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Entrevista: CVM tenta conciliar regras e controles de agentes autônomos aos novos tempos

02 jul 2019, 8:10 - atualizado em 02 jul 2019, 11:00
A atividade de agentes autônomos cresceu e mudou muito nos últimos anos, atingindo mais de 7 mil profissionais (Imagem: Pixabay)

Por Arena do Pavini

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) realizará nesta terça-feira (2) uma consulta pública para ouvir sugestões do mercado a respeito da atividade de agente autônomo de investimentos. O objetivo é saber o que as associações e participantes do mercado têm a dizer sobre a atual regulamentação da atividade, a Instrução 497, que data de 2011, e como atualiza-la.

A atividade de agentes autônomos cresceu e mudou muito nos últimos anos, atingindo mais de 7 mil profissionais. Muitos gerentes de bancos e profissionais de outras áreas ligadas ao mercado passaram a trabalhar como agentes, acompanhando o crescimento das corretoras independentes.

E muitos desses profissionais estão hoje organizados em grandes escritórios, com centenas de integrantes e bilhões de reais sob sua responsabilidade, estruturas muito diferentes das que existiam na época da Instrução 497, admite Antonio Berwanger, superintendente de Desenvolvimento de Mercado da CVM.

“Esses agentes se organizaram, criaram uma associação e trouxeram pleitos para nós para aprimoramento da regulamentação, e algumas das questões que estamos abordando são decorrentes dessa organização e dos pedidos”, explica Berwanger.

Entre os principais pleitos estão a questão da obrigação de exclusividade do agente com uma só corretora de valores, a limitação para a criação de empresas de agentes e a forma de remuneração desses profissionais.

Parte dessas limitações da regulamentação se deve ao ambiente que o mercado vivia na época da Instrução 497, lembra Francisco Bastos Santos, superintendente de Relações com o Mercado e Intermediários da CVM. Em 2011, havia uma série de problemas ligados à atuação dos agentes autônomos no mercado e quando o regulador buscava as corretoras responsáveis, “ninguém se sentia como gestor do agente autônomo”, lembra Santos.

Começava então um “jogo de empurra” entre as corretoras a que o agente era ligado, uma dizendo que o problema era da outra. E ninguém assumia o problema. Ao mesmo tempo, o investidor se sentia cliente do agente e não da corretora e a corretora então se sentia sem responsabilidade por aquele cliente. “A questão é: quem é o dono desse cliente, por isso precisávamos de uma linha de responsabilidade clara que não havia antes da 497”, diz Santos.

O mesmo vale para a questão das sociedades simples. “Reconhecemos que a restrição é especialmente importante quando os escritórios somam um grande número de associados e isso cria uma dificuldade em racionalizar a empresa, por isso estamos tratando esse ponto, levantando questões que podem levar a uma melhora na regulação”, afirma Berwanger.

No caso da exclusividade, a opção foi seguir o modelo europeu, de agente vinculado, para dar mais responsabilidade ao intermediário. Até porque determinadas atividades exigidas por lei ou pela regulamentação são de difícil compartilhamento, lembra Santos.

“O sigilo do cliente, por exemplo, a gravação das ordens, o ‘know your cliente’ (conheça seu cliente), todos esses procedimentos ficam difíceis quando você tem mais de uma corretora ligada ao agente”, afirma. “Com compatibilizar esse sigilo, a gravação de cada ordem, se o agente pode fazer uma operação com uma e outra com outra?”, questiona Santos.

Ele admite, porém, as mudanças significativas do mercado, especialmente com o surgimento das plataformas de investimentos, que distribuem não só valores mobiliários como outros investimentos que não exigem exclusividade do agente. “Cotas de fundos e outros valores não exigem exclusividade”, lembra.

A estrutura de agentes autônomos também mudou. Em 2011, havia poucos escritórios de agentes autônomos e hoje há muitos com 100, 200, 300 sócios.

“Isso muda a dinâmica do mercado, já que passa a ser possível ter cargas regulatórias diferentes pelo porte da empresa”, diz Berwanger. “Talvez um grande escritório possa ter uma carga regulatória diferenciada de um pequeno, por exemplo”, explica.

A distribuição de agentes autônomos pelas corretoras também era mais equilibrada no passado, o que mudou. Hoje, uma corretora concentra cerca de 80% dos agentes e essa concentração também precisa ser levada em conta.

O resultado de todo esse cenário é que a dinâmica de mercado hoje é diferente, mas a necessidade de controle e acompanhamento que já existia em 2011 ainda existe.

“Não dá para voltar atras em controles e segurança”, afirma Santos. “A questão é como compatibilizar isso, por isso estamos usando esse modelo de audiência pública conceitual, buscando ajuda no mercado sobre como compatibilizar isso”, diz Berwanger.

Para ele, a regulamentação pode mudar a forma das empresas para dar mais liberdade. Já a questão da exclusividade parece ser mais difícil. “Talvez essa diferenciação se dê por determinado perfil de agente autônomo, mas deve haver uma contrapartida em aumento da carga regulatória, controles internos, códigos de conduta, que existem hoje na regulamentação”, explica.

Ao mesmo tempo, os grandes escritórios de agentes poderiam simplesmente se tornar distribuidoras, como outras empresas, em vez de adotar uma solução intermediária. “A própria XP já foi um escritório de agentes”, lembra Santos. Assim, a questão é se vale a pena criar algo no meio do caminho para esses grandes escritórios.

No caso da divisão entre consultores e agentes autônomos, Berwanger não vê espaço para mudanças. “O que vamos abordar é mais a necessidade de transparência na forma de remuneração do agente autônomo”, afirma.

Berwanger lembra que o consultor recebe remuneração do cliente, e tem portanto interesses alinhados ao cliente. E o agente é mais ligado ao interesse da corretora. “Há um conflito de interesses do agente autônomo, que ganha mais se distribui mais, e não se trabalha no melhor interesse do cliente”, diz.

A CVM quer agora explorar possibilidades regulatórias para a remuneração do agente, dentro de um modelo de maior transparência, mostrando ao investidor como o agente é remunerado. “Mas não queremos saber o quanto ele ganha, e sim se ele tem mais incentivos ao oferecer um produto de investimento e não outro”, explica Santos. “É mais dar mais transparência sobre como é a estrutura de remuneração e os incentivos de ele vender um produto e não outro.”

Além da audiência conceitual sobre os agentes autônomos, a Assessoria de Analise e Pesquisa Econômica da CVM está fazendo uma análise dos impactos regulatórios, especificamente sobre a conveniência de manter a exclusividade das corretoras. E parte das informações coletadas na audiência serão usadas nesse estudo da assessoria.

“Ainda estamos na fase de decisão de caminho regulatório”, diz Berwanger. “Vamos analisar os caminhos a serem seguidos e é provável que só no ano que vem tenhamos uma definição se faremos uma audiência sobre os agentes se for o caso de mudar alguma coisa”, conclui.

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