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Entrevista: Turismo está reprimido e terá “boom enorme”, diz CEO da CVC

23 abr 2021, 19:39 - atualizado em 26 abr 2021, 16:05
Leonel Andrade
“Eu tenho muito orgulho de dizer que a CVC nunca atrasou uma obrigação financeira, tem caixa suficiente e capacidade de honrar o compromisso”, afirma o executivo (Imagem: Divulgação)

O investidor da CVC (CVCB3), com certeza, não morreu de tédio nos últimos 12 meses. A pandemia do coronavírus, que atingiu em cheio o setor, se misturou a um erro contábil de R$ 362 milhões, provocando uma crise de confiança nos mercados. No pior momento, os papéis chegaram a cair para R$ 8. Em 2019, esse valor era de cerca de R$ 40.

Passada a turbulência, hoje a empresa respira mais aliviada. A chegada de Leonel Andrade, ex-CEO da Smiles, ao comando da CVC deu um fôlego extra à companhia para renegociar as dívidas, realizar uma capitalização e colocar a casa em ordem. 

“Eu tenho muito orgulho de dizer que a CVC nunca atrasou uma obrigação financeira, tem caixa suficiente e capacidade de honrar o compromisso com os clientes. Não fizemos nenhuma redução do escopo da companhia.  Na hora que o mercado voltar, nós vamos estar muito fortes e firmes para atender todos os clientes”, afirmou Andrade em entrevista para o Money Times

Os resultados do quarto trimestre demonstram uma ligeira recuperação. A CVC encerrou dezembro com uma dívida líquida de R$ 728 milhões, bem inferior ao R$ 1,744 bilhão de um ano antes.

Além disso, a companhia auferiu lucro líquido consolidado ajustado de R$ 82,3 milhões no período, revertendo o prejuízo de R$ 144,8 milhões do quarto trimestre de 2019. 

Mas isso é suficiente para embarcar nas ações? Os papéis já mostram poder de reação, cotados a R$ 22. De acordo com a analista da Empiricus, Cris Fensterseifer, a empresa pode ser uma boa opção para aproveitar a retomada

Ela lembra que nos Estados Unidos, onde a vacinação já tomou corpo, a Páscoa registrou o maior número de passageiros nos aeroportos desde o início da pandemia.

“Ou seja, podemos tomar países que já vem se recuperando como exemplo. Se lá a recuperação é rápida em termos de viagens, aqui pode acontecer a mesma coisa”, diz.

O próprio executivo está otimista com a recuperação no setor no pós-Covid devido a demanda reprimida.

Quem não quer viajar? É claro que a crise vai passar e quando ela passar o setor de turismo deve ter um boom enorme, impressionante”, destaca. 

Independentemente disso, agora a companhia traça planos para diversificar os negócios. A principal aposta é na sua subsidiária VHC, comprada pela CVC nos EUA em 2017 e que trabalha em um modelo semelhante ao Airbnb, de aluguel de casas para temporada.

“O negócio de casa para temporada é o único do setor de turismo mundial que cresceu na pandemia. E a empresa tem uma companhia baseada em Orlando. O principal foco de investimentos de crescimento será a VHC. É um negócio de alta margem e diferencial competitivo muito forte”, diz.

CVC continua apostando na recuperação do turismo na Argentina (Imagem: Reuters)

A empresa também quer entrar no mercado de programas de fidelidade e criar o seu agente de viagem, “uma mistura de XP com Natura”, como aponta o próprio Leonel. 

Na última sexta-feira, a CVC anunciou a compra do restante das empresas argentinas Biblos e Avantrip. O valor não foi revelado.

Para Luis Sales, analista da Guide, a operação não possui impacto relevante no curto prazo, tendo em vista o cenário desafiador vivido pelo setor de turismo.

“Aliado a isso, avaliamos que a situação na Argentina também segue se deteriorando em função da situação econômica do país”, complementou.

No entanto, com a indústria de viagens se recuperando, a CVC pode se beneficiar das aquisições, principalmente pelo lado dos resultados.

Veja os principais trechos da entrevista

MT: O que a CVC fez para passar pela pandemia?

Leonel Andrade: Obviamente o setor é o mais atingido e a CVC sofreu muito. O que temos feito aqui desde a minha chegada que foi, coincidentemente, no 1º de abril do ano passado, ou seja, na largada da pandemia, é tentar trabalhar o resgate de credibilidade da empresa junto a todo mundo. 

Enfrentamos problemas contábeis e tivemos desafios muito grande em relação ao mercado financeiro, aos reguladores, às auditorias externas. 

Com esse resgate e com um alinhamento muito bom com os novos acionistas da empresa, nós conseguimos fazer uma capitalização da companhia. Essa medida nos colocou em condição de atravessar a crise e continuar investindo no nosso negócio. 

MT: Como vocês veem a segunda onda? Foi um balde de água fria para o setor?

Leonel Andrade:  Ninguém esperava que viesse tão intensa. Estávamos no final do ano com uma recuperação bem forte, principalmente por conta de que a CVC é muito consolidada também no mercado doméstico. 

Ela é soberana no mercado doméstico e era onde estava se dando a recuperação.

No final do ano, conforme o nosso balanço do quarto trimestre, chegamos a embarcar 2 milhões de pessoas nos últimos três meses. 

Coronavírus provocou uma crise sem precedentes no setor (Imagem: REUTERS/ Lucy Nicholson)

Mas preciso deixar claro que quando eu olho para o futuro hoje sou muito mais tranquilo que era três meses atrás.

Mesmo em dezembro recuperando fortemente as vendas, não se tinha uma visão tão clara do potencial de vacinação.

Portanto hoje, mesmo vendendo bem menos, claramente temos uma visão muito mais otimista para o futuro do negócio da companhia. 

MT: Quais os destaques do 4º trimestre?

Leonel Andrade: Consistentemente, desde o segundo semestre, a empresa vem recuperando receitas.

A margem da CVC tem se mostrado muito saudável nos negócios existentes e o embarque de dois milhões de passageiros mostrou para o mercado que a empresa tem capacidade operacional intacta. Devemos ser a única ou uma das poucas empresas do mercado de turismo que está 100% operacional.

Não desmontamos times, produtos, canais e graças à aposta dos acionistas. Com isso, estamos preparados para liderar na retomada e isso que o balanço deixa claro.

Outro grande destaque foi o atestado da auditoria da KPMG de que a empresa não tem mais risco de continuidade da sua atividade no curto prazo.

A CVC, por conta da pandemia, sofreu muito e havia uma desconfiança se teria capacidade de continuar as operações. Hoje ficou claro que a companhia não tem mais esse risco. 

Casas de aluguel são a grande aposta da CVC para o pós-pandemia (Imagem: VHC/Divulgação)

MT: Quais os planos da empresa para crescer e deixar o mau momento vivido pelo setor para trás?

Leonel Andrade: Não podemos desperdiçar o tempo. A única coisa útil da Covid é que ela está nos dando tempo de consertar ou revisitar processos que talvez se tivesse no ambiente de muita venda e produção isso seria um pouco mais difícil.

Definimos sete grandes negócios que a companhia teria que botar no ar muito fortemente ao longo deste ano. Dois desses negócios são correções de coisas que já existiam na empresa.

A primeira delas é a tecnologia. Nosso parque tecnológico é muito defasado. A empresa comprou 10 companhias ao longo dos últimos cinco anos e não havia sinergia entre elas. Virou um grande monstro do ponto de vista de sistemas de plataformas. 

Estamos em trabalho de forte digitalização, como a construção do aplicativo que vai ser lançado mês que vem ao mesmo tempo em que continua um trabalho de construção de data science (ciência de dados) e data lake extremamente avançado.

Para se ter ideia, saímos de quase zero um ano atrás e vamos terminar esse ano com 26 milhões de clientes contactáveis, com base enriquecida. Isso vai nos dar uma capacidade muito forte no mundo digital.

O segundo pilar fundamental é a revisão da nossa rede de lojas. É uma vantagem competitiva enorme ter distribuição no Brasil inteiro, mas as lojas estão muito defasadas do ponto de vista da digitalização, comunicação, modernidade, experiência do cliente e conteúdo.

“A CVC nunca construiu um programa de fidelidade, nunca fez um incentivo a recorrência dos clientes”, afirma (Imagem: Gustavo Kahil/Money Times)

Os outros negócios prioritários são todos novos, ou seja, coisas que a CVC tem uma oportunidade para investir. O primeiro é a VHC, uma empresa nossa de casas de aluguel e de temporada. O negócio é o único do setor de turismo mundial que cresceu na pandemia.

A VHC já está fazendo sua expansão e será o principal foco de investimentos nosso de crescimento. É um negócio de alta margem e diferencial competitivo muito forte. Temos uma altíssima capacidade de distribuição deste negócio.

A CVC nunca construiu um programa de fidelidade, nunca fez um incentivo de recorrência dos clientes. Pretendemos administrar passivos e construir uma companhia de fidelidade no modelo que já existe no mercado, mas uma companhia única para viagens com foco 100% em viagens multi-bandeira, com todas as companhias aéreas e todos os hotéis. O primeiro passo disso foi o lançamento do cartão de crédito com Itaú (ITUB4).

O terceiro negócio é uma plataforma temática que estamos construindo. Veja que existe um mercado potencial imenso de experiências. As pessoas estão buscando cada vez mais personalização e experiências com suas identidades.

Existe muito fortemente um turismo religioso, turismo para seniores ou pessoas de mais de 60 anos, turismo LGBT, turismo para deficientes físicos, turismo gastronômico. Somente a CVC tem a capacidade de criar um marketplace completo e distribuir isso.

A quarta iniciativa de negócios é a construção de uma plataforma e distribuição remota de agentes autônomos. É um negócio que não tem no Brasil e que já é muito forte em outros países.

“Do ponto de vista da gestão da companhia, nós fizemos altos investimentos. Foi criada uma estrutura de governança e controles”, diz (Imagem: Money Times/Vitória Fernandes)

Você pode gerar uma plataforma de deslocamento que as pessoas podem vender não só nas lojas, mas também no seu escritório, na sua residência, como um trabalho que eu diria que é uma mistura entre corretores como XP e como a Natura. Tem gente boa que conhece turismo e tem alta capacidade de vendas mas que está desempregado.

MT: Os erros contábeis são página virada?

Leonel Andrade: Sim. Do ponto de vista operacional, não existe nenhuma pendência. A empresa tem 100% de suas obrigações em dia do ponto de vista de balanços com órgãos reguladores, como a CVM, ou com o mercado financeiro, com as auditorias. 

Do ponto de vista da gestão da companhia, fizemos altos investimentos. Foi criada uma estrutura de governança e controles, que não havia no passado, com reporte direto a mim.

Uma diretoria executiva que engloba auditoria, compliance, controles e jurídico legal de modo que se possa assegurar e se aprimorar. A companhia hoje é saudável e segura.

Do ponto de vista legal, não há ninguém na empresa que tenha algum envolvimento com este passado. Esse é um assunto que sobe para a assembleia e a assembleia que vai deliberar que andamento vai dar.

Para mim como gestor da companhia é fundamental ficar longe. É fundamental porque isso não pode ser uma distração. Eu tenho que tocar a companhia para frente.

“É claro que a crise vai passar e mais: quando ela passar o setor de turismo deve ter um boom enorme, impressionante, por conta da demanda reprimida”, diz (Imagem: Unsplash/@xidhern)

MT: As ações da CVC foram duramente impactadas nos últimos meses, mas se recuperam em relação ao pior momento. Qual mensagem você deixaria para os investidores?

Leonel Andrade: Olha, eu falo sempre de ações com muito cuidado. Primeiro, é importante deixar claro para todo mundo que a empresa passou por uma capitalização. Um ano atrás a empresa tinha 150 milhões de ações e hoje tem 200 milhões.

Portanto, quando você viu o preço da ação hoje ela não é 100% comparável, digamos assim. Para ter uma noção, quando eu assumi a empresa em 1º de abril do ano passado, o valuation da companhia, o market cap (valor da empresa), girava em torno de R$ 1,4 bilhão. Hoje gira em torno de R$ 4 bilhões. Praticamente multiplicou por três o valor da companhia. 

Quem apostou na recuperação da CVC já tá começando a ver um retorno dessa aposta e ela tem razão de ser. A empresa tem alta capacidade de passar pela crise, que todo mundo olha como um grande vencedor do ponto de vista concorrencial.

Tem crédito, não tem nada atrasado, a capacidade operacional está inteira e investindo em uma série de novos programas, um manager todo renovado e bastante comprometido com o longo prazo e com apoio importante e decisivo dos seus acionistas. 

Portanto, é claro que a crise vai passar e mais: quando ela passar o setor de turismo deve ter um boom enorme, impressionante, por conta da demanda reprimida Quem não quer viajar? Quem tiver mais capacidade operacional é que vai vencer essa corrida

Além do mais, o mercado já descobriu que a CVC sobrevive à crise, que temos capacidade financeira intacta.  Estamos fechando negócios melhores.

Acabamos de fechar um acordo para distribuir a Copa do Mundo. No ano que vem tem o Rock in Rio. O organizador do evento não vai fazer uma parceria com a empresa que não tem certeza que vai estar intacta, produtiva e operacional.

Temos a exclusividade do Rock in Rio no ano que vem. Eu tenho convicção na retomada, que eu acredito que se dará a partir de setembro. Possuímos uma vantagem competitiva grande.