CryptoTimes

Fabrício Tota: a jornada brasileira no mundo dos investimentos alternativos e ativos digitais

20 jan 2020, 13:30 - atualizado em 27 out 2020, 17:17
brasil bandeira ordem e progresso
Como está a adesão dos criptoativos e da tecnologia de blockchain no território nacional? (Imagem: Unsplash/@rafaelabiazi)

Um dos atributos que mais me seduz no Bitcoin não é seu potencial de valorização ou a liberdade econômica que ele pode proporcionar. O que realmente me conquista, com toda sua simplicidade, é a capacidade de evitar um problema bastante simples: o gasto duplo.

Me explico. Outras iniciativas de dinheiro relacionadas a dinheiro digital não conseguiram o feito que Satoshi Nakamoto, em seu brilhante “paper” de apenas nove páginas, conseguiu.

Uma solução simples e elegante, que se vale de redes “peer-to-peer” e registros públicos das transações para atestar, afinal, a propriedade, posse ou domínio de um ativo digital.

Bem, o Bitcoin traz algumas soluções para a ideia de dinheiro digital. Fungível, divisível, durável e de oferta limitada. Mas que outros problemas potencialmente poderiam ser resolvidos?

Eu e meus colegas do Mercado Bitcoin não fomos os únicos que chegamos a esse tipo de questionamento. Desde o início de 2019, se fala muito, mas muito mesmo em Security Token Offering (STO, na sigla em inglês) no mundo dos criptoativos.

Um STO nada mais é do que a oferta de um token (digital asset) que representa um “security” (valor mobiliário).

Mas veja, essa oferta precisa necessariamente ser de um valor mobiliário, trazendo, especificamente, para o contexto brasileiro?

Segundo dados da B3, agora são 1,6 milhão de investidores pessoa física, em contraste aos 800 mil em 2018 (Imagem: YouTube/B3)

O mercado de investimentos para pessoas físicas se desenvolveu bastante nos últimos anos. O ano de 2019, em especial, viu um verdadeiro boom das plataformas de investimento.

Segundo dados da B3, o número de investidores pessoa física superou 1,6 milhão, diferente de pouco mais de 800 mil ao final de 2018.

Pois bem, imaginemos qual seria o grande benefício de uma ação, digamos, da Petrobras, em forma de token, ou seja, de um ativo digital?

OK, talvez não precisemos de tantos intermediários quanto os necessários na infraestrutura de mercado atual para realizar uma mera compra e venda de ações, mas não teríamos problemas mais relevantes a serem solucionados?

O contexto econômico nacional contribui bastante, nos obrigando a sermos criativos. Taxa de juros no nível mais baixo da história e investidores ávidos por ativos que realmente tragam retorno.

Diversificação não é mais tão somente uma prática de mitigação de risco, mas sim uma obsessão dos investidores, sempre em busca de maiores retornos. Estratégias que funcionavam com juros de dois dígitos não funcionam mais atualmente.

E talvez a verdadeira diversificação esteja um pouco além do óbvio que encontramos por aí: não basta diversificar entre ações, fundos de investimento e ativos tradicionais de renda fixa, seja pública ou privada.

Estratégias do mercado financeiro tradicional não funcionam muito no mercado de cripto, já que são universos bem diferentes (Imagem: Unsplash/@kmuza)

E então encontramos o “match” perfeito. Os ativos digitais encontram… os ativos alternativos!

Os ativos alternativos se popularizaram especialmente após a crise financeira de 2008, em razão da busca intensa, por parte de investidores institucionais, por alternativas financeiras que não tivessem correlação tão forte com ativos tradicionais.

Em meio à crise de 2008, mesmo carteiras bastante diversificadas de ações, por exemplo, sofreram perdas que não puderam ser evitadas pela diversificação.

Isso acontece porque toda essa classe de ativos (as ações, em nosso exemplo) está sujeita a riscos comuns ao mercado de Bolsa como um todo, obviamente.

Para fugir desses riscos comuns, uma opção foi encontrar uma nova classe de ativos, um novo caminho de investimentos, algo que, de fato, aumentasse o retorno, sem necessariamente aumentar o risco.

Os instrumentos de investimento tipicamente classificados como alternativos são ativos reais, ligados a infraestrutura e ao mercado imobiliário; empresas em seus estágios iniciais, com “equity crowdfunding” e também “private equity”; e ativos de crédito, privado ou de origem judicial.

A previsão de valor de mercado para os ativos alternativos é de crescimento na próxima década, podendo atingir ate US$ 15,3 trilhões, de acordo com a PwC (Imagem: Reuters/Danish Siddiqui)

O segmento de ativos alternativos tinha uma valor de mercado de aproximadamente US$ 7,7 trilhões em 2016, com expectativa de crescimento até US$ 15,3 trilhões em 2020, segundo estudo da PwC.

Entretanto, boa parte desses ativos de alto retorno não está acessível ao público investidor em geral (como você e eu), sendo acessíveis somente às grandes instituições, fundos e bancos, devido a uma série de fatores.

Primeiramente, por conta do alto custo para encontrar esses ativos, algo que chamamos de “custo de originação”. Em segundo lugar, em razão dos valores necessários de investimento inicial, sempre bastante elevados, e, finalmente, por conta da impossibilidade, ou no mínimo da dificuldade, de se vender a qualquer momento: são considerados ativos ilíquidos.

Ora, seria extremamente desejável que os ativos alternativos possuíssem algumas das características dos criptoativos. Por exemplo, a divisibilidade.

Frequentemente, um ativo alternativo tem um valor bastante elevado individualmente, acessível somente para grandes, mas realmente grandes investidores, como a tesouraria de um banco.

E se pudéssemos segmentar, digamos, um prédio comercial, em pequenas frações, que fossem acessíveis para virtualmente todo investidor? Mil reais? Viável. Cem? Totalmente viável. Um mísero real? OK, mesmo esforço para fazer o fracionamento, caso seja um “digital asset”.

Muito bem, mas que outro problema poderia ser resolvido? Tomemos agora a questão a liquidez.

A tecnologia de blockchain fornece segurança, governança e divulgação de informações em um registro público (Imagem: Pixabay/geralt)

Os mercados de criptoativos se desenvolveram muito ao longo dos últimos dois ou três anos. Realizar transações de compra e venda é, definitivamente, algo totalmente trivial, seja no ambiente das exchanges, seja na consistência das transações em uma blockchain.

E vamos lembrar de uma das principais soluções trazidas pelo Bitcoin, do começo do texto: atestar a propriedade, posse ou domínio de um ativo digital. E, também, facilitar enormemente as trocas nesse ambiente.

Mudar o dono de um ativo sem precisar ir ao cartório? Possível. Encontrar um ambiente seguro para o registro seguro dos detentores do token? Está pronto. Oferecer um livro público, auditável por design? Igualmente pronto.

Desse universo de possibilidades, fomos para a prancheta. E da prancheta, para a prática.

Em poucos meses, estava pronto o primeiro caso concreto de investimento alternativo na forma de um digital asset 100% tupiniquim: tokens de precatórios, lançados pela MB Digital Assets, braço de ativos digitais do Mercado Bitcoin.

Contextualizando, precatórios são títulos de dívida pública decorrentes de ações judiciais.

Por exemplo, após obter uma vitória judicial contra o poder público (prefeitura, governo estadual ou federal), a pessoa passa a ser detentora de um título denominado precatório.

Esse título possui um valor, que será pago em alguma data futura. A oportunidade como investimento está na antecipação, ao detentor do precatório, de um valor inferior ao que será recebido no futuro.

Investimento em precatórios não traz muitos rendimentos se comparado ao investimento em criptoativos (Imagem: Pixabay/Goumbik)

Dessa forma, o detentor original, que enfrentou todo o processo contra o ente público, provavelmente por muitos anos, recebe imediatamente, ainda que um valor menor do que o valor de face, algo que ainda levaria um tempo para receber diretamente do ente público.

Por outro lado, o investidor aguarda o pagamento do precatório, que foi comprado com deságio e ainda será corrigido. Bom para os dois lados, não?

Obviamente, ainda são muitas as possíveis melhorias. Uma ligação mais fluida e transparente entre o mundo digital e o real, um ambiente regulatório mais claro além de questões relacionadas à custódia de “digital assets”.

Mas, com essa primeira experiência (na verdade, quatro lançamentos que foram feitos ao longo de 2019), já pudemos sentir um pouco o gostinho do futuro. E tem muito mais por vir. Muitas outras oportunidades surgiram e estão no forno para 2020.

No final das contas, a democratização do acesso a ativos alternativos de alto retorno agora é uma obsessão para nosso time.

Fabrício Tota possui mais de 20 anos de experiência no mercado financeiro. É diretor no Mercado Bitcoin desde 2018, onde desenvolveu a área de OTC/grandes clientes. Hoje, está envolvido em diversas outras atividades da empresa, em especial as relacionadas a trading, research, dinâmicas do mercado de criptoativos e paralelos com o mercado financeiro tradicional.