EUA entrarão recessão ou não? Na dúvida, aposte em títulos de curto prazo
O ano de 2022 definitivamente não foi fácil quando o assunto é investimentos. Olhando a performance das diversas classes de ativos — como já tínhamos demonstrado brevemente na coluna passada — o investidor só teria auferido ganhos se tivesse concentrado as suas apostas em commodities e volatilidade no ano que passou.
Algo que vai totalmente contra a ideia de diversificação, que considero essencial para que as pessoas físicas consigam se manter no jogo e atingir seus objetivos financeiros no futuro.
Tabela 1. Retorno das mais diversas classes de ativos em 2022 | Fonte: Bloomberg
E o que podemos esperar de 2023 a partir de agora? Acabaram as incertezas e seria hora de ir às compras? Ou ainda teremos percalços no meio do caminho que podem trazer um pouco de volatilidade para os mercados?
Se você estava ansioso para poder colocar mais dinheiro em seus investimentos, lamento informar mas acho que ainda podemos ter dias tortuosos pela frente. É verdade que a discussão do momento — de que os Estados Unidos devem ou não entrar em recessão ao longo do ano — ainda está muito acalorada.
Por um lado, grandes instituições financeiras, como o Goldman Sachs, apontam que a Terra do Tio Sam deve conseguir evitar uma recessão. Já o modelo de probabilidade de recessão feito pela Bloomberg indica 100% de chance de uma recessão iniciando por volta de outubro na maior economia do mundo.
Muita água ainda tem que passar por debaixo dessa ponte. Afinal de contas, estamos apenas no quarto dia do ano.
Mas essa discrepância na linha de pensamento torna complicado a convicção de que o pior já passou e podemos adicionar novos ativos aos nossos portfólios.
EUA em recessão? Curva de juros e curva de empregos não se entendem
As curvas de juros, por exemplo, indicam que existe sim a probabilidade de recessão na economia americana. Quando analisamos a diferença entre as taxas dos títulos de 2 e 10 anos, assim como entre os títulos de 3 meses com o de 10 anos, temos o que o mercado chama de “inversão de curva”.
Em condições normais, os investidores demandam mais juros dos títulos mais longos — ou seja, ela é ascendente à direita. Isso porque quanto mais tempo para receber o seu dinheiro de volta, maior a chance de intempéries ocorrerem no meio do caminho (um aumento da inflação, por exemplo).
Só que quando os investidores estão aceitando taxas menores dos títulos mais longos ocorre a indicação que algo de errado deve acontecer nos próximos anos, ensejando uma atuação do Banco Central para estimular a economia. Com os juros de 10 anos na casa dos 3,72% e o de 2 anos nos 4,36%, a diferença de 0,64 ponto percentual é a maior observada desde o início do década de 80; já no caso da diferença com o título de 3 meses se encontra no mesmo patamar da época da crise das pontocom.
Gráficos 1 e 2. Diferença entre a taxa de juros dos títulos de 2 e 10 anos (gráfico superior) e dos títulos de 3 meses e 10 anos | Fonte: Saint Louis Federal Reserve
E, como é possível ver nos gráficos, todas as vezes que ocorreram tais inversões a economia americana entrou em um período recessivo — ainda que o tempo para que a recessão acontecesse tenha uma variação de um episódio para outro.
Mas o grande ponto para 2023 deve ser mesmo a dinâmica no mercado de trabalho americano. Se antes a preocupação do Federal Reserve era focada na inflação de bens, nos últimos comunicados o Banco Central americano pontuou que a resiliência nos dados de emprego podem ainda ser um fator dificultador no controle desejado nos índices de preços.
Gráfico 3. Componentes do núcleo da inflação (medido pelo PCE): bens (vermelho), serviços ligados a residência (azul) e serviços excluindo serviços residenciais | Fonte: Federal Reserve
Um estudo elaborado pelo Federal Reserve de San Francisco demonstra que, diferentemente da inversão observada na curva de juros, a taxa de desemprego não demonstra que uma recessão seria iminente — ainda que tenha pontuado que isso pode mudar nos próximos meses.
Gráfico 4. Taxa de desemprego (azul) e taxa suavizada (verde) desde 1965 | Fonte: San Francisco Federal Reserve
Só que aí, na minha visão, temos um problema. Caso o indicador da taxa de desemprego de fato esteja correto, significa que a economia ainda estará em boas condições — o que pode dificultar o trabalho de Jerome Powell e seus comandados em trazer a inflação para mais perto dos 2%.
E, com a inflação ainda bem acima do patamar desejado, os trabalhadores ainda teriam poder de barganha para negociar melhores aumentos de salário. Pode até ser que não haja novos aumentos nos juros por parte de Powell e seus comandados, mas esperar uma reversão da política monetária me parece mais um desejo do que algo provável no momento.
Neste caso, as apostas em títulos de curto prazo ainda me parecem uma das melhores alternativas de investimento no momento. Os ETFs que investem em títulos com até 1 ano de duração — casos do SPDR Bloomberg 1-3 Month T-Bill (NYSE: BIL), iShares Short Treasury Bond (NYSE: SHV) e JPMorgan Ultra-Short Income ETF (NYSE: JPST) —, com rendimentos acima dos 4% ao ano são boas opções para esperar melhor ponto de entrada em outros ativos mais arriscados.
Enzo Pacheco é formado em Administração pela Universidade Federal do Espírito Santo e pós-graduado em Operador de Mercado Financeiro pela FIA. Um entusiasta do assunto “investimentos” — tendo se interessado desde os tempos de universitário —, desde 2017 foca exclusivamente na análise dos mercados internacionais nas séries da Empiricus voltadas a esse propósito (Investidor Internacional e MoneyBets).