Entrevista: “A educação é o setor mais barato da Bolsa”, diz copresidente da Cruzeiro do Sul Educacional
Mesmo entregando resultados fortes no quarto trimestre, as ações da Cruzeiro do Sul Educacional (CSED3) ainda não engrenaram. Desde a sua estreia na Bolsa em fevereiro, os papéis encolheram cerca de 18%.
Fato é que as empresas de educação, no geral, ainda provocam certo ceticismo por parte dos investidores: segundo cálculos do analista da Ativa Investimentos e colunista do Money Times, Pedro Serra, o setor caiu, em média, 20,8% em decorrência da segunda onda da Covid-19 no Brasil.
Mas para o copresidente da Cruzeiro do Sul, Fábio Figueiredo, o receio é infundado.
“Esse ceticismo, sob o ponto de vista do investidor, é razoavelmente difícil de ser explicado porque nós consideramos que o setor meio que passou ao largo da crise. Apesar das restrições, as nossas atividades não cessaram. O setor não retraiu substancialmente. Ele pode ter migrado de modalidade, mas as pessoas continuam estudando”, afirma.
O executivo, que conversou com exclusividade com o Money Times, prefere ver a situação do ensino particular no Brasil com um pouco mais de otimismo quando o assunto é Covid.
“Se a gente for comparar com algumas outras indústrias, eu diria que o setor até ficou numa situação privilegiada porque não foi obrigado a cessar os serviços”, destaca.
E, de fato, os números demonstram que a empresa conseguiu se virar bem durante a pandemia: em 2020 o seu lucro subiu 4,3%, enquanto a receita saltou 22,2%. A companhia elevou ainda em 29% a sua base total de alunos no período.
“A Cruzeiro do Sul está bem posicionada para surfar as duas tendências mais promissoras e resilientes do setor: segmento presencial de alta qualidade, mais ensino à distância de rápido crescimento – o ano de 2020 é um testamento para isso”, apontou o BTG em relatório enviado a clientes.
Em 2021, a empresa promete repetir a fórmula de sucesso de 2020: aquisições de marcas líderes regionais e foco na qualidade do ensino.
Veja os principais trechos da entrevista:
MT: Como a Cruzeiro do Sul lidou com a Covid?
Fábio Figueiredo: Eu diria que o setor de educação não foi assim, substancialmente, atingido pela pandemia de um modo geral. De alguma forma, nós continuamos prestando serviço. Alguns conseguiram se adaptar mais rapidamente, outros menos, mas foi um serviço que não parou em nenhuma modalidade e nenhum nível.
Então se a gente for comparar com algumas outras indústrias, eu diria que o setor até ficou numa situação privilegiada porque não foi obrigado a cessar serviços. Não houve demissões em massa em função da pandemia, não houve interrupção de conteúdo novo. Eu até considero que a gente teve sorte no contexto das restrições da pandemia. Afinal, todo mundo continuou estudando.
Evidentemente, nós tivemos que fazer adaptações. No caso da Cruzeiro do Sul, a gente teve uma velocidade de adaptação que foi muito rápida. Em questão de meses, talvez 40 dias, a gente mudou todo o nosso modelo acadêmico de ensino presencial de forma a proporcionar aulas síncronas, mantendo os alunos nas suas turmas, com seus professores, no seu ambiente. A única diferença é que ele não precisa se deslocar até a sala de aula.
O impacto da Covid no EAD (ensino a distância) foi de uma aceleração na aceitação que ele já vinha tendo. O ano de 2020 fez com que esse percurso fosse encurtado. Eu diria que o mercado como um todo acelerou o seu processo de aceitação, de absorção da modalidade a distância.
MT: Como foi o planejamento da Cruzeiro do Sul em relação a segunda onda?
Fábio Figueiredo: O planejamento da Covid dura uma semana para todos os setores. A gente fica monitorando diariamente, semanalmente. Em algum momento do meio do 2º Semestre de 2020, nós assumimos que, provavelmente, o primeiro semestre começaria normal para o ensino presencial. Veio o recrudescimento da pandemia e isso não aconteceu. Nós demos continuidade ao modelo que já estava implantado desde julho de 2020.
É sempre muito frustrante para todo mundo. Quem está no ensino presencial quer a experiência presencial, da vivência universitária, da socialização, do networking, da participação com seus amigos. Não é só chegar lá e ele absorver o conteúdo do professor. E agora a gente tem uma nova previsão que a normalidade eventualmente venha no início do segundo semestre. É com este quadro que a gente trabalha hoje.
MT: Quais os planos da empresa para sustentar o crescimento em 2021?
Fábio Figueiredo: Nós continuamos com a nossa estratégia: a gente só atua com marcas líderes regionais. Isso é foco da nossa estratégia, que está se mostrando muito resiliente. A experiência da vivência presencial, de ensino presencial, está muito conectada à força de marca, à consolidação que a instituição tem regionalmente. A gente espera crescimento agora em 2021.
Nós projetamos todo orçamento com base na captação. Em princípio, a gente está vendo um quadro otimista, até porque a captação ainda não encerrou: o Enem atrasou, o SISU atrasou e todo o contexto da pandemia fez com que tudo atrasasse. Então nós adaptamos os nossos modelos acadêmicos para poder absorver esses alunos até abril.
MT: O desempenho das ações de empresas de educação na Bolsa mostra certo pessimismo do investidor com o setor. Como mudar essa situação? O investidor tem motivos para estar preocupado?
Fábio Figueiredo: Esse ceticismo sob o ponto de vista do investidor é razoavelmente difícil de ser explicado porque nós consideramos que o setor meio que passou ao largo da crise.
Apesar das restrições, as nossas atividades não cessaram. O setor não retraiu substancialmente. Ele pode ter migrado de modalidade, mas as pessoas continuam estudando. O estudo, a qualificação profissional, é uma necessidade essencial. Ainda bem que o nosso setor se adaptou rápido e conseguiu continuar provendo entrega de conteúdo.
Outros setores sofreram muito mais e a gente não vê esse ceticismo por parte do investidor público. Você vê modalidades do varejo caindo, você vê outros serviços praticamente inexistindo nessa época de pandemia. A nossa indústria continua praticamente normal. Claro que o praticamente se deve mais ao contexto econômico do que ao contexto sanitário.
Não fosse a retração econômica de um recuo de 5% do PIB, talvez o nosso setor tivesse passado absolutamente incólume à crise sanitária. A gente atribui muito mais a retração econômica, que aumenta o desemprego, do que a pandemia propriamente dita.
Nós vemos o setor como um todo depreciado. É um setor resiliente, é uma necessidade fundamental, e tem uma penetração que é baixíssima. Nós temos hoje 16% de estudantes em idade universitária no ensino superior. Isso é uma taxa muito baixa. Os nossos vizinhos da América do Sul estão acima de 30%.
A gente atribui esse ceticismo a uma onda. Em algum momento, isso vai desanuviar, isso vai passar, e o investidor público vai identificar essa resiliência.
A educação não vai acabar. Se a gente acreditar que a educação no Brasil vai retrair, então não tem como nós não assumirmos que tudo mais vai ficar menor. Toda economia depende da gente prover educação. Então não dá para assumir que um retrai e outro cresce.
MT: As ações da Cruzeiro caíram cerca de 18%, considerando o preço do IPO em R$ 14. Os papéis estão subvalorizados?
Fábio Figueiredo: Sim. De novo, se você pegar as métricas do mercado público como P/VPA (Preço sobre Valor Patrimonial da Ação) e EV/Ebitda (utilizado para medir o valor da empresa), você vai ver que a indústria de educação no Brasil é a indústria mais barata da Bolsa.
É um setor resiliente e fundamental para o crescimento de todas as outras atividades. É difícil você conseguir explicar esse mau momento em termos de valores de depreciação das ações. Mas a gente considera que isso é passageiro, que o mercado é volátil no Brasil, que funciona com ciclos.
MT: O ensino a distância veio para ficar?
Fábio Figueiredo: Sim. Hoje em termos regulatórios, a regulação tem uma visão muito estática: ela considera ensino a distância e ensino presencial. Mas na prática essa divisão tende a ser muito mais tênue.
Em algum momento, talvez essa divisão regulatória vá desaparecer porque a gente enxerga que hoje existem ferramentas tecnológicas, existem plataformas que permitem qualquer tipo de entrega de conteúdo, seja no celular, seja por videoconferência, seja uma holografia. As tecnologias vão proporcionar formas muito diferentes e eficientes de entrega de conteúdo.
Porém, nós acreditamos que a experiência física no campus, no ambiente universitário, com a socialização, com compartilhamento de experiências fisicamente, grupo de amigos, grupos de trabalho, isso nunca vai desaparecer.
O ser humano não vai passar a vida dele na frente de um computador. Para tudo tem espaço. Acho que essa divisão será menos tênue, mas ela vai comportar desde o aluno que quer ficar sempre na frente do computador, mas também aquele ensino tradicional – quando eu falo tradicional é experiência dentro do campus e não a forma como é a dinâmica dentro da sala de aula. Vai ter mercado e oferta para tudo.