Arena do Pavini

Ex-BC Figueiredo: crise é novo “11 de Setembro”

18 maio 2017, 22:06 - atualizado em 05 nov 2017, 14:03

Por Ângelo Pavini, da Arena do Pavini


O mundo não vai acabar, apesar de toda a turbulência provocada pelas denúncias contra o presidente Michel Temer, e o investidor deve manter a calma, recomenda o ex-diretor do Banco Central (BC), Luiz Fernando Figueiredo, sócio da Mauá Capital. Mas o impacto nos mercados vai ser grande, até pelo ineditismo da crise, diz o gestor, que afirma nunca ter visto nada igual em mais de 30 anos de mercado. “É a primeira vez que vejo algo assim em toda minha carreira, um ‘11 de Setembro’, totalmente inesperado e repentino”, afirma, numa referência ao ataque às Torres Gêmeas nos Estados Unidos. “Qualquer um que tem um ativo no Brasil perdeu, até quem tinha um carro, ele está valendo menos hoje do que ontem, e isso pode ser temporário ou não.”


Equipe continuaria


Figueiredo diz que a expectativa do mercado é que, se ocorrerem eleições indiretas, o próximo presidente indicado pelo Congresso deve manter a atual equipe econômica e, com ela, o projeto de ajuste fiscal e reformas. “Se trocarmos de presidente, é muito provável que a atual equipe continue para, no mínimo, entregar para o próximo governo uma agenda cumprida de ajuste e reformas”, acredita o gestor. “E a situação do país é tão delicada que é difícil ter uma agenda diferente da atual”, acrescenta. “O difícil é ver se vai ser possível levar adiante a agenda”.


Para o gestor, a oscilação do mercado foi grande porque muitos investidores tiveram de cobrir e reverter posições que apostavam na continuidade do otimismo com a economia. “O mercado teve um volume de ‘stops’ enorme, bancos, fundos, etc, vamos ver como vai ficar a situação nos próximos dias”, diz. Daqui por diante, porém, a tendência é de um mercado mais cauteloso. “Ninguém vai tomar muito risco com essa incerteza”, afirma.


Renúncia seria solução mais rápida


Há um caminho mais simples para a solução da crise, que é a renúncia do presidente Temer, mais rápido que o processo de impeachment. O país hoje tem uma equipe economia arrumada, unida, e um caminho predefinido muito mais claro, simples e rápido, que é seguir com a estabilidade fiscal e as reformas. “Hoje, porém, estamos no máximo das incertezas, não sabemos se o governo fica ou não, ou quanto tempo vai levar esse processo”, explica. “Mas já tivemos sinais de união da equipe econômica, que mostrou disposição em enfrentar a crise, se comunicando e fazendo o Banco Central e o Tesouro atuarem para acalmar os mercados”, destaca.


Ação do Tesouro e do BC segurou exageros


Para Figueiredo, essa atuação do BC e do Tesouro está conseguindo manter os mercados financeiros funcionando e evita um agravamento das tensões que seriam provocadas pelo descontrole dos preços dos ativos como dólar ou juros. “O governo está conseguindo, no meio de uma situação tão inusitada, atuar de forma coordenada e manter o ambiente do mercado, o que é relevante, e isso reduz as chances de um overshooting do dólar, por exemplo”, diz Figueiredo.


Duas semanas decisivas


Mas o gestor observa que estamos no momento de maior grau de incerteza. “Vamos saber que caminho vai ser trilhado nas próximas duas ou três semanas, se vamos desembocar no melhor caminho, de uma solução rápida de continuidade das reformas ou não”, diz. “Não dá para saber”, afirma, lembrando que o governo estava às vésperas de aprovar a reforma da Previdência. “Agora não sabemos mais como isso vai ficar, apesar de o Brasil reagir bem em situações de emergência, mas todo esse processo traz dúvidas”, afirma.


E as dúvidas fazem com que o prêmio de risco dos ativos brasileiros suba, explica Figueiredo. “Se o caminho for positivo, o prêmio de risco tende a diminuir, por isso é importante o BC e o Tesouro manterem os mercados operacionais”, diz.


Crise retrai ainda mais a economia


Além disso, a crise é muito contracionista para a economia, afirma Figueiredo. “É um choque na confiança das pessoas, das empresas, e isso reduz a propensão das pessoas de consumir e das empresas de investir”, alerta. “O saldo é que a recuperação da economia que estava começando a se expressar é abortada”, afirma. “Para o Banco Central, esse choque aumenta a incerteza, mas não deve impedir uma nova queda dos juros”, acredita o gestor. “No mínimo deve ser possível manter o ritmo nesta reunião e depois analisar o que vai acontecer”, afirma. Além disso, até a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que se reúne em duas semanas, o cenário já pode estar mais claro. “Muita coisa pode acontecer em duas semanas”, diz.


Incerteza pode aumentar oscilações


Figueiredo acredita que o processo político tende a ser rápido, mas, quando olha para os ativos, vê que há algum grau de overshooting, que pode crescer mais dependendo dos pontos de incerteza. “Tudo ainda está meio em aberto”, resume. “A notícia boa é que os mercados estão funcionando e temos de ver hora a hora os desdobramentos do próprio governo”, afirma. “Não dá para ter muita visibilidade”.


Juros ainda podem cair no Copom


Do ponto de vista do BC, a situação atual é parecida com a da crise de 2008, que não provocou um choque inflacionário. “O dólar também está depreciando 6% hoje, se fosse 30% poderia discutir uma mudança na política monetária, uma alta dos juros, mas até 10% de aumento não é relevante”, acredita, acrescentando que, considerando o dólar deste o início do ano, a alta da moeda americana é ainda menor, 2%. “Mas é relevante que recuperação pode ser abortada pela crise, por isso faz sentido para o BC manter a queda dos juros”, diz.