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Entrevista: “A Itapemirim planeja estar na Bolsa em até quatro anos”, diz CEO

17 maio 2021, 10:07 - atualizado em 03 out 2021, 3:24
Itapemirim-Sidney Piva
O empresário Sidnei Piva, controlador da companhia, segue o caminho da família Constantino, fundadora da Gol e dona de empresas de ônibus (Imagem: Ilton Barbosa/Divulgação)

O Brasil terá em breve mais uma companhia aérea. Trata-se da ITA, Itapemirim Transportes Aéreos, que recebeu sinal verde da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) no começo do mês e está pronta para ganhar os ares. 

As vendas começam na próxima sexta-feira (21), sendo que o voo inaugural ocorrerá no dia 29 de junho, com renda revertida para instituições beneficentes. O início dos voos comerciais será no dia seguinte, 30 de junho.

A marca já é conhecida por muitos brasileiros. Fundada em 1954 em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, a empresa ajudou a desenvolver o transporte rodoviário no país. Hoje atende 2,5 milhões de passageiros por ano, em 2.700 cidades de 19 estados brasileiros, com mais de 300 ônibus em operação.

Com isso, o empresário Sidnei Piva, controlador da companhia, segue o caminho da família Constantino, fundadora da Gol (GOLL4) e dona de viações de ônibus. 

A ideia, segundo Piva, é apostar na intermodalidade e conectar o ônibus ao avião, de forma que um complemente o outro.

Além disso, o executivo, que conversou com exclusividade com o Money Times, também pretende investir na qualidade para vencer a concorrência e se tornar competitiva. 

“Temos esse diferencial que é esse modo de ser da Itapemirim, essa integração de modais que estamos propondo. Uma oportunidade de poder prestar serviços diferenciados e a preços atrativos. Não penso em fazer uma guerra tarifária. Eu quero trazer esse cliente pelo diferencial da proposta que estamos colocando, como comodidade do assento, o conforto, o atendimento, a bagagem”, diz. 

A frota será composta de aviões Airbus A320, que foram adaptados para receberem até 162 passageiros, 18 a menos em relação à configuração máxima do modelo. 

Até junho de 2022, a companhia pretende ampliar a sua cobertura e chegar a 35 destinos no Brasil (Imagem: Linkedin/ITA)

“Todas as fileiras de assentos estão dentro dos padrões da categoria A do selo Anac de conforto. Os passageiros terão entre 79 cm e 107 cm de espaço, dependendo da localização do assento dentro da aeronave”, informou a companhia.

A previsão é de que a Itapemirim chegue ao final do ano com um total de 20 aeronaves. No primeiro semestre de 2022, a ITA receberá cinco aviões por mês. Até junho do próximo ano, a frota total será de 50 aeronaves.

Destinos 

A empresa aproveitou o momento de baixa procura para negociar slots (o direito de utilizar os aeroportos) com a Anac. De acordo com Piva, as tratativas foram tranquilas.

“No geral, não houve dificuldades. A Anac entende que uma empresa aérea demanda muitos investimentos. Estamos com um pouco de dificuldade, o que é natural, nos aeroportos de Santos Dumont (RJ) e de Congonhas (SP), mas isso se resolverá em breve”, diz.

Em sua estreia no mercado doméstico, a ITA estará presente em oito cidades, como Belo Horizonte-Confins (MG), Brasília (DF), Curitiba (PR), Porto Alegre (RS), Porto Seguro (BA), Rio de Janeiro-Galeão (RJ), Salvador (BA) e São Paulo-Guarulhos (SP).

As capitais Recife (PE), Maceió (AL), Fortaleza (CE), Florianópolis (SC), Vitória (ES) e Natal (RN) serão somadas à malha a partir do dia 1 de agosto de 2021. Até junho de 2022, a companhia pretende ampliar a sua cobertura e chegar a 35 destinos no Brasil.

Em uma segunda etapa, a aérea planeja ainda abrir filiais nos Estados Unidos e na Europa.

A empresa precisará superar alguns desafios, como a recuperação judicial, que corre na Justiça desde 2016 (Imagem: Divulgação)

Desconfiança e IPO

A empresa chega em um momento delicado da aviação, que passa por uma crise sem precedentes.

Apesar disso, Piva afirma que a crise da Covid facilitou as negociações com as empresas de leasing, responsáveis por emprestar os aviões para a companhia. 

Ademais, a Itapemirim também precisa superar sua recuperação judicial, que corre na Justiça desde 2016, e a disputa com a família Cola, fundadora da marca, que tenta anular a compra da companhia alegando problemas com a documentação. 

O plano, segundo Piva, é transformar a Itapemirim em uma gigante de transportes em todas modalidades: aéreo, rodoviário e ferroviário. A companhia chegou a disputar as concessões das linhas 8 e 9 da CPTM, mas foi derrotada pela CCR (CCRO3). 

“Em cinco anos, a companhia terá um número de aeronaves muito significativo, até maior do que as companhias que aí estão. Nós temos um plano muito ousado de investimentos”, disse. 

Dessa forma, o empresário prepara terreno para chegar à Bolsa. A expectativa é abrir o capital no final de 2024 e início de 2025. 

Veja a seguir os principais trechos da entrevista

MT: O setor aéreo enfrenta um dos seus piores momentos, com perdas que podem somar US$ 84 bilhões em 2020. É o momento de lançar uma empresa aérea? 

Sidnei Piva: Realmente é um número muito assustador. O setor está atravessando uma fase difícil, principalmente na Europa. Várias companhias fecharam. No Brasil, dos 10 piores resultados, três são companhias aéreas. 

Mas a empresa já estava toda planejada para iniciar as operações em 2019. Inclusive, o plano inicial era comprar uma companhia aérea já existente. Aí veio a pandemia, assustou muito, mas o nosso plano era consistente, estava bem formado. 

No chão: Covid provocou uma crise sem precedentes no setor aéreo, levando inúmeras empresas aéreas à falência (Imagem: Reuters/Lindsey Wasson)

No começo ficamos um pouco assustados, mas depois começaram a surgir as oportunidades. Devido a essa pandemia, com todas essas aeronaves no chão, as negociações com as empresas de leasing ficaram mais facilitadas porque não tinha muita procura para fazer as tratativas de entrega. 

Isso nos proporcionou melhores condições de negociações, principalmente de equipamento, porque fizemos uma alteração no equipamento de aeronave para a entrada no mercado nacional. A companhia estava programada para ter esse número de aviões em três anos e nós conseguimos encurtar ele para menos de um ano. 

Quanto ao mercado no Brasil, eu entendo que é o melhor momento. O volume de endividamento das companhias aéreas tanto internacionais quanto no próprio Brasil nos proporciona uma tranquilidade de caixa.

Não temos esse endividamento, o que nos fortalece mais para entrada, pois a Itapemirim é uma empresa capitalizada, uma empresa sólida, enquanto que os nossos concorrentes estão enfrentando essa pandemia. 

Isso nos dá a oportunidade de entrar no mercado de uma maneira mais tranquila e não ter que sofrer uma guerra tarifária. Não é o projeto da Itapemirim entrar para disputar o mercado em preços, jogando a sua margem abaixo do seu custo. 

Eu acho o momento oportuno, porque a demanda no Brasil já estava carente de companhias aéreas, principalmente depois do evento da Avianca. Tinha muita procura por voo e pouco voo disponível, embora tenhamos uma quantidade gigantesca de aeronaves. Mas a quantidade de pessoas querendo voar é maior. 

“Temos 50 aeronaves contratadas, mas estaremos soltando ela de acordo com a programação das empresas de leasing”, afirmou (Imagem: Ilton Barbosa/Divulgação)

A entrada da Itapemirim nesse período, mesmo com o fluxo menor de passageiros, é importante. Estamos trabalhando nossos processos de entrada com base na evolução da pandemia.

Temos 50 aeronaves contratadas, mas estaremos soltando ela de acordo com a programação das empresas de leasing, porque também eles estão trabalhando seus custos.

As entregas vão acompanhar as estimativas de crescimento do turismo. Eu acredito que a partir de outubro ou novembro a procura de passagem vai ser muito intensificada.

Eu vejo um momento extraordinário para Itapemirim porque ela consegue entrar no mercado com uma certa segurança para atender esse público que tem uma ansiedade de viajar devido à retomada e, assim, levar um serviço diferenciado.

MT: O histórico recente do mercado aéreo mostra que manter uma companhia aérea não é fácil, com a falência de empresas tradicionais, como Varing, Vasp e, mais recentemente, Avianca Brasil. Como não repetir esse filme?

Sidnei Piva: Eu acho que encontrei uma receita bem interessante. No final de 2016, começamos a planejar a companhia aérea. Primeiro, tivemos uma segurança de capitalização. Buscamos investimentos internacionais para ter uma tranquilidade de montar uma companhia aérea com caixa suficiente para suportar uma crise sem ter que tomar dinheiro a qualquer custo. 

Fomos buscar uma segurança financeira a longo prazo. Para continuarmos efetivos no mercado é preciso usar a criatividade, entregar o serviço prometido e ter uma distribuição de valores séria com seus clientes, como o espaçamento de poltronas ou a não cobrança de bagagens. 

Em 2020 a a Justiça de São Paulo decretou a falência da Avianca Brasil. A empresa acumulava dívidas de mais de R$ 2,7 bilhões (Imagem: Agência Brasil/Valter Campanato)

Outro ponto diz respeito a uma engenharia tributária: buscar acordo com os governos de diversos estados para ter algum incentivo em relação aos impostos sobre combustíveis, que é uma pauta muito ativa em todos os governos. 

Conseguimos várias negociações importantes para ter essas negociações concretizadas antes do lançamento da nossa companhia. Em diversos pontos do Brasil temos até 8% de desconto em relação ao ICMS cobrado. 

Vamos repassar isso para o cliente por meio de serviços e qualidade de serviço. É uma companhia que está pensando em uma parceria direta com o seu consumidor, ou seja, eu não preciso te dar um desconto excessivo e sim uma qualidade de voo.

É administrar o dinheiro recebido, saber partilhar ele, saber distribuir isso em forma de serviços e não cobrar.

Estamos sendo muito procurados por investidores internacionais e colocamos essa forma de atendimento. Queremos investimento sim, mas temos uma política de perenidade de atendimento e de qualidade. 

Essas companhias tiveram dificuldades e fecharam porque não negociaram um repasse com o seu cliente, e tiraram todos os benefícios, como a comida, o lanche, a água, o refrigerante, a mala, para poder cobrar.

Eu coloquei para esses investidores que não é dessa forma que você vai ter uma companhia de grande porte, uma companhia que pretende estar em todo o território nacional.

Ela tem que ter os seus conceitos, focado no atendimento, prestar um bom serviço e saber distribuir esses recursos, desde que não prejudique o custo de todo o seu processo. 

“Você tem uma grande quantidade de usuários de ônibus que poderia estar voando com as aéreas, desde que ele tivesse condições para fazê-lo”, argumenta (Divulgação: Facebook da Viação Itapemirim)

MT: Vocês temem algum preconceito ou rejeição dos passageiros em associar a aérea ao transporte rodoviário?

Sidnei Piva: Muito pelo contrário, eu acho que vai ser um diferencial. Se você vir os dados, uma média de 4% ou 4,5% da população voa em diversos pontos do Brasil.

Você tem uma grande quantidade de usuários de ônibus que poderiam estar voando com as aéreas, desde que ele tivesse condições para fazê-lo. Só que é uma cultura e isso é difícil de mudar, mas há esse sentido de intermodalidade. 

Você pega esse usuário do ônibus que não tem condições efetivas de ficar comprando diversas passagens aéreas e oferece para ele uma forma mais tranquila de compra.

Como a Itapemirim é uma empresa interestadual, de longas distâncias, ela tem destino de 56 horas, de 48 horas. Temos uma quantidade de pessoas que faz esse trajeto de ônibus e paga R$ 600, R$ 700 para essa passagem, que talvez se ele programar consiga comprar passagens aéreas com tranquilidade.

A empresa, uma das tradicionais do segmento rodoviário, trouxe inúmeras inovações, como os ônibus de três eixos, conhecidos como tribus (Imagem: Facebook/Itapemirim)

Mas aí ele esbarra em alguns fatores: quantidade de mala e quantidade de bagagem que vai trazer e mais o preço da passagem. 

Com essa interligação de modais, eu posso pegar esse usuário do ônibus e fazer uma distância de São Paulo a Brasília e de Brasília pega um voo para chegar ao destino final, ou seja, uma distância que ele teria que fazer em 48 horas eu faço com que ele chegue em 8 horas.

Se você for fizer um cálculo, de saída, vai notar que a diferença foi de R$ 200 ou R$ 300. Você começa a criar uma cultura nesse usuário. Ele pode sim fazer trechos compartilhados com o ônibus e com avião e ter um uma qualidade de viagem que vai ser satisfatória porque diminuiu o tempo, o cansaço, o desgaste e ele vai ter uma experiência nova do avião.

Se porventura ele tiver malas, a Itapemirim vai proporcionar para esse tipo de cliente a gratuidade delas nos ônibus, porque isso já fazemos. Ele vai receber suas bagagens posteriormente. Para o avião ele vai levar aquela mala de mão de 23 kg que eu não vou cobrar também. 

Essa não é a primeira experiência da companhia com o setor aéreo; a Itapemirim chegou a operar aviões de carga nos anos 90 (Imagem: Wikimedia Commons)

MT: Nos anos 90, a empresa operou aviões de carga. Vocês têm algum plano de retornar esses serviços, no embalo do e-commerce?

Sim, essa é uma das prioridades de metas da Itapemirim. Nesse programa das 50 aeronaves, estamos trazendo aviões para fazer cargas. Isso já está no programa da empresa.

Vamos atender esse sistema de encomendas através dos nossos porões. Todos os nossos ônibus já possuem esse serviço em todo o Brasil. Estamos em 19 estados e temos 63 bases de distribuição de cargas e encomendas. 

Vamos acrescentar a malha aérea e, consequentemente, entrar muito forte nesse item que é importante para a aviação. 

MT: Planejam fazer uma oferta pública de ações?

Meu desejo era entrar amanhã (risos). É inevitável a Itapemirim não abrir o capital, mas dentro da nossa programação. Vamos consolidar essa companhia por mais um ou dois anos, trabalhar ela, vamos fazê-la crescer além desses 50 aviões, ter muito mais aeronaves para fazer um projeto consistente. 

Posteriormente, acredito, no final de 2024 e no começo de 2025, vamos abri-la para o mercado. Estamos fazendo uma modelagem de investimentos para uma boa abertura de capital e assim trazer uma oportunidade para os investidores terem participação na companhia com desejo satisfatório de lucro. 

Estamos conversando com muitos investidores, recebendo eles para a captação de bonds (título de dívidas emitidos em dólar) e transformando essa captação em títulos que serão trocados em ações quando for abrir para o mercado, que é um modelo de investimento fantástico. 

Rumo à Bolsa: empresa tem pretensão de abrir o capital até 2025 (Imagem; Reuters/Paulo Whitaker)

Isso está repercutindo muito bem perante os bancos internacionais e grupos de investimentos brasileiros de médio e grande porte. Estamos tendo bastante assédio. Eles estão entendendo que a companhia Itapemirim não é só o avião, que lógico, é uma repercussão gigantesca porque você valoriza muito a companhia com a inclusão desses programas de milhagem, que certamente a Itapemirim terá. 

Mas também das outras modalidades. Os investidores estão interessados no modal rodoviário, no modal ferroviário de infraestrutura. Não à toa tivemos uma enxurrada de licitações de infraestrutura e de privatizações que aconteceram e vão acontecer ainda em 21 e 22. 

Quando os investidores nos procuram, falamos que a Itapemirim é uma grande cesta de diversos produtos interessantes que eles podem aplicar em diferentes modais e ainda ter essa oportunidade da companhia aérea. Hoje, no mundo, o investimento em transportes, infraestrutura e mobilidade é algo seguro.