Felipe Miranda: Do trade ao currency war, o objetivo verde é destruir o exército vermelho
“Sai que é suUúûa, Alisson!” Teste pra cardíaco mesmo é ouvir o Galvão Bueno. Gente, como ele está desafinado. Amo o Casa, mas quando ouço o Galvão, sinto uma saudade do Cleber Machado…
E vice-versa. Basta ver o Cleber (não na Margherita, aos domingos, onde ambos enchemos a pança de pizza e a cara de vinho, mas nas transmissões da Globo) para sentir saudade do Galvão também. A sensação é parecida com as empresas aéreas. Ao viajar pela Gol, morro de inveja da Latam.
E quando viajo pela Latam, acho a Gol o máximo. Deram até nome científico para a coisa: viés de disponibilidade. Na minha adaptação do Millôr, “como são boas aquelas empresas que não conhecemos de perto”. Agora, querem me convencer a comprar ações da Azul (há gente boa neste call), mas a verdade, para mim, é que ser melhor do que Gol e Latam é muito pouco, quase nada.
Conclusões a partir de análises relativas são sempre um tanto complicadas. A ação X é mais barata do que a Y. Logo, vamos comprar X? Ora, X se ajusta a Y ou Y se ajusta a X? Ok, espertinho, já sei a réplica (breve nota técnica, que o leitor menos técnico pode pular sem qualquer prejuízo à mensagem geral de hoje): na dúvida sobre a forma pela qual se dará o suposto ajuste, desistimos da postura “long only” e montamos um pair trade. Compramos X e shorteamos (apostamos na queda) de Y, passando a nos importar apenas com o desempenho relativo entre ambas.
Ah, perfeito. Daí, além de incorrer numa barbaridade de custos de transação, o sujeito se depara com alguma quebra estrutural e o que era para ser um trade “market-neutral” (sem sensibilidade às condições de mercado, importando apenas o relativo entre ambos) vira um duplo alfa — ele erra nas duas pontas. Qual é a narrativa atual para impedir os fundos de long & short de entrarem em extinção? Não bastou a indústria ter quebrado três ou quatro vezes?
Mas não quero falar disso. Hoje é o último dia útil do semestre. E deu para ganhar um bom dinheiro se você seguiu as indicações de comprar bastante Bolsa e juro longo — a Carteira Empiricus, por exemplo, acumula alta em torno de 14 por cento em 2019. Confesso ser um motivo de satisfação, porque cuidamos desse troço feito um filho.
Agora, porém, pouco importa. O passado não se muda; está lá, demarcado, ao menos supostamente — segundo o Malan, até ele (passado) insiste em ser incerto no Brasil. Queremos olhar para a frente. Qual será o grande tema para a segunda metade do ano?
Olha, internamente, você tem toda essa história de plataforma de reformas, re-rating dos ativos brasileiros, redução da Selic, retomada do crescimento e dos lucros corporativos, migração em direção a mais risco, financial deepening. Para mim, honestamente, tudo isso está dado. Aos trancos e barrancos, vai acontecer.
Em paralelo, o valuation da Bolsa é bom e os prêmios dos juros longos me parecem pintados pelo Botero. Ótima notícia. A verdade é que tenho pouco a acrescentar sobre isso.
Já sobre o cenário internacional, a coisa é diferente. Esse, para mim, é o grande risco e deve ser o grande tema para o segundo semestre. Ainda que eu esteja muito otimista com Bolsa e juro longo por aqui (de fato, estou), não nos deixemos cair na tentação das esperanças ingênuas. Lá fora é um risco importante. E se cair por lá, vai cair aqui também, mesmo que seja para uma recuperação posterior.
Hoje, os PMIs (os indicadores da atividade manufatureira) mundo afora mostram desaceleração importante há cerca de cinco meses. A questão que se coloca é se entraremos numa recessão global ou se será apenas uma acomodação, um pouso suave.
Quando olho para a geração de caixa das empresas, para o nível de endividamento, para as taxas de juros bem baixas, me inclino mais à hipótese de apenas uma desaceleração.
Preciso também apontar a capacidade de reação dos bancos centrais — de maneira coordenada, eles já se dispuseram a agir. Poderia também citar algum espaço fiscal, sobretudo na China. Mas quero me ater à questão monetária, porque daqui devem surgir grandes impactos para o fluxo de capitais no segundo semestre.
O banco central dos EUA está com o dedo no gatilho para cortar sua taxa básica de juro. E o que acontece quando o Fed relaxa o juros? As pessoas saem do dólar e começam a comprar todo o resto, porque a moeda norte-americana, como grande reserva de valor e referência mundial, é a contraparte clássica de qualquer outra coisa.
Quando você fala da taxa de câmbio no Brasil, por exemplo, há uma elipse aqui — tacitamente, sem que você precise dizer da taxa de câmbio do real contra o dólar, já se subentende tratar-se disso. As commodities também estão cotadas em dólar. As criptomoedas… Por aí, vai.
Então, esse pode ser um grande tema para o segundo semestre: o dólar fraco no mundo. Depois de uma sobrealocação em dólar no ano de 2018, agora poderemos começar a ver o contrário. As pessoas, físicas e jurídicas, saindo do verde e indo para alternativas. Com juros baixos nos EUA, você sai para comprar outros bonds, Bolsa, commodities, mercados emergentes…. qualquer coisa.
Há pouco tempo, um brilhante gestor brasileiro escreveu em carta aos seus cotistas que o dólar deveria se enfraquecer no mundo. E encerrava com uma pergunta em aberto: mas se enfraquecer contra quem?
Como são difíceis as questões relativas. E, por definição, uma taxa de câmbio é sempre uma questão relativa. É o dólar contra alguém. Poderia ser a taxa de câmbio do dólar contra esse monitor à minha frente.
À época, sabendo da minha insignificância cósmica e jamais me colocando na posição de, nem no meu maior sonho, estar à altura dos deuses do Olimpo, rabisquei aqui uma tentativa de resposta. Para mim, seria nosso real, essa moeda exótica e fraca, que estaria preparado para uma boa apreciação.
As coisas mudaram um pouco desde então. Primeiro pela questão do preço mesmo. Ali, o dólar estava na casa dos 4 reais, talvez até um pouquinho acima pelo que me lembro. Hoje, voltou para os 3,84. Depois pela questão do diferencial de juros.
Desde então, ficou bem claro que o Copom deve reduzir nossa Selic no segundo semestre — e o mercado colocou isso nas cotações; para mim, o ciclo pode ir até 150 pontos-base. Ainda que o Fed venha também a cortar juro, o carrego do real já não é mais tão bom. É uma moeda ruim, que não paga mais tanto. Se a Selic for mesmo a 5 por cento, como eu acho que vai, então o juro real ex-ante vai ser de 2 ou 1 por cento, num país de déficit fiscal alto, baixa produtividade, crescimento pífio. Economia fraca tem moeda fraca. Não há razão para esperarmos um câmbio forte aqui.
Também seria de se esperar, num contexto de desaceleração global e guerra comercial, deterioração dos termos de troca (a diferença entre os preços do que a gente vende e o que a gente compra), com commodities caindo, o que é sempre ruim para moedas emergentes.
Então, por mais que anteveja algum espaço para apreciação adicional do real com a aprovação das reformas e com a bateria de privatizações a caminho tocada pelo brilhante Salim Mattar, não é óbvio mais, sabe?
Volto, portanto, à pergunta original: o dólar deve, sim, se enfraquecer no mundo; mas contra quem? Há uma questão grave aqui. É verdade que o Fed deve cortar juro e os EUA enfrentam problemas. Mas olhe para os outros países. Eles estão numa situação ainda pior — e é por isso que não vemos ainda o dólar se desvalorizando perante as demais moedas.
Um tema importante para o segundo semestre pode ser justamente essa questão das moedas, com a guerra comercial se transformando em guerra cambial. Se o Fed reduzir muito os juros e enfraquecer o dólar, ele mata a economia dos demais países desenvolvidos, que já está convalescendo. Europa simplesmente não aguenta o euro a 1,25. E a China, por mais que se esforce no desenvolvimento do mercado doméstico, ainda é muito pautada por um export-led growth (crescimento pautado em exportações).
Então, você vai ter um mundo de juros muito baixos e BCs voltando a inundar os mercados com liquidez, em que nenhuma moeda presta. Não tem muito para onde correr. E o que você faz quando não há para onde correr no sistema financeiro? Ora, você compra a alternativa a tudo isso.
Estão todos (todos mesmo, até os gestores mais brilhantes do Brasil) tentando descobrir qual a moeda alternativa ao dólar. Alguns não acharam. Outros citam Noruega, Hong Kong; Inglaterra talvez. Eu estou com Paul Tudor Jones, para quem o ouro pode ser uma grande pedida para os próximos 12 meses. Esse é o hedge do dólar. Por que ninguém fala dele por estas bandas?