Política

Estrutura da PGR impede alinhamento total ao governo Bolsonaro

09 ago 2019, 17:00 - atualizado em 09 ago 2019, 17:00
Raquel Dodge
A atuação do procurador-geral ganhou relevo nos últimos anos, haja vista o ocupante desse cargo ter sido responsável por conduzir e respaldar centenas de investigações como a do mensalão e da operação Lava Jato (Imagem: REUTERS/Adriano Machado)

O novo procurador-geral da República a ser indicado pelo presidente Jair Bolsonaro nos próximos dias tem o aval para escolher relevantes cargos na estrutura do Ministério Público Federal (MPF), mas não total liberdade para mudar os rumos da atuação independente da carreira, o que na prática impede um alinhamento completo aos ditames do governo, afirmaram à Reuters fontes experientes da instituição.

“O procurador-geral não tem um poder incontrastável. Ele não controla o sistema”, disse uma das fontes, ao citar que a Lei que dispõe sobre o funcionamento da carreira de 1993 foi elaborada justamente para dividir as atribuições do PGR. “Foi feito de propósito para não se resolver na pancada, mas sim com base na liderança”, completou.

Em entrevista na manhã desta sexta-feira, Bolsonaro disse que ainda não tomou uma decisão e se trata de uma escolha “muito importante”.

“O mesmo de quando você se casou na tua vida. Você não escolheu bastante para se casar? E ela também escolheu bastante para casar contigo”, disse, ao indiciar que há “uns 80” nomes no páreo.

Num sinal de que gostaria de uma atuação menos conturbada do órgão que não tem vinculo com o Executivo, Bolsonaro já disse publicamente que vai escolher um PGR sem estrelismos, não quer radicalismos “xiitas” nas questões ambientais e de minorias e defende um tratamento adequado às Forças Armadas, pois muitas vezes o MP interfere em questões dos militares.

Esse é o perfil da escolha que o presidente deverá fazer para a sucessão da atual procuradora-geral, Raquel Dodge, na próxima semana. O favorito é o subprocurador-geral da República Augusto Aras, que, segundo fontes, tem sido o nome mais alinhado com as ideias de Bolsonaro.

Aras não integra a lista tríplice feita pela categoria, que o presidente não está legalmente obrigado a seguir. Procurado, o sub-procurador disse que não iria se manifestar.

A atuação do procurador-geral ganhou relevo nos últimos anos, haja vista o ocupante desse cargo ter sido responsável por conduzir e respaldar centenas de investigações como a do mensalão e da operação Lava Jato e ter denunciado até um presidente da República no exercício do cargo, Michel Temer.

O próprio Bolsonaro já foi alvo de uma denúncia criminal da PGR, no caso Dodge, ao STF, por racismo, que acabou barrada pelo Supremo quando ele liderava a corrida presidencial no ano passado.

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Margem Relativa

Apesar de o presidente sinalizar um perfil para o procurador-geral, o futuro chefe do MPF tem uma margem relativa para mudar, com suas eventuais escolhas, a atuação do MPF, disseram dois membros experientes da carreira à Reuters.

Pela Lei Complementar 75, de 1993, que organizou a estrutura do MP da União (MPF e os ramos do Trabalho, Militar e do DF), o procurador-geral pode escolher sozinho o vice-procurador-geral da República (atua em vacâncias e por designação), o vice-procurador-geral Eleitoral (quem geralmente atua perante o Tribunal Superior Eleitoral), o procurador Federal dos Direitos do Cidadão (chamado de PFDC) e os coordenadores das sete Câmaras de Coordenação e Revisão do MPF (órgãos que coordenam, integram e revisão o exercício dos procuradores).

O chefe do MPF ainda tem poderes plenos para atuar perante o Supremo Tribunal Federal (STF). Ou seja, é de competência exclusiva dele propor naquela corte ações contra eventuais normas e leis inconstitucionais propostas pelo governo, investigações contra o próprio presidente, ministros de Estado, parlamentares e outras autoridades e designar subprocuradores para auxiliá-lo nos trabalhos das turmas –atualmente, por exemplo, Raquel Dodge tem cinco para ajudá-la.

Mas, destacam as fontes do MPF, todos os procuradores da República detém pela Constituição independência funcional, prerrogativa que na prática impedem a interferência de qualquer outro colega em seu trabalho.

Três exemplos ilustram como não há poder imperial do procurador-geral.

Embora de escolha privativa do chefe do MPF, a procuradora Federal dos Direitos do Cidadão tem mandato –a atual ocupante, Deborah Duprat, tem mandato até 2020 e não pode ser retirada do cargo. Ao mesmo tempo, em cada uma das 27 unidades da Federação há os procuradores regionais dos Direitos do Cidadão (PRDCs) que não precisam seguir as orientações da PFDC e, inclusive, podem mover ações sobre temas referentes à área, ao contrário da procuradora federal, que pode apenas recomendar.

O órgão comandado por Duprat já disse que as falas de Bolsonaro sobre Fernando Santa Cruz, morto pela ditadura militar (conforme documentos oficiais) e pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, podem ter implicações jurídicas e que ele tem o dever de revelar informações de desaparecidos políticos. Também chegou a cobrar Dodge a ir ao Supremo contra decreto que flexibiliza o porte de armas.

As Câmaras de Revisão –que lidam com assuntos como Meio Ambiente, Populações Indígenas, Combate à Corrupção e Controle Externo da Atividade Policial, por exemplo– são compostas por três integrantes da carreira, sendo que apenas um por designação do procurador-geral (outros dois pelo Conselho Superior do MPF). Ainda assim, todos os atuais ocupantes têm mandato até 2020.

O Conselho Superior do MPF, órgão administrativo máximo da instituição, mudará sua composição neste mês e terá, segundo uma das fontes, cinco de 10 integrantes próximos ao ex-procurador-geral Rodrigo Janot, responsável por iniciar a condução da Lava Jato no Supremo. O procurador-geral e o vice são membros natos desse colegiado.

Um procurador ouvido pela Reuters cita ainda que a indicação de que o presidente não deve escolher alguém da lista tríplice –rompendo uma tradição que vem desde 2003– é “bem ruim” porque desprestigia a autogestão da categoria.

“O cargo não é de oposição, mas também não é do governo. Não pode ter atuação política, mas têm de cumprir a lei”, disse ele.

Uma das fontes lembrou que, na época do governo Fernando Henrique Cardoso, o então procurador-geral da República era Geraldo Brindeiro, que ficou por 8 anos no cargo sempre fora da lista da carreira. Ele ficou conhecido pela alcunha de engavetador-geral da República, por não levar adiante investigações contra políticos do governo com foro privilegiado.

Ainda assim, em razão da independência funcional, havia um grupo de procuradores que realizou várias investigações contra a gestão tucana, como Luiz Francisco de Souza e Guilherme Schelb.