Felipe Miranda: 129 anos em poucos meses; Por mares nunca dantes navegados
Se eu dissesse que há um fenômeno do tipo “50 anos em 5” ocorrendo na Bolsa brasileira neste momento, você me tomaria por exagerado? E se fossem 129 anos em 5? Aí já seria demais, certo?
Confesso que, a exemplo de Kafka, até me inclino a certos exageros. Não me proponho a comparações, claro. Entre mim e o autor, talvez haja como paralelo apenas a imagem de uma figura paterna “demasiado forte para mim”.
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A questão, porém, é que não há exagero algum aqui. Devemos bater a marca de 1 milhão de pessoas físicas na B3 por estes dias, se é que já não o fizemos. O último dado que vi se refere ao fechado de março, com 983 mil CPFs. Isso se compara aos 710 mil do final de 2018.
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Deixe-me recuperar um pouco de história aqui. A criação da Bovespa remete a 1890, a partir da chamada Bolsa Livre. Esse me parece o marco original da genealogia da B3 — está lá no próprio Formulário de Referência.
A Crise do Encilhamento, que você estudou na escola como a primeira bolha especulativa brasileira (referência imagética à metáfora da ganância e dos movimentos especulativos ligados às supostas oportunidades que poderiam ser descritas pela frase “cavalo encilhado não passa duas vezes”), tem seu estouro em 1891, com repercussões decisivas sobre o funcionamento da Bolsa Livre. Após quatro anos, o mercado de capitais voltaria a ter seu desenvolvimento concentrado na Bolsa de Fundos Públicos de São Paulo.
Cara, então pensa o seguinte: essa brincadeira começou 129 anos atrás. Passamos de 1890 a 2018 para levar 710 mil pessoas à Bolsa. E, em apenas quatro meses, foram adicionados 300 mil CPFs à B3.
Agora, os doutores da Faria Lima (ou seriam da XV de Novembro?) vão calçar suas meias-calças brancas e seus sapatos de salto alto pretos, vestir suas longas perucas e caprichar no blush no rosto para um oportuna reunião em palacetes acarpetados para discutir as razões por trás do “crescimento exponencial da participação da pessoa física no mercado brasileiro”.
Servidos por um mordomo de smoking num banquete nababesco, lá vão apontar o juro baixo, a potencial esperança com um novo governo, o desenvolvimento das plataformas de investimento e, claro, a boa colheita dos esforços feitos pela própria B3 para fomentar a atração da pessoa física para dentro de seu ambiente — sem culpa alguma aqui: o narcisismo sempre nos atribui um poder maior do que realmente temos; ninguém escapa, das pessoas às Bolsas.
Talvez alguns mais moderninhos, que se recusam a vestir a alta costura de Luís XIV, possam apontar alguma atuação de influenciadores digitais e redatores de newsletters. Nonada. Entre o Rei Sol e Groucho Marx, fico com o segundo, disparado: me recuso a fazer parte de um clube que me aceita como sócio.
É evidente meu entusiasmo com a crescente participação da pessoa física na B3. Primeiro, porque se alinha a um objetivo empresarial. A Empiricus foi criada para levar ao investidor individual indicações para aplicar seu dinheiro tão boas ou melhores do que aquelas anteriormente restritas aos profissionais e multimilionários, sem os conflitos de interesse da indústria financeira tradicional. Há uma certa endogeneidade e alguma dialética entre nossos desenvolvimentos — guardadas as devidas e enormes proporções, claro; sei da minha insignificância cósmica.
Mas não é só isso. Ver a pessoa física participando ativamente do mercado de capitais era (e ainda é) um motivo de alegria pessoal. Certo ou errado, sempre acreditei que ela podia fazer até mais do que o investidor profissional, que, por vezes, vira um transatlântico e não pode mais competir com lanchas que se movem mais rápido — experimente apresentar uma belíssima tese de uma microcap para um gestor de um gigante fundo multimercado; não vale a pena nem o tempo de ele estudar aquilo.
Fora isso, o investidor pessoa física não tem cota para publicar e ser pressionado pelo alocador a cada flutuação que o afasta da marca d’água (e representa menores chances de rebate de performance para o alocador, claro), tampouco precisa se preocupar mais com sua reputação do que com seu portfólio — o fim de um investidor é quando seu ego e sua reputação retiram-no da rota do que é realmente bom para sua carteira. Tio Ricco oferece sabedoria interessante aqui: “Muito risco, pouco ego”.
Ao mesmo tempo, porém, confesso certa preocupação. Crescimentos desordenados costumam ser… desordenados. Essas 300 mil pessoas sabem o que estão comprando? Ou será que foram atraídas apenas pela alta do Ibovespa e do Ifix nos últimos dois anos?
Eu, sinceramente, não tenho nada contra a ganância. Não se trata de ser algo bom, como definiu Gordon Gekko. Mas também não é algo ruim. Apenas é a natureza humana. Se nossa visão idealizada do ser humano não corresponde à realidade, a culpa não pode ser da realidade. Essa daí é o que é. E não vai mudar para satisfazer nossas preferências individuais.
Também não tenho pretensões de virar do avesso o viés cognitivo ligado ao “fear of missing out”, a tendência que temos a correr riscos excessivos com medo de não participar da festa.
Minha desconfiança apenas é de que as pessoas tenham sido atraídas por uma expectativa de retorno, derivada do comportamento dos benchmarks desde 2016, que provavelmente não vai se repetir agora. A maior peça de marketing do mercado editorial brasileiro sobre investimentos não foi produzida pela Empiricus.
Ela foi feita na voz passiva, em linguagem nada moderada e comedida por meio da alta do Ibovespa dos 40 mil para os 95 mil pontos. Com o vizinho multiplicando o capital por três em três anos, todos também querem participar da brincadeira. Quem insiste mesmo em ser exagerada é a realidade, sempre muito mais estranha do que a ficção.
E quem tem sido a interlocução principal dos entrantes em B3? Os agentes autônomos, que, motivados pelo interesse em embolsar gordos rebates de taxas de performance ou mesmo alguma boa cifra em corretagem, muitas vezes não dão ao investidor a devida informação sobre o que ele realmente está comprando.
Com todos órfãos das LCIs e LCAs, agora adentram um ambiente de volatilidade, para o qual muitas vezes não estão preparados ou então sobre o qual não foram adequadamente informados.
Alternativamente, outros receosos da imagem absurda e culpógena de um grande cassino fogem do sobe e desce das ações para se esconder em crédito ou em fundos multimercados de baixa volatilidade.
No primeiro caso, confundem volatilidade com risco e apostam dólares para ganhar centavos. Atrás de raspas e restos, migalhas sobre o CDI, incorrem num monte de risco escondido, sem saber que o spread de crédito no Brasil não compensa, e se há uma bolha hoje no país é justamente nesse nicho. Fuja de crédito no Brasil hoje. Quem há pouco tempo captava em torno de 170% do CDI hoje o faz perto de 110. Não precisa ir muito longe: veja o que acaba de acontecer com Localiza. A propósito: os fees de estruturação e distribuição precisam ser revistos num ambiente de juro muito mais baixo.
Já nos multimercados de baixa vol, você paga 2% de administração para o gestor, mais 20% de performance sobre o que exceder o benchmark, para ele entregar 105% do CDI? Faz algum sentido isso? Calcule quanto do resultado você está deixando para o gestor e quanto ele está levando de você. Fuja de multimercados de baixa volatilidade.
Por fim, se você está chegando agora, lembre-se de que 10% ao ano representa 154% do CDI.
Como diria Woody Allen, “a realidade é dura, mas ainda é o único lugar onde se pode comer um bom bife”.
Mercados iniciam a terça-feira dando continuidade ao clima negativo da véspera, embora variações sejam mais modestas hoje. Confirmação de aumento de tarifas impostas pelos EUA às importações chinesas voltam a pesar. Por aqui, investidores dividem-se entre chiliques públicos de militares e olavetes, além de monitorar a primeira reunião ordinária da Comissão Especial da PEC da Previdência.
Agenda traz dados da Anfavea, que podem balizar mais uma vez o pulso da atividade econômica, além de balanço da Ambev (já publicado) e da Petrobras (à noite). Nos EUA, atenção para relatório Jolts sobre emprego.