Entrevista: “Segundo turno entre Bolsonaro e Lula não é o ideal”, diz CEO da Reach Capital
Com 27 anos de experiência no mundo dos investimentos, o CEO da Reach Capital, Ricardo Campos, acredita que um embate direto entre o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e o atual, Jair Bolsonaro, que tenta a reeleição, é o cenário mais provável no segundo turno das eleições de 2022.
Embora esta não seja a situação ideal para Campos, o gestor enxerga boas oportunidades de investimentos no curto prazo – seja na renda fixa, seja no mercado de ações. E, vença quem vencer, a Reach mantém seu plano de multiplicar por oito o patrimônio sob gestão nos próximos dois anos, saltando dos atuais R$ 500 milhões para R$ 4 bilhões.
“Tem muita coisa boa no Brasil para se investir”, afirma. Veja os principais trechos da entrevista concedida ao Money Times.
Money Times – Desde setembro, sua visão mudou do otimismo para a cautela. Por quê?
Ricardo Campos – Tudo o que disse naquele momento fez sentido. De lá para cá, a Bolsa saiu de 94 mil para 116 mil pontos. Acho que uma valorização de 23% em cinco meses é boa, não? O cenário internacional está melhorando. No começo do ano, a previsão era que a economia global crescesse 5,2% em 2021. Agora, já está em 5,6%, puxada pelos EUA. Biden aprovou o pacote de estímulos à economia e já anunciou um novo.
A vacinação está acelerando por lá: 130 milhões de doses foram produzidas em março. Em fevereiro, eram apenas 48 milhões. Nesse ritmo, em junho, entre 60% e 70% dos americanos com mais de 12 anos estarão vacinados.
Na Zona do Euro, a previsão de crescimento caiu de 4,6% para 4,2%, mas ainda assim, é muito boa, porque a Europa não cresce há muitos anos. A China deve crescer 8%. Os juros baixos e os estímulos fiscais permitem boas perspectivas de crescimento mundial.
MT – E quanto ao Brasil?
Campos – O Brasil cresceu mais que o esperado em 2020, devido ao auxílio emergencial. O cenário é novamente desafiador, por causa da segunda onda da pandemia e dos lockdowns. Provavelmente, vamos vacinar todos os grupos de risco até o fim de maio ou junho. Há algum tempo, o Brasil aplicava 300 mil doses por dia. Hoje, já estamos em 700 mil. Entre setembro e dezembro, é provável que todos os brasileiros estejam vacinados.
Agora, é claro que essa demora dos países emergentes em concluir a vacinação, em relação aos países desenvolvidos, terá reflexos no crescimento. O Brasil deve crescer cerca de 3,5% neste ano – o que, em termos reais, é praticamente zero, porque a maior parte será carrego estatístico.
Os juros devem terminar o ano entre 5% e 6%, e a inflação, em 5%, com um pico de 7%. Mas é preciso lembrar que o novo lockdown vai contribuir para conter a inflação. Então, juros nominais de 5% ou 6%, num cenário de inflação de 5%, equivalem a juros reais próximos de zero.
MT – O cenário político preocupa?
Campos – O Congresso tem funcionado relativamente bem nos últimos meses. Aprovou a autonomia formal do Banco Central, os marcos regulatórios de saneamento e gás e o orçamento. Recebeu as medidas provisórias que dão início à privatização da Eletrobras e dos Correios. Aprovou também a PEC emergencial, com uma série de gatilhos para conter os gastos, o que é uma grande vitória. O único ponto um pouco negativo foi o desenho final do orçamento, que precisou acomodar as emendas parlamentares.
MT – As eleições de 2022 já estão no radar?
Campos – Neste momento, Bolsonaro está enfraquecido. Ele era apoiado por quatro grandes grupos: os bolsonaristas puros, os que defendem o combate à corrupção, os liberais e os antipetistas. Ele foi abandonado por três desses grupos. Em condições normais, provavelmente, surgiria uma terceira via, um nome de centro, que disputaria a eleição em 2022. Mas, aí, entra o fator STF, com a anulação das condenações de Lula.
Para Bolsonaro, isso foi uma grande vitória, porque gera novamente a polarização política que é boa para ele. Então, acho que já está meio que dado que a eleição será decidida, no segundo turno, entre Bolsonaro e Lula, e isso não é o cenário ideal.
MT – E como esse cenário mexe com o mercado?
Campos – No curto prazo, com os juros ainda baixos, há espaço para ganhos. Eu costumo brincar que o Brasil é um aluno nota 5. Quando ele começa a tirar nota baixa, volta pra estudar. Quando tudo começa a ir muito mal, o Congresso e o governo agem para resolver a situação. Mas, quando o aluno nota 5 começa a ir bem, para de estudar e vai para o boteco. É o que acontece com o Brasil, que relaxa nessas horas.
MT – Você afirmou, recentemente, que a desconfiança dos investidores estrangeiros é compensada pelos brasileiros, que estão mais ativos no mercado. Como atrair novamente o capital estrangeiro?
Campos – Houve o episódio da Petrobras. No fim das contas, Bolsonaro percebeu o risco que corria ao intervir demais na economia e recuou. Tínhamos também um ministro das Relações Exteriores que não fazia questão de manter boas relações com nossos maiores parceiros comerciais, a China e os EUA.
Tudo isso precisa ser recuperado para que o Brasil volte a receber investimentos estrangeiros. Mas nada disso é difícil de resolver. Basta mostrar que não vai interferir na economia, resgatar a política externa e acelerar a vacinação.
MT – E como os investidores devem se posicionar nesse cenário?
Campos – Sempre faz sentido para o investidor ter alguma aplicação ligada à inflação. Ela está alta, mas tende a voltar para o lugar. Mesmo assim, é bom ter algum título atrelado a ela. E ter ativos reais, isto é, ações e imóveis. Não vejo, também, por que não ter investimentos fora do país. Mas tem muita coisa boa no Brasil para se investir.
MT – Por exemplo?
Campos – Eu gosto de quatro tipos de empresas. O primeiro são as empresas de commodities. O Brasil tem as melhores do mundo, que fornecem produtos de boa qualidade, têm gestão de primeira linha e vivem um momento favorável, com o dólar e as cotações internacionais em alta.
O segundo tipo de empresa de que gosto são as boas e baratas, como shoppings, construtoras, seguradoras, empresas de moda. Há empresas nesses setores com preços bem interessantes. O terceiro são algumas empresas caras, mas com uma curva de crescimento muito forte, como as de saúde, softwares e ligadas ao setor financeiro. Empresas de e-commerce também. Por último, gosto de empresas com boa previsibilidade de receitas, como as utilities (saneamento, elétricas) e as ferrovias.
MT – Atualmente, a Reach Capital gere um patrimônio de R$ 500 milhões. Quais são os planos para crescer?
Campos – Esperamos chegar em R$ 4 bilhões em cerca de dois anos. Eu amo fazer isso. Faço isso há 27 anos, e gosto fazer um bom trabalho. Isso é fundamental. Contamos com um time muito bom. Temos um modelo de bonificação diferente, que valoriza quem faz a lição de casa e traz boas ideias, bem fundamentadas.