Entrevista: Conheça o Fiagro, o parente agro dos fundos imobiliários
Quem ainda não ouviu falar sobre Fiagro verá o termo cada vez mais presente no boca a boca entre os investidores e estampado nas manchetes dos jornais, à medida que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), de forma provisória e experimental, regulamentou os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro), que chegam à B3 (B3SA3) a partir do dia 1° de agosto.
À grosso modo, o Fiagro é bem parecido com o jeitão dos fundos imobiliários (FIIs), classe de investimento que caiu no gosto dos investidores na Bolsa brasileira, que em 2020 somava 1,172 milhão de investidores com posição em custódia, segundo dados da B3, dentre o total de 3,2 milhões de investidores.
A advogada especializada em agronegócio, Marcela Cavallo, explica que a Resolução CVM nº 39 permitirá que o mercado financeiro teste a constituição dos Fiagros sob diferentes formas de regramento existentes para os fundos de investimento estruturados existentes regulamentados pela CVM.
“O grande ponto do Fiagro é que ele é uma forma de democratização do agronegócio. Muitas pessoas até têm o interesse no agro, no business do setor, mas as opções de investimentos eram muito limitadas no mercado. O Fiagro traz o agro para todo mundo, inclusive o investidor pessoa física com pouco capital”, frisa a especialista.
E o motor da economia brasileira, o agronegócio, foi quem segurou as pontas, impedindo que o tombo do Brasil não fosse ainda maior em 2020, quando o mundo inteiro foi pego de calças curtas pela pandemia de Covid-19.
A agropecuária foi o único setor que cresceu no ano passado, respondendo por 26,6% da soma de todas as riquezas produzidas no País, termo conhecido como PIB (Produto Interno Bruto), segundo dados do IBGE (Instituto Brasileira de Geografia e Estatística).
E a toada positiva do setor continua em 2021, já que no primeiro trimestre do ano o PIB agro expandiu 5,7%, tirando o Brasil do vermelho e garantindo um saldo positivo de 1,2%.
Acompanhe a seguir os principais trechos da entrevista que o Agro Times realizou com a doutora Cavallo sobre o Fiagro:
Agro Times: Por que o Fiagro tem o potencial de interessar os investidores na Bolsa brasileira?
Marcela Cavallo: As pessoas sempre tiveram interesse em investir no agronegócio, afinal o setor é quem empurra o país, responsável por mais de um quarto da economia brasileira, o que sempre gerou um interesse no mercado. O problema é que as opções eram limitadíssimas.
Pensava-se: poxa, tenho que comprar um lote de terra, começar do zero, um mercado muito restrito, repleto de informalidade, que nos últimos anos tem buscado se profissionalizar. Tudo ainda é muito pautado no fio do bigode.
E o Fiagro traz a possibilidade das pessoas investirem seu capital e terem o retorno sem precisarem colocar a mão na massa, ou melhor, na terra. O investidor ou investidora entra em um fundo que faz esse serviço, delegando a um administrador que já está inserido no ambiente agro, com contato desde o fazendo à logística final, abrangendo toda a cadeia.
É claro que já existiam alguns tipos de investimento que se propunham a investir no setor, mas na realidade eram mais um perninha. Agora, o Fiagro é 100% voltado ao agronegócio, abrindo espaço tanto para as grandes empresas quanto para os investidores pessoa física.
Agro Times: Já há muitas comparações entre os FIIs e o Fiagro. Em relação à legislação de ambos, quais são os benefícios de quem investe?
Marcela Cavallo: Justamente, o Fiagro entrou na lei dos fundos imobiliários, e quando a gente altera um regimento já existente, como foi o caso do Fiagro, utiliza-se aquela lei base para aplicar e regular aquilo que será inserido. Portanto, todos os regramentos e artigos que foram estabelecidos pelo legislador no passado aos FIIs passam também a valer ao Fiagro.
Mas, um ponto de atenção que a gente destaca, é que o Fiagro, apesar de inserido na lei dos FIIs, tem um leque de formas que esse fundo pode investir, inclusive imóveis rurais, participações em sociedades, ativos financeiro e por aí vai. E obviamente, alguns destes aspectos listados em um artigo da lei do Fiagro vão se diferenciar dos FIIs. Portanto, caberá à CVM regulamentar cada especificidade, que ainda pode melhorar as regras dos próprios fundos imobiliários dentro do contexto.
Agro Times: Levando em conta o período de discussões da reforma tributária, o que já se sabe sobre a tributação do Fiagro?
Marcela Cavallo: O que acabou passando foram algumas isenções do Imposto de Renda (IR) dentro de alguns requisitos, sendo três situações tributárias específicas:
i) a não incidência do IR sobre rendimento e ganhos líquidos que são auferidos pela carteira Fiagro em certas aplicações — Certificado de Direito Creditório do Agronegócio (CDCA), Letra de Crédito (LCA), Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA);
ii) o diferimento, para o momento da alienação ou resgate das cotas na proporção da quantidade de cotas no pagamento de IR sobre o ganho de capital, portanto, é possível jogar o pagamento do imposto lá na frente, e não necessariamente no momento da aquisição de cotas do fundo [Fiagro];
iii) a princípio, os rendimentos do Fiagro para pessoa física estão isentos de IR, mas para isso o fundo ainda precisa atender a alguns requisitos (ter mais de 50 cotistas, nenhum dos cotistas pode representar mais que 10% das cotas do fundo e as cotas precisam ser negociadas exclusivamente na Bolsa de Valores ou mercado de balcão.