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EUA: produtos de empréstimo cripto terão o mesmo destino regulatório que ICOs?

10 set 2021, 9:16 - atualizado em 10 set 2021, 9:24
“Nos responderam que esse recurso de empréstimos era considerado um valor mobiliário. Como empréstimos podem ser valores mobiliários?”, questionou o CEO da Coinbase (Imagem: Unsplash/executium)

As credoras de criptomoedas terão o mesmo destino que os emissores de ofertas iniciais de moeda (ICO, na sigla em inglês)?

Esta semana, Brian Armstrong, CEO da grande corretora cripto americana Coinbase (COIN), foi ao Twitter para criticar a forma como a Comissão de Valores Mobiliários e de Câmbio dos EUA (SEC) está lidando com o novo produto da corretora: Coinbase Lend.

Coinbase Lend é, basicamente, uma conta-poupança de alto rendimento para USDC, stablecoin lastreada ao dólar americano e administrada pelo consórcio Centre, apoiado pela Coinbase e pela startup cripto Circle.

Produtos similares já existem no mercado, como o Gemini Lend. O neobanco cripto BlockFi está sob pressão de reguladores estatais de valores mobiliários por sua oferta de contas de juros. Porém, autoridades federais americanas ainda não entraram publicamente nesse escopo.

De acordo com Armstrong, a Coinbase buscou obter aprovação da SEC antes de lançar Lend daqui a algumas semanas.

“Nos responderam que esse recurso de empréstimos [“lend”] era considerado um valor mobiliário. O.K., parece estranho… Como empréstimos podem ser valores mobiliários?”, questionou ele.

Em um artigo, Paul Grewel, o diretor jurídico da Coinbase, forneceu mais detalhes jurídicos. A SEC havia enviado um alerta à corretora, afirmando que pretende processar a Coinbase se esta lançar o novo produto de rendimentos:

O programa Lend da Coinbase não se qualifica como um valor mobiliário — ou, em termos jurídicos mais específicos, não é um contrato ou uma nota de investimento. Clientes não estarão “investindo” no programa, e sim emprestando a USDC que possuem na plataforma da Coinbase.

Ele continuou seu texto, criticando a SEC por responder a seus pedidos ao mencionar os casos judiciais “SEC vs. Howey” e “Reves vs. Ernst & Young”.

Essas decisões da Suprema Corte americana detalharam os termos “contrato de investimento” e “nota”, respectivamente, considerados, de acordo com a Lei de Valores Mobiliários de 1933, como valores mobiliários.

O “teste de Howey” se tornou famoso na comunidade cripto por ter se tornado uma justificativa para a SEC intervir na febre das ICOs.

Porém, o “teste de Reves” é novo no mercado cripto e pode causar problemas para produtos de empréstimo. Exceto por uma lista restrita de exceções, classifica todas as notas como valores mobiliários, com um ônus de prova de isenção para a parte que oferece a nota.

A Coinbase parece estar buscando orientações específicas para cripto, operando sob a convicção de que a nova tecnologia justifica a criação de novas orientações. Enquanto isso, a SEC mantém uma decisiva neutralidade tecnológica — seus documentos de orientação datam de 1933 e 1934.

Há indícios que a nova presidência da SEC
foque mais no passado do que no futuro

Como regulamentar produtos baseados em novas tecnologias com leis de 90 anos atrás? (Imagem: Reuters/Jonathan Ernst)

Alguns consideram como “infantil” a rixa da Coinbase com a SEC. Em entrevista ao The Block, Philip Moustakis, advogado do escritório Seward & Kissel e ex-funcionário do departamento civil da SEC, explicou o porquê:

Existem muitos precedentes sobre que tipos de notas representam ou não valores mobiliários. Essa análise não é alterada simplesmente porque uma nova tecnologia é utilizada na emissão de uma nota. Sob a lei existente, notas são presumivelmente valores mobiliários.

De forma semelhante, Preston Byrne, advogado da Anderson Kill, tuitou que “produtos de ‘rendimento’ são valores mobiliários. Não se diferem, em termos materiais, de um título sem garantias. Apenas não usam esse nome”.

Frances Coppola, advogada e grande crítica das criptos, afirmou:

Por incrível que pareça, por conta de sua História, os EUA não gostam que depósitos de alto rendimento não sejam regulamentados, principalmente quando o mercado-alvo é de investidores ingênuos de varejo — os juros de pagamento dependem de investimentos especulativos extremamente arriscados — e a FDIC [Corporação Federal de Seguros de Depósito] não está envolvida.

Se a SEC decidir considerar contas de juros cripto e produtos de empréstimo como notas não isentas ou títulos corporativos, essas classificações iriam resultar em um nível completamente diferente de divulgações financeiras.

O envio de cartas de “não fazer” à BlockFi, por autoridades estatais, fez com que a indústria cripto se preocupasse. A SEC, que possui autoridade a nível federal, forçando a Coinbase, uma empresa listada em bolsa, a obedecê-la é uma nova expansão.

Na verdade, Armstrong lamentou que a Coinbase tenha sido excluída injustamente por ser pró-ativa aos reguladores. Moustakis discordou do argumento de Armstrong de que a fiscalização desequilibrada era um tipo de injustiça:

A SEC não possui recursos ilimitados. Precisa apresentar ações de fiscalização que tenham um impacto programático. Dito isso, ações de fiscalização irão chamar a atenção do público de tal forma que irão mudar o comportamento dessas pessoas no futuro.

Reguladores querem proteger seus cidadãos de possíveis “roubadas” nesse novo setor, mas podem acabar limitando a inovação se essa regulamentação for rigorosa demais (Imagem: Freepik/jcomp)

Porém, a decisão não foi totalmente imprevisível. Gary Gensler, o presidente da SEC, claramente pôs plataformas de empréstimo cripto e as finanças descentralizadas (DeFi) como o foco de seus discursos.

A natureza das DeFi dificultam sua supervisão — não que a SEC não esteja tentando supervisionar esse mercado.

Um representante da Gemini se negou a comentar sobre o que a saga da Coinbase significa para o produto Gemini Earn. Os novos acontecimentos também podem ser significativos para Celsius e Nexo, as duas competidoras internacionais da americana BlockFi.

No futuro, o foco da SEC sobre as DeFi também pode abarcar protocolos de empréstimo.

Alex Christian, fundador e CEO da plataforma de empréstimos Data Mynt, contou ao The Block:

Tentei falar com reguladores americanos há anos, mas sem sucesso. Alguns reguladores estão interessados em percepções. Sem dúvidas, as percepções — ações jurídicas ou orientações inexistentes — proporcionam a manipulação de mercado e táticas de intimidação.

Byrne disse que “se os problemas que a BlockFi e a Coinbase estão tendo com reguladores indicam algo, acho provável vermos mais iniciativas nesse setor ao longo do tempo”.

Ele também afirmou que o Congresso precisa agir para proteger empréstimos cripto de forma parecida com a proteção a empréstimos bancários.

Moustakis foi ainda mais além, fazendo referência à busca da SEC por emissores de ICOs:

Acredito que o que veremos acontecer no contexto das notas é o que vimos ter acontecido no contexto de contratos de investimentos.