Especialista diz que Real Digital é feito para controlar você
Por Christiano Sobral*
A moeda digital nacional, como a que pretende o Banco Central Brasileiro, não tem relação real com a ideia revolucionária da moeda digital, não segue a filosofia por trás da lógica do bitcoin e não está sendo criada para lhe beneficiar; mas sim para lhe controlar e tributar. Tudo o que a ideia original, para um meio de troca de valores por meio de bits, não queria.
O bitcoin, em sua origem, estava focado em eliminar a intermediação. Isso, na verdade, foi uma das melhores coisas que a internet trouxe para as economias; aja visto o contrato de corridas rápidas direto com o motorista, o serviço de hotelaria em imóveis particulares ou tantas outras realizações da rede.
Focando o fato de que cada transação financeira, pela rede de computadores, precisava ter uma figura confiável intermediando, e ganhando com isso, a proposta da moeda digital era escapar deste intermediário, garantindo a credibilidade da transação. Devolvendo para quem participa da troca de bens por valores à comissão que lhe era devido. Afinal, cada compra num site qualquer, com uso de um cartão de crédito, tem a cobrança de percentual a quem paga e a quem recebe, que o pagamento direto não traz.
Seu modelo para esse feito estava baseado em registros, validados por cálculos matemáticos, por toda uma cadeia dentro da rede de computadores. Ou seja, o registro que havia valores em minha carteira digital que foram transferidos para a sua, para serem corretamente efetuados e aceitos, precisariam ser validados e registrados por, pelo menos, 50 porcento mais um da totalidade da rede. A credibilidade, antes vinculada a, por exemplo, uma bandeira de cartão de crédito e cobrada na forma de pedágio pela transação, passa a ser free e localizada no próprio meio de troca.
Uma proposta de fato revolucionária, mas que trazia algumas características indesejáveis embutidas nela: a possibilidade do anonimato total das partes e a impossibilidade de tributação são duas delas. Como o importante para a moeda digital era validar a transação, e não as partes, havendo valor real em uma carteira, não haveria importância em registrar a quem ela pertencia e, por não passar por uma instituição, não possibilitava rastrear e cobrar tributos sobre ela. Com anonimato e sem registro auditável fora do mundo digital, sem controle.
Não é à toa que aparece com tanta frequência a frase “siga o dinheiro” em filmes policiais. O registro em bancos, operadoras de cartões de crédito, e até em balanços de empresas de como valores são trocados entre diferentes pessoas é, no fim, um dos maiores meios de controle. Possibilidade que, na prática, não existe em uma transação com uma moeda digital como a bitcoin.
Quanto mais transações dentro do sistema financeiro formal, mais possibilidade de serem fiscalizadas e tributadas, não importando sua origem. O próprio sistema tributário nacional é claro ao adotar o princípio de “pecunia non olete”, ou de que o dinheiro não tem cheiro, referindo-se ao momento histórico onde, em Roma, cobrava-se do povo para ter acesso aos banheiros públicos.
O uso de PiX, por exemplo, por comerciantes informais, ou mesmo por médicos na modalidade de pagamento sem fornecimento de recibo, gera registros sobre uma transação que, quando feita apenas em dinheiro, não existia, possibilitando uma futura cobrança sobre o acumulado dessas transações ao longo de cinco anos, de todo tributo sobre renda, troca, doação e serviço que o contribuinte não tem consciência de estar registrando.
Agora imagine uma moeda digital de controle nacional. Caso ganhasse amplo uso, e tivesse todo seu controle e validação ocorrendo em um formato centralizado por um Banco Central, não capturaria apenas boa parte da economia informal existente, mas também registraria uma enormidade de dados sobre hábitos pessoais de toda uma população. Seria o equivalente ao Grade Irmão, do livro 1980, que teria total acesso a sua vida a partir do contínuo olhar sobre suas transações econômicas.
Por isso não se animem com desculpas como inclusão social por meio de acesso ao sistema de troca de valores, nem com pseudos benefícios cativantes de moedas digitais nacionais, pois não é no bem-estar de ninguém que se vem pensando ao idealizar essas soluções, mas sim em manter o controle sobre você e os meios para lhe tributar.
*Christiano Sobral é advogado e administrador, Diretor Executivo do Urbano Vitalino Advogados, Law Master em Direito Digital, mestre em Estratégia e especialista em marketing, finanças, economia e negócios, e programador.