Entre os constrangimentos temidos por Bolsonaro sobre a reunião, China pode passar a conta
Se o presidente Jair Bolsonaro não pensou na China ao se posicionar contra a divulgação do vídeo da reunião ministerial por achar que geraria “constrangimento”, deverá começar a pensar, segundo fontes do agronegócio ouvidas por Money Times.
O ministro Paulo Guedes, dono dos sarcasmos endereçados ao país – (a China é) “aquele cara que você sabe que você tem que aguentar” -, pode ter acrescentado mais munição para Pequim apresentar a conta quando o mundo voltar ao normal e, principalmente, se o acordo comercial tecido com os Estados Unidos estiver efetivado.
Das quatro pessoas ouvidas, dois são empresários e dois são líderes de classe, todos com peso no agronegócio. Um goza de bom trânsito em gabinetes do governo, como na Agricultura (Mapa), e outro esteve, inclusive, na comitiva da ministra Tereza Cristina em seu giro pela Ásia, em 2019. Aceitaram opinar sob off, diante do delicado quadro político, e temerosos também por retaliações.
“A reunião mostrou um presidente raivoso, disposto a tudo, então o momento é para tomar todo cuidado”, disse um presidente de entidade, cujo setor (também pediu para não ser mencionado) aguarda a canetada presidencial sobre ajuda pleiteada contra a crise.
Dos trechos da fala do ministro da Economia, o mais sensível, na opinião de todos, é quando ele praticamente imputa culpa à China pelo novo coronavírus, fazendo coro aos Estados Unidos, e, no Brasil, ao que já disse o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o ministro da Educação Abraham Weintraub.
Em alto e bom som, Guedes defendeu que a China banque um novo Plano Marshall para o mundo em recessão. Todos entenderam, obviamente, que a responsabilização atribuída aos chineses (criação em laboratório e negligência em contê-lo) os torna obrigados a irrigar a reconstrução global.
Os brios chineses estão à flor da pele com esse tema e já foi alvo de respostas da embaixada em Brasília. Outras declarações ditas na reunião sobre a dependência chinesa do agronegócio brasileiro – “aquilo é comida nossa” e “eles precisam comer” -, causam embaraço, mas não entram na conta agora.
Para uma das fontes ouvidas, o pragmatismo chinês impede uma retaliação contundente em curto prazo. De fato, a China precisa da soja e carnes brasileiras, enquanto as rusgas com os Estados Unidos atrapalham a entrada plena do acordo comercial. “Mas o equilíbrio é frágil, não interessa a nenhuma das duas potências perpetuarem as disputas (inclusive as geopolíticas) e deverá haver alguma convergência mais dia menos dia”, acrescenta.
Esse é o risco.
A Austrália já está sentindo o peso da mão de Pequim que cortou importações de carne do país também pelas críticas do governo alinhadas da Donald Trump. Mas a ilha da Oceania não tem o peso do Brasil, lembra outro interlocutor.
Se a China conseguir diminuir a participação brasileira no seu mercado, o que só pode ser via os Estados Unidos, talvez o ministro Paulo Guedes tenha que rever suas contas se os chineses se lembrarem – e não gostarem – do que ele disse: “pra cada dólar que o Brasil exporta pros Estados Unidos, exporta três para a China”.
Money Times, inclusive, já abordou diretamente esta preocupação em outras edições, como em 22 de abril, justamente no dia em que se desenrolou a reunião ministerial que o ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, arrola como prova da tentativa de interferência do presidente na Polícia Federal.
Com todos os constrangimentos que se tornaram públicos nesta sexta.