Especialistas vêem com pessimismo o futuro das classes C, D e E no Brasil
As classes C, D e E têm sofrido fortemente com as crescentes pressões econômicas pelas quais o país vem passando nos últimos anos.
Desemprego, inflação e a falta de oportunidades foram somente alguns dos problemas que se agravaram por conta da pandemia da Covid-19 em todo o mundo, sobretudo no Brasil.
Dados da PNAD Contínua divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o país tinha 12,4 milhões de desempregados até novembro de 2021.
Ainda que tenha apresentado uma queda ao longo do ano passado, outro dado da PNAD chama atenção: o rendimento real habitual (R$ 2.444) da população caiu 4,5% frente ao trimestre anterior, encerrado em agosto. Foi o menor da série histórica, iniciada em 2012.
A diminuição dos rendimentos esbarraram em outra questão, a inflação do país. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) teve uma variação acumulada de 10,06% ao longo de 2021, atingindo dois dígitos pela primeira vez desde 2015.
Especialistas ouvidos pelo Money Times apontam que o cenário, que já era de dificuldade, não tem perspectivas de melhora no curto e no longo prazo.
Mercado de trabalho
O economista e professor da FGV Gustavo Fernandes considera que a atual situação das classes de baixa renda no país tem raízes globais e históricas, que foram agravadas nos últimos dois anos.
Ele diz que, com uma automação crescente, muitos empregos, até então destinados à classe média, foram extintos. “Ao invés de eu ter que pagar uma carreira enorme, com plano de saúde, com vários benefícios, eu coloco uma máquina no lugar”, avalia.
Assim, sobram postos de trabalho de alto escalão e de no âmbito gerencial, reservados à população mais instruída academicamente, enquanto as camadas médias e mais pobres são empurradas à informalidade e aos empregos de baixa produtividade.
A taxa de informalidade do país, segundo o IBGE, é de 40,6% da população ocupada. Ou seja, 4 em cada 10 trabalhadores estão na informalidade, cerca de são 38,6 milhões de brasileiros.
Fernandes também lembra que o Brasil enfrenta mudanças quanto ao seu lugar na cadeia produtiva mundial, com a Ásia e o Leste Europeu avançando no oferecimento de mão de obra mais barata, instruída e livre de sindicalizações. “O mundo tornou-se muito mais competitivo para o Brasil”, diz.
Partindo de um cenário estrutural, o economista acredita que as desigualdades do nosso mercado de trabalho foram ainda mais exacerbadas na pandemia.
“Quando chega março de 2020, a gente tem uma economia [baseada] basicamente 65% em serviços, onde estão inseridas essas classes, [que sofrem com a] paralisação. Essas pessoas eventualmente voltaram, se expuseram ao risco e pegaram Covid”, observou.
Pandemia da Covid-19
Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, destaca que a exposição à doença no Brasil teve recorte social.
“Uma das primeiras fake news desmontadas em nossas pesquisas foi a de que o coronavírus era um vírus democrático, que afetava da mesma forma pobres e ricos. O coronavírus pode até matar da mesma forma, [mas] temos uma realidade nas favelas de que 46% dos lares não têm água encanada. Não é álcool gel faltando em farmácia, é água em casa”, pontuou.
Segundo dados do Instituto Locomotiva, cerca de 76% dos brasileiros não possuem plano de saúde. O número sobe para 96% quando se trata da população mais vulnerável do ponto de vista socioeconômico que mora em favelas, por exemplo.
Além disso, uma pesquisa realizada pelo instituto em junho de 2020 com mais de 3 mil entrevistas, em 249 favelas, mostrou que 76% dos moradores de comunidades afirmaram não conseguir cumprir medidas de prevenção contra a Covid-19, ao elencar a necessidade de trabalhar e juntar dinheiro como prioridades.
Auxílio Brasil
Em novembro de 2021, o até então maior programa social de transferência de renda para classes baixas no Brasil, o Bolsa Família, foi extinto após 18 anos, dando lugar ao Auxílio Brasil. O presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou a lei no final de dezembro.
O novo programa, entretanto, foi recebido com desconfiança por muitos especialistas, tanto por suas características como política pública, quanto pelas condições de seu processo de aprovação.
Élida Graziane Pinto, procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo (MPC-SP) e especialista na área de Finanças Públicas, considerou a alocação orçamentária realizada pelo governo, nesse sentido, ineficiente.
A procuradora critica, primeiramente, o fato de que o governo Bolsonaro, ao sancionar a criação do Auxílio Brasil, vetou a parte do projeto que acabava com a formação de filas.
Isso, por si só, já seria um descumprimento de uma promessa realizada pelo próprio governo, que garantia zerar a fila. Além disso, isso contraria uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que torna obrigatória a renda básica aos que se enquadram em quesitos oficiais de vulnerabilidade social.
“É uma clara opção pelo não enfrentamento das condições estruturais de insegurança alimentar dos mais vulneráveis”, disse.
Além disso, a procuradora ressalta que o próprio financiamento do Auxílio Brasil é juridicamente inseguro. Isso porque grande parte dos recursos angariados para o programa, uma política que tem caráter permanente, são decorrentes de fontes de receitas circunstanciais, como os trazidos pela PEC dos Precatórios.
“Isso expõe os mais pobres a uma situação de não ter segurança quando a continuidade do benefício”, avalia.
Perspectivas para 2022
Fernandes, da FGV, ressalta a importância dos programas sociais implementados nas últimas décadas para frear retrocessos no campo social, mas, em contrapartida, vê “fôlego curto” dessas políticas para uma melhora no longo prazo.
“Se não fosse a estrutura de assistência social montada da República Nova, a gente poderia dizer que no Brasil teríamos crise de fome. Mas de perspectivas de médio e longo prazo, não vemos nenhuma política organizada que enfoque no aumento da capacidade produtiva”.
A procuradora, no entanto, não vê com otimismo a possibilidade do desenvolvimento de políticas em 2022 que visem a qualificação da massa trabalhadora, como por exemplo, aquelas que focariam em inovação e tecnologia.
“Não conseguimos ampliar a proteção CLT, o país não cresce, a capacidade produtiva vai se tornando cada vez mais ociosa e não conseguimos aumentar a produtividade de nossa mão de obra.”
Para Meirelles, é necessário que não só o governo, mas que o mercado também entenda o cerne da questão.
“Essa dificuldade de alçar empregos de alta produtividade está baseada na formação, e é muito mais presente na baixa renda. É exatamente por isso que, em momentos de crise econômica, o último corte que deve ser feito no orçamento é o na educação. O que vimos é que muitos especialistas e empresários reclamam da produtividade, mas são os que mais defendem os cortes de verbas na educação para melhorar as contas públicas.”, disse.