Escravos do desmatamento: abusos trabalhistas aumentam destruição da Amazônia brasileira
Quando auditores fiscais do trabalho chegaram a uma área rural do Pará no final de junho, esperavam resgatar cortadores de madeira trabalhando em condições análogas à escravidão mas as árvores já estavam cortadas e os trabalhadores já tinham partido.
Ao invés disso, as autoridades do grupo móvel de combate ao trabalho escravo encontraram quatro homens e um menino de 15 anos construindo cercas e abrigos para o gado nas proximidades com madeira ilegal às ordens de um agricultor local que os mantinha em um acampamento em péssimas condições.
“Eles não tinham água, não tinham banheiro”, disse Magno Riga, o auditor a cargo do resgate. “Eles nos disseram que nunca estiveram em uma situação tão precária.”
O desmatamento disparou no Brasil depois que o presidente Jair Bolsonaro tomou posse, em 2019, dando aval ao garimpo e à agricultura em partes protegidas da Amazônia e enfraquecendo as agências de vigilância ambiental.
Mas enquanto a devastação florestal provocou revolta internacional entre governos estrangeiros e o público, pouca atenção é dada aos abusos trabalhistas que sustentam a prática, disseram especialistas legais ouvidos pela Thomson Reuters Foundation.
Historicamente, o Pará é o Estado no qual trabalhadores são encontrados com mais frequência em condições análogas à escravidão, respondendo por ao menos 13.259 de um total de 56 mil pessoas encontradas nesta situação no Brasil desde 1995.
O Estado também é um foco de desmatamento.
“A relação (entre desmatamento e escravidão) é permanente”, disse Lys Sobral Cardoso, que comanda o combate à escravidão como procuradora do trabalho e chefe da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) do Ministério Público do Trabalho.
“É assim há 20 ou 30 anos”, acrescentou.
Embora não existam dados concretos sobre o desmatamento e o trabalho escravo, mais de 1.324 trabalhadores foram resgatados em condições análogas à escravidão enquanto derrubavam árvores de florestas nativas desde 1995, explicou Mauricio Krepsky, chefe da Divisão para a Erradicação do Trabalho Escravo do governo federal.
Mas provavelmente há muito mais casos que não são detectados, disse Krepsky, já que os inspetores têm dificuldade para obter informações e resgatar trabalhadores em áreas remotas onde a maior parte do desmatamento ocorre.
“Existe uma demanda enorme por este tipo de trabalho, e eles vivem disso”, disse Riga.