessário fosse), de tal modo que me sinto à vontade para repeti-las em público.

Da reportagem em questão, destaco os seguintes trechos:

“Conforme essas plataformas ganham escala, cresce também a discussão sobre o quanto de fato elas se diferenciam dos bancos no quesito independência.”

“O principal questionamento que se faz é quanto ao potencial conflito de interesses criado pela forma como os supermercados são remunerados, o que se aplica também aos chamados agentes autônomos de investimentos.”

As frases são precisas. Tal como feitas hoje, as plataformas de investimento são apenas uma evolução do mesmo formato bancário; não se tratam de proposição de um novo paradigma sem conflito. Se o agente autônomo recebe mais por vender o produto A do que por distribuir o produto B, então há um incentivo econômico claro para sugestionar a aplicação em A. É rigorosamente a mesma essência do gerente do banco. Não mudou nada na natureza da coisa.

Tenho para mim que, à medida que o mercado caminhar, reduziremos essa dependência dos gerentes e dos agentes autônomos. Teremos mais empresas como a Empiricus e, talvez por mera torcida, espero que a própria Empiricus cresça. Mais relevante ainda possivelmente seja a criação de plataformas de investimento realmente focadas na eliminação do conflito, sejam elas totalmente digitais com apoio de conteúdo independente ou apoiadas no mesmo sistema de remuneração dos grandes gestores de patrimônio, em que o modelo de cobrança fixa por consultoria predomina. Vitreo e Warren são dois exemplos já presentes desse prognóstico.

Por enquanto, porém, ainda estamos, de certo modo, condenados ao sistema conflitado. A saída é encontrar a melhor forma de lidar com ele. Pelo menos por um tempo. Felizmente, há bons agentes autônomos por aí, gente séria e comprometida em levar resultados para seus clientes. Então, pensei numas heurísticas aqui para tentar ajudar a identificar essa turma, separar o joio do trigo. Vamos lá.

1 – Procure por gerentes autônomos ou gerentes malvestidos, ou vestidos de maneira despojada – vou escrever no masculino não por sexismo ou coisa parecida, mas por mero hábito; se isso lhe incomoda, peço desculpas, basta trocar “o” por “x”, tipo “autônomxs”. No mercado financeiro, a pessoa mais malvestida da sala costuma ser a mais rica. Sim, é uma evidência empírica – ele está preocupado em ganhar dinheiro e tocar sua grana, não em agradar as pessoas à sua volta, nem precisa provar nada ou impressionar alguém. Lembro da história, talvez seja lenda, não sei, de que o Jorge Paulo andava num Passat meio ferrado, que inclusive teria o salvado de um assalto. O vestido de maneira mais simples (vale aqui diferenciar do malvestido) normalmente é o mais inteligente (não confundir com hipsters, forçadamente descolados, aqueles que ficam três horas em frente ao espelho para fazer o cabelo parecer bagunçado, calçados de happy socks e/ou vestidos de camisas xadrez). Heurística mais certeira: calça jeans e camiseta preta ou branca, não falha, procure por isso. Como antítese, evite principalmente as camisas azuis claras, com calça azul marinho, cinto e sapato marrom. Esse é o uniforme tradiça na Faria Lima. Se você se veste como a média, é bem provável que você adote outros hábitos também medíocres. Questão de personalidade. Hábitos ordinários não vão gerar retornos extraordinários.

2 – Identifique como a pessoa forma o plural de “milhão”. Se ele falar “milhões”, mau sinal. Todo mundo sabe que o correto é “milhões”. Mas a pessoa que fala “dez milhão” tem a rua correndo nas veias. Ela está por aí conversando e tentando fazer negócio todo dia. Tem ideia de cada valor de mercado por intuição, sem precisar consultar a planilha. Ele tem um sentido das coisas. É a personagem Fat Tony de Nassim Taleb, um negociador nato, um hábil ganhador de dinheiro, “street smart”. Também pode ser um indicador de que ele acha “milhões” singular, parece pouca grana pra ele, o que é ótimo. Chances maiores de que ele mesmo tenha ganhado dinheiro. Desculpe, personal trainer ou nutricionista gordo não rola. Financista pobre não dá também, com todo o respeito. Lembro do Geninho como técnico do Corinthians em 2003: como vai cobrar bom preparo físico?

3 – Peça por transparência. Pergunte ao agente autônomo quanto ele mesmo está levando pela distribuição de cada produto. Se ele não lhe dar, acenda o sinal laranja (chance grande de ele estar lucrando alto na sua cabeça e, por isso, não quer lhe contar). Caso contrário, você mesmo poderá comparar e identificar se ele está alinhado com você. Isso pode diminuir bem o conflito. O sol é o melhor detergente. Breve parêntese: quem mais deveria ficar feliz com as críticas feitas ao conflito inerente a esse tipo de remuneração é justamente o bom agente autônomo. São a transparência, a luz sobre a questão e as críticas gerais que farão com que se diferenciem os bons dos ruins. Nada além da verdade. Não há meritocracia sem transparência radical.

4 – Ele é rico? Já adiantei um pouco disso no ponto 2. E peço desculpas se isso eventualmente soa agressivo ou grosseiro. Mas é a verdade. Esse aqui não é um jogo de estar certo, de ter razão, de ser mais erudito, de conhecer as melhores técnicas econométricas, de saber as razões por trás de uma determinada coisa. Aqui só uma coisa conta ponto no final do dia: ganhar dinheiro. Money talks, BS walks. Se o camarada não ganhou dinheiro pra si, não está 100 por cento habilitado para assessorar o outro. É um monitor de autoescola sem carteira de motorista. Como resumiu Warren Buffett. Wall Street é o único lugar do mundo em que pessoas de Rolls Royce vão pedir conselhos a quem anda de metrô.

5 – Ele é um sobrevivente? Entenda a trajetória de vida do sujeito. Se ele foi criado a leite com pera, sem ter tomado umas porradas da vida e superado aquilo, dificilmente estará preparado para enfrentar uma crise nos mercados. Sucumbirá ao primeiro sinal de estresse, porque coragem e serenidade são virtudes como outras quaisquer, elas são desenvolvidas com a prática. Nesse momento de crise, será justamente quando você mais vai precisar de seu assessor.

6 – É preferível que ele seja velho. Aqui temos uma pequena variação do item anterior. O diabo é sábio não porque é diabo, mas porque é velho. Yoda é velho,  Mickey, o treinador do Rocky Balboa, é velho, Sr. Miyagi é velho, Pai Mei, do Kill Bill, também. Todo sábio é velho. Pode pegar em todo arquétipo do herói de mil faces de John Campbell. E não há nada mais valioso no mercado do que sabedoria. Não confundir sábio com herói, que às vezes até morre no final. Não é um espaço de machão isso aqui, de peitar o mercado na marra feito William Wallace. Esclareço: ao falar velho, não trato necessariamente de idade, mas tem que estar há um bom tempo nessa estrada. Ter vivido vários ciclos de alta e de baixa, para poder desenvolver conhecimento tácito e intuição a partir de “pattern recognition”. Garotinhos filhos do bull market estão dispensados. Peles de bunda de neném não estão preparadas para os machucados da impiedosa marcação a mercado. Também a sabedoria está ligada a certo ceticismo, a desconfiar de teses malucas (o que evita erro do tipo 1, de tomar verdadeiro o que é falso, sempre o mais problemático; comprar uma ação ruim tem efeitos muito piores do que não comprar uma ação boa) e refutar os super-heróis do momento (sempre há um eleito para captar bilhões por aí, para logo em seguida entregar boa parte disso). Há vários sábios no mercado financeiro, mas nenhum super-herói.

7 – Exija humildade epistemológica. Se vier com papo de que o economista da casa sabe decompor a inflação norte-americana melhor do que o Fed, discorrer sofisticadamente sobre long x short de US tech stocks ou parecer saber demais de dívidas de mercado emergente mundo afora, fuja. Sinal inequívoco de falta de humildade. Vai exagerar no tamanho das posições e/ou se alavancar estimulado pela autoconfiança. “Eu sei mais do que os outros.” Isso é uma bomba relógio. Segredo nosso: ninguém sabe nada. Acertar uma ou outra coisa aqui dentro já é difícil pacas. Saiba seu lugar no mundo.

8 – Pergunte pelo portfólio pessoal de seu gerente ou agente autônomo, na física mesmo. Se ele não quiser mostrar, mau sinal (ver Transparência). Se ele mostrar e for muito diferente do que ele propõe pra você, péssimo sinal. Regra de ouro de Nassim Taleb: não me diga o que eu devo fazer com meu portfólio, me fale o que você está fazendo com o seu.

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