Opinião

EUA: estamos em 2019, mas as ações lembram muito 1998

27 nov 2019, 13:26 - atualizado em 27 nov 2019, 13:40
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Em 1998, todas as empresas possíveis – produtos para animais de estimação, mantimentos e lojas de brinquedos – criaram um site e se autodenominavam firmas de tecnologia. Soa familiar? (Imagem: REUTERS/Ammar Awad)

Pro Nir Kaissar/Bloomberg.com

Se você gosta de paralelos históricos, como eu, e particularmente sobre mercados, eis um exemplo intrigante: o que está ocorrendo em 2019 se parece muito com 1998.

As semelhanças óbvias são que, tanto agora como antes, o presidente dos Estados Unidos enfrenta a ameaça de impeachment contra o pano de fundo de uma economia forte e mercado de ações em alta.

Até a série “Friends” ainda é popular como era na época. Mas são as afinidades mais sutis dentro desses paralelos mais amplos que são mais interessantes e, de certa forma, instrutivas. Vamos analisá-las.

Para começar, quando a Câmara dos Deputados dos EUA iniciou um processo de impeachment contra Bill Clinton, em outubro de 1998, a expansão econômica na época era quase a mais longa já registrada e se tornaria a mais prolongada pouco mais de um ano depois.

O processo de impeachment de Donald Trump também coincide com uma expansão incomumente longa, que superou o boom da era Clinton em meados do ano.

Outra semelhança é que o Federal Reserve cortou as taxas de juros de curto prazo três vezes este ano, assim como em 1998, para diminuir as preocupações com a desaceleração da economia. Nas duas ocasiões, a necessidade desses cortes não era nada evidente, pois o duplo mandato do Fed de máximo emprego e estabilidade de preços parecia estar garantido.

Em média, a taxa de desemprego se manteve em 3,7% durante os primeiros 10 meses do ano, em comparação com 4,5% em relação ao mesmo período de 1998. E o núcleo do PCE, o índice de preços ao consumidor usado como referência pelo Fed, mostrou alta média 1,6% este ano, em comparação com 1,3% em 1998.

E também há o mercado de ações. A economia assustadoramente resiliente foi ofuscada por um mercado de ações impulsionado a níveis recordes de alta com a renovada obsessão dos investidores por tecnologia.

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A economia assustadoramente resiliente foi ofuscada por um mercado de ações impulsionado a níveis recordes de alta com a renovada obsessão dos investidores por tecnologia (Imagem: Reuters/Brendan McDermid)

Em 1998, todas as empresas possíveis – produtos para animais de estimação, mantimentos e lojas de brinquedos – criaram um site e se autodenominavam firmas de tecnologia. Soa familiar? Tudo tem a ver com tecnologia novamente, como varejistas, prédios de escritórios, empresas de mídia, montadoras e, sim, até motoristas.

Os entusiastas da tecnologia estão de volta. O índice NYSE é o equivalente ao Nasdaq 100 no final dos anos 90 para empresas de tecnologia, e inclui queridinhas dos investidores como Tesla, Netflix, Amazon.com, Facebook e a Alphabet, controladora do Google.

O NYSE acumulava uma impressionante alta de 23,2% entre outubro de 2014 até sexta-feira, incluindo dividendos, o período mais longo com números disponíveis. São 11,8 pontos percentuais por ano a mais que o índice S&P 500 no mesmo período, quase a mesma margem com a qual o Nasdaq 100 superou o S&P 500 no mesmo período até novembro de 1998.

E, mais uma vez, tem sido um período difícil para investidores que se recusaram a desfazer suas carteiras para apostar em tecnologia.

O índice FANG superou um portfólio com ações globais e títulos dos EUA na proporção 60/40 – representado pelos índices MSCI All Country World e Bloomberg Barclays US Aggregate Bond – em esmagadores 17 pontos percentuais por ano desde outubro de 2014, um reflexo de baixas taxas de juros e fraco desempenho de bolsas de valores no exterior.

Nesse caso, também é quase a mesma margem com a qual o Nasdaq 100 superou a carteira 60/40 no mesmo período até novembro de 1998.

O medo de perder o bonde que dominava investidores, já com muita inveja do desempenho do setor de tecnologia, durante aqueles fatídicos 16 meses era maior do muitos podiam suportar (Imagem: REUTERS/Andrew Kelly)

Essas semelhanças são fortuitas, é claro, mas vale a pena ter em mente o que se seguiu em novembro de 1998. Nos 16 meses seguintes, em vez de reverter o curso, a economia, o mercado acionário e as ações de tecnologia continuaram avançando, sem se importar com o circo político em torno deles.

O Nasdaq 100 subiu outros 183% de dezembro de 1998 a março de 2000, enquanto o S&P 500 e o portfólio 60/40 se limitaram a altas de 31% e 20%, respectivamente.

O medo de perder o bonde que dominava investidores, já com muita inveja do desempenho do setor de tecnologia, durante aqueles fatídicos 16 meses era maior do muitos podiam suportar.

Talvez o mais famoso deles seja o bilionário Stanley Druckenmiller, que comprou ações de Internet em 1999 depois de apostar contra os papéis no início do ano.

Embriagado pelo sucesso, Druckenmiller investiu outros US$ 6 bilhões em ações de tecnologia pouco antes de o setor entrar em colapso no início de 2000, o que causou um prejuízo de US$ 3 bilhões ao investidor.

Druckenmiller comentou posteriormente: “Eu já sabia que não deveria fazer aquilo. Eu era simplesmente um caso de cesta emocional e não pude evitar”. Ele pode muito bem estar falando para toda uma geração de investidores.

Isso não significa que o fim da era do FANG seja iminente. Pelo contrário, 1998 é uma boa lembrança de que a agonia dos investidores que conseguiram contornar a euforia até agora pode se tornar o catalisador que permitirá que a festa continue por mais algum tempo.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

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