Existem motivos para se preocupar com a possível proibição de cripto na China?
Por bem ou por mal, a China é o único país que sempre teve uma grande influência sobre o preço do bitcoin (BTC).
Um dos motivos para isso é que a maioria da mineração de bitcoin é baseada na China e algumas das mais antigas corretoras e comunidades cripto também estão lá.
Como consequência, a postura em constante mudança da China em relação a criptoativos tende a ter um efeito exagerado sobre os mercados cripto já voláteis.
Embora manchetes que afirmam que “a China está banindo o bitcoin” ou “a China está reprimindo a mineração” pareçam representar os piores cenários, a realidade é bem mais sutil.
Na verdade, como é o caso em grande parte das maquinações internas em políticas e negócios chineses, a situação verdadeira é complexa e está em constante evolução.
Abalando a ordem normal econômica e financeira
Primeiro, vamos analisar o que pode ser considerado como verdade. A China parece ter aumentado o que pode ser considerado como uma repressão à negociação e mineração de bitcoin.
No último fim de semana, foi negado o acesso a diversas contas influentes de cripto na rede social Weibo, com uma mensagem dizendo que cada conta “viola leis e regras”.
Nessa quarta-feira (9), todos os mecanismos de pesquisa chineses, como Baidu e Sogou, bloquearam palavras-chave das três maiores corretoras cripto asiáticas: Binance, Huobi e OKEx.
As corretoras também foram bloqueadas por redes sociais, como Weibo (“o Twitter da China”) e Zhihu (“o Quora da China”).
Em maio, autoridades de Pequim afirmaram que iriam banir bancos e empresas de pagamentos que fornecessem serviços relacionados a transações com criptomoedas.
Reguladores financeiros afirmaram que bancos e empresas de pagamentos não poderiam oferecer a seus clientes qualquer serviço que envolvesse criptomoedas e alertaram sobre os riscos ligados à sua negociação. Em uma declaração, reguladores disseram:
Recentemente, os preços de criptomoedas dispararam e despencaram e a negociação especulativa das criptomoedas oscilou, infringindo seriamente a segurança de propriedades das pessoas e abalando a economia normal e a ordem financeira.
Enquanto isso, diversas agências de notícias oficiais da China publicaram artigos que destacavam os riscos de negociar nos voláteis mercados cripto e as muitas fraudes que obtêm vantagem de investidores ingênuos.
CCTV, emissora estatal, afirmou que mercados cripto são pouco regulados e que criptomoedas são usadas no mercado ilegal, geralmente na lavagem de dinheiro, no tráfico de armas e drogas e em apostas.
Não são ameaças vazias. No início de junho, o Beijing Daily Client relatou que 170 gangues criminosas foram destruídas e que mais de mil suspeitos foram presos.
As prisões foram baseadas no uso ilegal de criptomoedas para fornecer serviços de transferência e lavagem de dinheiro para fraude de redes de telecomunicação.
De forma similar, a filial da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (NDRC) na Mongólia Interior, a maior agência de planejamento econômico da China, emitiu um rascunho de orientações detalhadas sobre como autoridades locais podem reprimir atividades de mineração cripto na região.
É sabido que, atualmente, Shihezi, Chanji e Korla em Xinjiang baniram atividades de mineração, sem proibições evidentes em Yili, Aksu, Altay e Kuitun. Ainda não se sabe se todas essas restrições continuarão em vigor após o aniversário do Partido Comunista da China (CCP) neste mês.
Existe uma crescente percepção pelo ecossistema blockchain global de que essa tendência irá continuar. Espera-se que haja mais ações, incluindo a ligação de atividades ilegais com cripto na China mais diretamente com a lei criminal do país, segundo comentaristas da imprensa.
Com base em artigos da mídia ocidental, você será perdoado se achar que o Bitcoin agora é ilegal na China e que a indústria chinesa de mineração está caindo e o poder de hashes irá migrar para o ocidente. A verdade? Bom, a verdade é mais difícil de achar e bem mais sutil.
“O conhecimento contextual é extremamente importante”
Matthew Graham, CEO da Sino Global Capital, empresa de investimento de Pequim que investe em tecnologias descentralizadas que tem uma conexão estratégica com o mercado chinês.
A equipe de Matthew monitora, de perto, quaisquer anúncios relacionados a blockchain ou cripto das autoridades chinesas e tem uma rede de fontes, capaz de filtrar o ruído.
Em uma recente participação ao podcast Crypto Conversation, da Brave New Coin (BNC), Graham forneceu comentários interessantes sobre os recentes acontecimentos na China.
Um dos principais pontos que Graham apresentou foi a ideia de que, do ponto de vista do Estado Chinês, um de seus objetivos é projetar controle do partido. Manter essa aparência de disciplina e controle, seja sobre sua população ou capital, ou mercados financeiros, é muito importante:
Pode ser desafiador interpretar a política chinesa. Então, fazemos muita triangulação das informações, tanto oficiais como não oficiais.
É importante entender que o conhecimento contextual é extremamente importante e você tem de entender quais são as verdadeiras prioridades do governo chinês.
Não é sempre sobre o que se afirma, e sim sobre qual é o fator motivador por trás dessas afirmações. Então, por exemplo, o governo chinês está extremamente motivado por qualquer coisa relacionada a “on” e “off-ramps” de fiduciárias.
Graham explica que os mercados financeiros sempre serão observados de perto pelo Estado Chinês. Ele afirma que o renminbi não é uma moeda de livre flutuação e está sujeita a controles monetários muito rigorosos.
O controle, ou pelo menos a aparência de controle, sobre os mercados de capital é “algo absurdamente importante para o governo da China”.
A partir dessa perspectiva, é mais fácil entender por que o Partido Comunista chinês é hipersensível a plataformas “on” e “off-ramps”, que convertem fiduciárias e cripto ou vice-versa, e ao mundo às vezes obscuro da mineração de bitcoin, que pode ser usada como uma forma de enviar dinheiro ao exterior.
Quaisquer atividades que envolvem lavagem de dinheiro ou evasão fiscal sempre serão temas sensíveis à China — assim como para qualquer governo.
Embora a complexa relação da China com mineradores de bitcoin continua evoluindo, uma proibição imediata não está nos planos. Apesar de haver relatos de que mineradores estão saindo da China por conta da incerteza, Graham afirma:
É importante entender que muitos mineradores chineses já estavam migrando parte de seus recursos internacionalmente. Parte disso se deve à migração sazonal por conta da temporada de chuvas. Na nossa opinião, a mineração não será imediatamente banida pelo país.
Isso parece ser um cenário de baixíssima probabilidade. É provável que haverá uma repressão em diferentes tipos de mineração ilegal de bitcoin que esteja desviando eletricidade da rede elétrica ou não cumprindo com padrões ambientais e coisas desse tipo.
Outro ponto importante, segundo Graham, é que o governo chinês é extremamente sensível à especulação do varejo.
Muitos investidores chineses não são sofisticados e, geralmente, têm uma mentalidade de apostadores. Como consequência, o marketing multinível e fraudes com cripto no estilo Ponzi se tornaram comuns na China:
Devido às falsas promessas e estruturas de incentivo dessas fraudes, podem crescer e se multiplicam rapidamente. Isso significa que um esquema cripto pode aumentar bastante e de forma rápida em uma região específica da China.
Quando se desfaz, o que é inevitável, então, de repente, existe um tumulto. Você pode ter uma grande quantidade de pessoas irritadas em uma pequena região geográfica, possivelmente mobilizadora.
Então, o governo chinês está extremamente sensível a esse tipo de coisa. Devemos manter isso em mente como o ponto inicial para tentar interpretar qual é o verdadeiro incentivo de seus anúncios de políticas.
Um pilar estratégico, tecnológico e fundamental
É evidente que as autoridades chinesas têm um motivo para reter um grande controle sobre a negociação de cripto pela população local. Porém, também fica evidente que a China considera o blockchain como um pilar estratégico, tecnológico e fundamental para a próxima década de crescimento.
Graham afirma que líderes chineses são muito focados em engenharia e tecnologicamente ousados.
A China enxerga o bitcoin de uma forma bem diferente do oeste e está bem-posicionada para ser o primeiro grande Estado-nação a implementar uma moeda digital emitida pelo Estado ou DCEP (“Moeda Digital”/“Pagamento Eletrônico”).
Conforme se prepara para implementar sua DCEP, a China tem uma oportunidade única de obter um controle ainda mais rígido de seu sistema monetário. Está realizando uma série de testes em diferentes cidades chinesas nos últimos anos. De acordo com Graham:
Continua sendo uma progressão lenta, porém estável. É algo que está sendo desenvolvido há anos. Tem sido uma longa jornada e começou com um processo de pesquisa e desenvolvimento.
Agora, estamos próximos a ver isso ser apresentado ao mundo. Ainda não sabemos quais serão as consequências completas, mas antecipamos que o governo chinês será criativo em termos de fazer com que as pessoas usem DCEP e terão de sê-lo, pois as pessoas estão acostumadas com AliPay e WeChat.
Por fim, Graham afirma que um erro que ocidentais cometem é que tendem a colocar a si e cripto no centro da história, mas não é assim que o Estado Chinês pensa:
Na verdade, o governo chinês está preocupado, no geral, com os mercados financeiros, a estabilidade e especulações do varejo. Esse é o panorama geral, e não algo específico a cripto.