Estamos vivendo uma bolha na Bolsa?
Por Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da Nova Futura
O Ibovespa engatou a sexta marcha e chegou a um patamar recorde nessa semana, na região dos 75 mil pontos, com fartos sinais de que não vai parar por aí. É claro que a maior preocupação, sobretudo dos vacinados pelas frequentes reviravoltas do mercado acionário brasileiro, é descobrir se toda essa alegria tem fundamento. No fim das contas, todos queremos saber se isso não é uma bolha já que a economia tem ritmo lento de recuperação e as empresas apresentam múltiplos muito esticados (empresas de varejo com relações preço/lucro acima de 50). A resposta, posso antecipar, é de que estamos apenas no começo do movimento, que está muito longe de ser uma bolha.
As bolhas ocorrem quando os preços se descolam fortemente de seus fundamentos. Esse movimento é acelerado por crenças e manias que os agentes econômicos desenvolvem em relação a algum bem, seja ele uma ação, um título da dívida de algum país, imóveis ou até mesmo flores, como as tulipas no século XVII, na Holanda. O que mais preocupa quando a “psicologia das massas[1]” corre em direção às bolhas é que se desenvolve a ideia, rigorosamente equivocada, de que “dessa vez é diferente”, “estamos em uma nova era” ou que “há inovações”. Esses componentes psicológicos que configuram o pensamento de todos os indivíduos que colaboram para inflar as bolhas, do lado dos perdedores, se confunde com coisas muito reais que nos movem no dia a dia. Os avanços científicos que se disseminam pela sociedade, levando a humanidade ao progresso, com certeza são espetaculares.
O problema é confundirmos as coisas reais que nos levam para um futuro realmente moderno, como o sistema de distribuição desenvolvido pela Amazon, com coisas estúpidas como as empresas “ponto com” dos anos 1990, os fundos e títulos subprime de 2008 e atual febre das “criptomoedas” (sobre a qual falarei na semana que vem). As bolhas são difíceis de serem identificadas, mas essa tarefa não é impossível.
As ações estão subindo no Brasil porque estão subindo em todo mundo, porque os juros estão caindo fortemente e porque a economia em recuperação pode levar os múltiplos das empresas a melhorarem de sorte que as vejamos como muito baratas e não como caras.
No mundo as ações estão em seus patamares mais elevados porque os juros estão muito baixos e ficarão assim por muito tempo. Os juros abaixo são os dos títulos de dez anos dos EUA:
Observe que até 2.008 os juros ficavam entre um mínimo de 4% e um máximo de 8%, à exceção dos anos compreendidos entre 1978 e 1986, que tiveram a influência da forte elevação da inflação. Depois da crise, os juros caíram abaixo do piso de 4,0%, estabelecendo um novo intervalo, entre 1,5% e 3,0%. Os agentes econômicos tinham dúvida se esse novo patamar ficaria por mais tempo ou se era um patamar provisório, até que a economia se recuperasse.
À medida que a percepção de que os juros básicos, controlados pelos bancos centrais, ficarão baixos por muito mais tempo, os juros de mercado e os dos títulos de dez anos passaram a incorporar o novo patamar como permanente. Com esse patamar de juros muito mais baixo, os preços dos ativos sofreram um impulso para subirem. As ações foram os ativos que mais se beneficiaram desses juros baixos, veja o gráfico do S&P 500:
De seu mínimo, na crise, de 670 pontos, o índice S&P 500 subiu 270%, até o patamar atual, próximo de 2.490. Essa alta foi influenciada pelos efeitos dos juros baixos. Tudo seria diferente, é evidente, se os juros que estão abaixo de 3%, tivessem a perspectiva de subir acima de 4%. Isso ocorre em função de uma conta simples:
A equação (I) mostra que qualquer valor atual, como o valor de uma empresa ou de suas ações, vale o seu valor no futuro, divido por uma taxa de juro. Na equação (II) temos um valor hipotético de 26,97, que resulta da divisão de um valor futuro, estipulado em 100, dividido pela taxa de juros de, por exemplo, 7%. Na equação (III) o mesmo valor do futuro, 100, resulta em 50,83, se a taxa de juros for reduzida para 7%. O que mostra que uma redução dos juros muito intensa, de 7% no exemplo, pode fazer um valor saltar em 88%. Isso no diz que o impacto de uma redução permanente nos juros sobre os valores dos ativos é poderoso, sobretudo se a sua magnitude for elevada.
O valor das ações resulta da soma dos lucros (na verdade dividendos) que o acionista receberá ao longo do tempo (muito tempo), descontados pela taxa de juros. Se a taxa de juros sobe, o valor atual desse fluxo de dividendo cai. Se a taxa de juros cai, o valor presente sobe. É por esse canal principal que os juros atuam para fazer subir/cair os preços dos ativos reais como ações e imóveis (ou mesmo as Tulipas!).
Bolsas Globais
As bolsas globais estão subindo por conta dos juros muito baixos, que atuam para colocar seus valores mais para cima, e por conta do comportamento da economia global, que reforça os lucros corporativos.
Além desse impulso externo, as ações brasileiras estão recebendo os impulsos da queda dos nossos juros. Eles estão caindo aos níveis mais baixos na história e, tal como no resto do mundo, essa queda não é vista como temporária, mas como permanente. Definitivamente, os agentes econômicos brasileiros e estrangeiros, estão vendo a queda da SELIC como algo que veio para ficar. E tal como lá fora, as ações sobem, por conta dos efeitos diretos e indiretos da queda dos juros. As taxas de juros mais longas, para 2021, caíram nos últimos meses e devem continuar a cair à medida que os juros básicos, da taxa SELIC, caírem e se estabilizarem em níveis baixos. Veja o gráfico dos juros para 2021:
E tal como lá fora, à medida que as estimativas de crescimento começarem a se consolidar no campo positivo, os lucros corporativos devem voltar. Com as empresas ajustadas, depois de nove trimestres de crise e de restrição de crédito, com os cortes de custos efetuados e com os ganhos de produtividade, é de esperar que os lucros subam em ritmo mais rápido. Por conta disso, os múltiplos das empresas tendem a melhorar rapidamente. Leve em conta, adicionalmente, que os múltiplos das empresas de outros países emergentes, estão bem esticados, sinalizando que os nossos ainda podem acomodar mais altas.
Não é, portanto, otimismo demais pensar, após a realização desse ajuste para cima das variáveis macroeconômicas, que o Ibovespa suba mais. Estimávamos o Ibovespa em 90 mil pontos ao final de 2017. Agora essa estimativa vai ganhando mais probabilidade de ser confirmada.
[1] Esse termo é usado pelo economista do MIT, Charles Kindleberger, no seu clássico “Manias, pânicos e crashes”.