Economia

Por que tsunami de demissões em empresas de tecnologia ainda não foi sentido pela economia?

02 fev 2023, 18:49 - atualizado em 03 fev 2023, 10:54
Emprego EUA
Tsunami de demissões no mundo tech é ainda marolinha no mundo real (Imagem: REUTERS/Brian Snyder/)

Uma avalanche de demissões tem tomado o noticiário das empresas de tecnologia. Da Amazon à Meta, do  Spotify ao PayPal, contam-se em centenas o número de empresas de tecnologia que realizaram alguma iniciativa de corte da força de trabalho.

Para conferir mais exatidão à cena, o site Layoffs.fyi, que é um monitorador em tempo real das demissões no setor, aponta que 259 companhias cortaram, juntas, 85 mil funcionários em janeiro.

Em diversos aspectos, parece que a recessão que se prevê para os EUA já chegou com força total para esse nicho produtivo.

Os efeitos desse movimento na economia geral, no entanto, ainda são insípidos para não dizer inexistentes: somente em dezembro, a folha salarial (payroll) americana acusou a criação de 220 mil novos postos de trabalho; a taxa de desemprego, por sua vez, continuou na mínima histórica de 3,5%.

O payroll de janeiro será divulgado amanhã, às 10h, sob grande ceticismo de que a leitura possa indicar alguma desaceleração para a oferta de empregos.

Para os analistas que se debruçam sobre essa questão, as demissões em massa nas empresas de tecnologia são mais uma resposta à vigorosa contratação ao longo da última década do que um sinal concreto de desaquecimento do mercado de trabalho.

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A década da ‘liquidez infinita’, a pandemia e o fim do ‘crescimento a qualquer custo’

Na década de 2010, embaladas por um ambiente de crédito fácil e barato (beirando o zero, na verdade), muitas das  corporações que hoje são marcas globais apostaram em modelos agressivos de crescimento e alto ritmo de contratações.

É o caso, por exemplo, da Amazon (AMZN), uma das grandes joias do Vale do Silício, que através dos últimos 15 anos imprimiu um crescimento praticamente exponencial e

Curva de crescimento emprego da Amazon desde a sua criação tem formato exponencialmente. [Fonte: Amazon Earnings Report; GeekWire]

O crescimento das techs se tornou ainda mais acentuado no biênio 2020-2021, quando os lockdowns e outras medidas de restrição levaram às pessoas a passarem mais tempo dentro de casa, o que aumentou o tempo de conexão e consumo nas plataformas.

A mudança de hábitos em prol de produtos e experiências digitais fez jorrar lucros para as corporações do setor, que se viram ainda mais necessitadas em expandir a força de trabalho para atender aquele momento da demanda.

As ‘techs’ não mediram esforços para contratar e reter funcionários em suas estruturas, ainda que estes não correspondessem a todos os requisitos necessários para o preenchimento das vagas. Nesse sentido, os gerentes das corporações perceberam que se eles não recrutassem rapidamente os talentos disponíveis no mercado, eles perderiam essas pessoas para seus competidores.

A situação se transformou drasticamente no ano passado, quando o Federal Reserve iniciou o aperto monetário que perdura até hoje. Com uma taxa de juros que beira os 5% pressionando o custo do capital, mais e mais executivos tem percebido ser inviável a manutenção do modelo antigo de contratações e de crescimento.

Demitidos nas techs encontram empregos rapidamente

Outro fator a ser considerado é a facilidade com que os funcionários de empresas de tecnologia se reinserem no mercado de trabalho, em uma demonstração clara do mercado de trabalho ainda muito aquecido nos EUA.

De acordo com a pesquisa ZipRecruiter, reportada pelo The Wall Street Journal, mais de 80% dos atingindos pelas demissões no mundo tech encontraram novos empregos nos primeiros três meses de procura. 40% deles o fizeram em menos de um mês.

Apesar do dinamismo do mercado de trabalho neste momento, há pouca segurança para dizer que o quadro permanecerá assim, à medida que os efeitos cumulativos da alta de juros passam a transbordar pelos setores da economia, diminuindo às oportunidades de emprego para os trabalhadores.

Segundo Gabriel Fongaro, economista-sênior da Julius Baer Familly Office, “vai chegar a hora que as demissões das techs chegarão aos indicadores oficiais”.

O economista atribui essa defasagem não só ao ‘tempo de incubação’ dos juros, mas também a uma representatividade menor do setor se comparada ao todo do mercado de trabalho dos EUA.