Economia

Entrevista: Marina pode herdar votos de Lula sem repeteco PT-PSDB, avalia Marcus Melo

26 jan 2018, 12:55 - atualizado em 26 jan 2018, 15:39
“(Bolsonaro) tem um teto e dificilmente mobiliza para além dos seus core voters” (Foto: Divulgação)

A provável ausência de Lula na eleição aumenta o favoritismo de um candidato da coalização de centro direita encabeçada pelo PSDB. Em paralelo, traz um apelo maior em torno da candidatura de Marina Silva, enquanto desidrata Jair Bolsonaro em um pleito que não deve repetir a tradicional disputa PT versus PSDB. Essa é a avaliação de Marcus André Melo, professor de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e doutor pela Sussex University, no Reino Unido.

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“O candidato de centro ou centro direita – seja ele quem for – será o mais competitivo porque se beneficiará do fundo eleitoral, das regras de acesso ao tempo de televisão, do reconhecimento (name recognition) e do controle da máquina e capilaridade territorial. Até um candidato impopular ou pouco carismático como o Alckmin será o mais competitivo ao fim e ao cabo. Em sua ausência acredito que o cálculo estratégico envolva o Luciano Huck“, disse ele em entrevista ao Money Times.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Quem é o principal beneficiado pela provável ausência de Lula na eleição?

Todos os demais candidatos se beneficiam da ampliação da disputa de uma para duas vagas, mas obviamente os candidatos com maiores chances localizam-se perto do centro do espectro ideológico. A ausência do Lula beneficia notadamente a Marina. O principal perdedor é Bolsonaro que, embora seja fundamentalmente anti-sistema e não apenas anti-Lula, tenderá a desidratar em função do desaparecimento da polarização. Ele só teria chances em um contexto de polarização e de colapso do centro, o que não ocorreu. Mesmo assim se defronta com barreiras brutais como, por exemplo, regras do jogo que favorecem os partidos grandes. Isso também vale para a Marina. A saída do Lula também debilita em alguma medida um candidato do PSDB, tradicional oponente do PT.

A partir dos nomes mencionados até aqui, crê em uma repetição de PT versus PSDB?

Antes do julgamento eu me referi algumas vezes à “probabilidade condicional” do candidato do PSDB – na realidade do candidato do centro que sairá do partido – em um cenário em que o Lula não fosse candidato como muito elevada.

Isto fundamentalmente mantém-se e essa probabilidade sobe porque a probabilidade do Lula ser candidato agora reduziu-se muito. Não acredito em repetição porque outros cenários parecem mais prováveis como a candidatura da Marina ou do Ciro, que têm mais chances do que candidatos do PT como Fernando Haddad ou Jacques Wagner.

O que pensa da hipótese de um outsider na eleição?

Não há a rigor outsiders viáveis. Fala-se de Bolsonaro que está no sétimo mandato. Está longe de representar um outsider, mas parece sê-lo por que dá voz ao que Tim Power (Oxford) chamou de “direita envergonhada”: ela sempre existiu. Por isso aparece como novo. Ele tem um teto e dificilmente mobiliza para além dos seus core voters que são os setores que se identificam com o regime militar e uma agenda bastante conservadora. Aliás, vale lembrar que isto não significa uma anomalia mas sim uma normalização do sistema partidário brasileiro. A maioria das democracias multipartidárias européias – da Áustria à Suécia – tem partidos anti-sistema ultraconservadores e de direita e extrema direita que logram obter de 8% a 20% do voto.

Como é característico de candidatos populistas parte importante de seu apelo deve-se a sua autenticidade: falam sem filtros e rejeitam “tudo que está aí”. Mas sua agenda concreta é um desastre: é autoritário, estatizante e antiliberal. As similitudes entre a extrema esquerda e extrema direita – como argumenta a teoria da ferradura – encontrou respaldo empírico na França: 1/4 dos eleitores de Mélenchon (extrema esquerda) votou em Marine LePen (extrema direita).

A outra parte do apelo do Bolsonaro deve-se à crise da segurança pública e à incapacidade do estado brasileiro de enfrentá-la. Por isso o seu voto adquiriu certa densidade. Mas não vai além disso.

Há ainda espaço para populismo no Brasil?

O bom desempenho do Bolsonaro nas pesquisas sugere que sim, mas já apontei seus limites. Quanto ao populismo macroeconômico houve mudanças importantes na sociedade brasileira e um certo aprendizado social que reduzem o espaço, mas não o elimina completamente.

A hecatombe econômica recente deixou um legado importante. A experiência da hiperinflação nos anos 90 e a estabilidade subsequente do real produziu aversão à inflação entre os cidadãos. A atual crise dos estados converteu a crise fiscal – até então meramente um conceito elusivo e intangível – em realidade crua e nua. Por sua vez, a debacle da Venezuela produz forte insegurança na sociedade quanto à instabilidade econômica. Todo esses fatores contribuem para reduzir a viabilidade política de políticas populistas.

Como vê possibilidade de renovação no Congresso e ascensão de siglas à direita?

O macroambiente da eleição é definido por forças que operam em direções opostas. De uma parte uma demanda inédita por renovação. De outra uma oferta de candidaturas oligopolizada pelo cartel de partidos existentes que se beneficiam de enormes barreiras à entrada no sistema, turbinadas por um fundo partidário de quase R$ 2 bilhões. Acredito que a renovação assumirá a forma de um queijo suíço: os buracos representam aqueles que naufragarão devido à demanda por renovação. As estruturas que permanecem, os partidos existentes.

Mas alguns partidos grandes terão seu tamanho reduzido brutalmente como é o caso do PT, cujo declínio precede à crise: tinha 91 deputados em 2002, hoje reduziu-se a 57, devendo eleger em 2018 menos de 40 deputados (o tamanho do PSD ou PR). Em 2016, o PT só manteve 256 das 630 prefeituras que governava, uma queda de 60%. Acredito que PMDB também terá perdas importantes.

Há candidatos liberais que combinam uma agenda pró-mercado e progressivismo social que esbarrarão nas barreiras definidas pelas regras atuais e pelo problema de falta de coordenação (que leva a dissipação de votos em candidaturas inviáveis). O caso de Bolsonaro é um caso específico, como vimos.

Do centro aglutinado, quem o senhor acha que figurará? E quem julga ter mais chances?

O candidato de centro ou centro direita – seja ele quem for – será o mais competitivo porque se beneficiará do fundo eleitoral, das regras de acesso ao tempo de televisão, do reconhecimento (name recognition) e do controle da máquina e capilaridade territorial. Até um candidato impopular ou pouco carismático como o Alckmin será o mais competitivo ao fim e ao cabo. Em sua ausência acredito que o cálculo estratégico envolva o Luciano Huck.

A grande especificidade do pleito presidencial de 2018 é que o incumbente – Temer – tornou-se profundamente tóxico, e mesmo uma recuperação importante da economia neste ano não restauraria sua popularidade ou cacifaria algum candidato do governo. A economia tem um efeito interativo importante com outras variáveis – como muitos modelos deixam claro – , mas isoladamente “não levanta defunto político”. Este ponto é ignorado em muitos cenários produzidos atualmente. O dilema do candidato deste campo político é que para vencer precisa do PMDB, mas há custos reputacionais altos envolvidos. Por isso o PSDB tem estado na corda bamba desde o inicio do governo Temer: apoiando de forma dissimulada o governo conforme a música.

Na sua visão, qual é a probabilidade de a foto de Lula estar na urna em outubro?

Acredito que seja baixa, mas não nula. O TSE apreciará recursos e etc. já sob a presidência de Barroso que sempre foi defensor da Ficha Limpa. A probabilidade de sucesso de recursos no STJ e no STF também me parecem baixas.

O que pesa mais na escolha do eleitor: economia, candidato ou corrupção?

Depende de que setor do eleitorado estamos falando. Dentre os core voters dos partidos (eleitores com elevada lealdade partidária), o comportamento da economia ou acusações de corrupção afetam muito pouco. O core voter do PT não deixa de votar no Lula ou no candidato que o substitua mesmo com o flagrante fracasso das políticas adotadas pelo partido ou com a Justiça de segundo grau confirmando acusações de corrupção. O mesmo vale para os core voters do PSDB (que percentualmente são muito menores do que os do PT porque sua taxa de identificação partidária é 3 vezes maior).

A economia ou a corrupção são decisivos sim para os swing voters (que tem baixa lealdade ao partido e baixa identificação partidária): o custo individual de mudar o voto é baixo para eles: ele ou ela vota em função de ganhos concretos que auferem, mesmo na forma indireta do que se convencionou chamar de “feel good effect”, que opera inconscientemente. O PT tornou-se viável ao conquistar o swing voter, que não volta mais para ele. A economia ou a corrupção tem efeito importante para este grupo que torna-se o pivotal voter, o grupo decisivo em eleições.

Mas o efeito da corrupção é curioso porque é não linear: escândalos pequenos não tem efeito, escândalos médios tem grande efeito e mega-escândalos podem produzir um cinismo cívico generalizado, mitigando seu efeito sobre o voto.

O senhor crê em continuidade da agenda pró-mercado após o período eleitoral? Quais os riscos?

Há um imperativo fiscal que acaba se impondo nas economias latino-americanas em geral devido aos constrangimentos internacionais em que operam. Qualquer desvio prudencial é punido no mercado. Aventuras fiscais em geral ocorrem quando as restrições externas são relaxadas, por exemplo, em contexto de boom de commodities – ou quando a China resolve o seu problema de balanço de pagamentos.

No Brasil foi a combinação do choque externo representado pelo boom e a descoberta do pré-sal que levou a uma mudança radical na estrutura de incentivos e consequente desvario fiscal que é a razão da nossa profunda crise atual. O cenário externo atual é favorável, não há crise hiperinflacionária ou de balanço de pagamentos à vista . A questão fiscal é gravíssima e um conflito importante em torno do teto de gasto nos espera.

Quaisquer governos terão que enfrentar estas questões. Há uma institucionalidade complexa que teria que ser desmontada para alguma aventura eventual, o que teria custo colossal. Trata-se apenas de um cenário hipotético de baixíssima probabilidade. Muito provavelmente o que nos espera é business as usual, com a reforma da Previdência no topo da agenda.