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Entrevista: Brasil pode esperar para tributar serviços digitais, diz executiva da Economia

14 jan 2020, 11:02 - atualizado em 14 jan 2020, 11:04
O debate sobre um imposto digital tem ganhado corpo conforme diversos países estudam mecanismos para que gigantes de streaming, como a Netflix paguem mais impostos pelas receitas geradas localmente (Imagem: Unsplash/@thibaultpenin)

O Brasil pode esperar para discutir a tributação de serviços digitais, afirmou a secretária-executiva do grupo de reforma tributária do Ministério da Economia, Vanessa Canado, defendendo que a prioridade do país deve ser a implementação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) federal para simplificar a tributação sobre o consumo.

Em entrevista à Reuters, Canado, que é assessora especial da pasta, também afirmou que a equipe econômica deve encaminhar todas as suas propostas para a reforma tributária ainda no primeiro semestre — incluindo a reformulação do Imposto de Renda e revisões de benefícios fiscais.

O debate sobre um imposto digital tem ganhado corpo conforme diversos países estudam mecanismos para que gigantes de tecnologia como Amazon e Google e empresas de streaming como Netflix e Spotify paguem mais impostos pelas receitas geradas localmente.

O tema, inclusive, deve ganhar os holofotes no fim deste mês no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, conforme a França mira a implementação de uma alíquota sobre as receitas com serviços digitais obtidas no país e os Estados Unidos ameaçam impor tarifas sobre a importações de produtos como champagne e bolsas franceses em retaliação.

O imposto digital, inclusive, deve ganhar os holofotes no fim deste mês no Fórum Econômico Mundial em Davos

“O Brasil pode esperar o que o resto do mundo vai acordar porque a bem da verdade, tecnicamente, ainda não se chegou a uma boa solução e há muita resposta política a essa questão”, afirmou Canado.

“Se a gente tiver um IVA a gente vai estar pelo menos no mesmo pé do resto do mundo. Tenho medo de a gente embolar mais o meio de campo atual com essa discussão política que os outros países podem se dar ao luxo de ter e nós, sinceramente, acho que não podemos ainda”, disse.

Ela defendeu que, de um lado, muitas empresas de tecnologia já operam no Brasil, razão pela qual não deixam de pagar impostos sobre o consumo aqui.

“Empresas grandes como Microsoft , Amazon, Apple todas elas já estão instaladas no Brasil. Hoje todas elas já pagam tributo sobre o consumo, por exemplo. Então ou ISS (municipal) ou ICMS (estadual) elas pagam”, afirmou Canado.

Empresas grandes como Microsoft , Amazon, Apple todas elas já estão instaladas no Brasil. Hoje todas elas já pagam tributo sobre o consumo, explica Vanessa Canado (Imagem: Reprodução/Redes Sociais)

“E os royalties que eventualmente ela manda para matriz lá fora para remunerar essa tecnologia são indedutíveis para fins fiscais. Então o Brasil talvez seja um dos países mais severos nesse aspecto da tributação digital do ponto de vista de lucro”, acrescentou.

Canado reconheceu que no restante do mundo também discute-se como garantir a tributação quando uma pessoa física importa serviço de alguma companhia de tecnologia que não é estabelecida localmente. É o caso, por exemplo, da empresa de armazenamento em nuvem Dropbox, que não está no Brasil.

Hoje os serviços do Dropbox não são tributados no país e Canado avaliou que a instituição de regimes simplificados para os não residentes poderia funcionar como uma possível saída para o problema.

Ela avaliou, contudo, que o Brasil precisa realizar antes a própria racionalização dos impostos sobre o consumo, algo que o governo pretende com a reforma tributária. Atualmente são cinco tributos desta natureza pagos pelos contribuintes: PIS, Cofins e IPI no âmbito federal, além de ISS e ICMS.

Governo quer unificar PIS e Cofins num IVA federal e, posteriormente, transformar o IPI em imposto seletivo (Imagem: Reuters/Adriano Machado)

Canado reiterou que o governo quer unificar PIS e Cofins num IVA federal e, posteriormente, transformar o IPI em imposto seletivo.

Essa primeira etapa, de simplificação de PIS e Cofins, segue sendo trabalhada com afinco junto aos parlamentares na comissão mista sobre o tema anunciada em meados de dezembro, já tendo sido pacificado que o governo não enviará uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de sua autoria, trabalhando para que a comissão saia com “princípios e rumos acordados”.

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Dividendos

Uma outra perna da reforma tributária abarca a tributação de dividendos com concomitante redução do Imposto de Renda sobre as empresas. Segundo a secretária, a equipe econômica ainda está fazendo simulações para chegar às alíquotas que serão propostas.

Brasil precisa realizar antes a própria racionalização dos impostos sobre o consumo, algo que o governo pretende com a reforma tributária (Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Em outra frente, o time está debruçado sobre a revisão de gastos tributários e incentivos fiscais.

Quanto à desoneração da folha de pagamento, outro objetivo fixo do ministro da Economia, Paulo Guedes, Canado pontuou que algumas exceções estão sendo analisadas com lupa para a proposição de eventuais mudanças.

“Programa de participação de lucros e resultados (PLR) não é tributado pela Previdência, então ele é muito questionado. As empresas reclamam muito da insegurança jurídica. Será que não era melhor a gente tributar isso e reduzir um pouco alíquota? Então é movimento bem parecido com IR – você amplia a base e diminui a alíquota”, afirmou ela.

Bolsa Família

Em meio às discussões tornadas públicas pelo Ministério da Cidadania para vitaminar o Bolsa Família, Canado também afirmou que o governo irá propor a reoneração da cesta básica com paralela devolução dos impostos recolhidos para a população de baixa renda.

Como hoje alimentos como salmão e queijo brie são contemplados pela isenção de tributos federais, a avaliação é que a desoneração acaba beneficiando famílias de renda mais alta, que mais consomem produtos como estes.

“A gente não vai propor a reoneração da cesta básica sem a garantia da devolução. Então a gente não pode depender de um aumento ou não do Bolsa Família (para isso), e a gente não precisa depender”, disse ela.

O plano é encaminhar ao Congresso Nacional todas as medidas relacionadas à reforma tributária ainda não formalizadas por projetos de lei no primeiro semestre, disse Canado.