Reportagem Especial

Entre elétricos e chinesas, mercado de carros do Brasil volta para radar dos investidores; aportes já são de mais de R$ 110 bi

21 nov 2024, 7:00 - atualizado em 21 nov 2024, 7:01
carros elétricos china
Em outubro, foram vendidas 249.896 unidades de carros. O número é 20,9% a mais que o mesmo período do ano passado. (Imagem: iStock.com/SweetBunFactory)

Nos primeiros 10 meses de 2024 foram vendidos 1,9 milhão de automóveis e veículos comerciais leves, uma alta de 14,7% sobre igual período de 2023, segundo dados da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave).

No comparativo mensal, foram vendidas 249.896 unidades de carros em outubro — 12,2% acima do total de setembro e 20,9% a mais que em outubro do ano passado. Os números mostram uma melhora no setor automotivo, que viu as vendas e a produção caírem durante a pandemia.

Juan Sanchez, sócio do BCG, destaca que o setor automotivo está passando por um momento de retomada, já observada no aumento nos volumes de vendas, o que sinaliza um cenário um pouco mais positivo para o mercado.

“De fato, do ano passado para cá, o Brasil começou a se destacar um pouco mais no contexto global, impulsionado pelas movimentações na cadeia de suprimentos e pela característica globalizada da indústria automotiva. Essa positividade, acredito, está bastante ligada aos novos anúncios de investimentos e à maior visibilidade que o setor automotivo brasileiro vem ganhando no cenário global”, afirma.

Além do mercado tradicional, o país também viu uma expansão dos carros elétricos. Segundo um levantamento da PwC, a venda dos veículos eletrificados subiu 113,2% entre janeiro e setembro de 2024, sendo que a maioria são dos carros 100% elétricos, que viram as vendas crescerem 492,8% no acumulado do ano.

O avanço do segmento elétrico é tanto que, no início do mês, o governo anunciou um investimento de até R$ 1,6 trilhão em projetos que promovam sustentabilidade e mobilidade verde, incluindo o desenvolvimento da produção de baterias no Brasil. A meta do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) é de que 3% dos veículos eletrificados brasileiros utilizem baterias nacionais em 2026; para 2033, o plano é chegar a 33% do total.

Com isso, a WEG (WEGE3) já divulgou um ciclo de investimentos no valor de R$ 1,8 bilhão para produzir baterias para veículos elétricos em larga escala no país.

“Esse movimento busca aumentar o grau de eletrificação na propulsão dos veículos e essa transição pode ser vista como uma etapa inicial para a modernização das plantas industriais. Com isso, há a necessidade de criar maior sinergia entre os modelos produtivos de veículos a combustão interna e veículos 100% elétricos, exigindo adaptações significativas em relação à produção de veículos híbrido”, diz o sócio do BCG.

Sanchez ainda aponta que o parque fabril brasileiro já recebeu investimentos relevantes ao longo dos anos, mas ainda precisa de ajustes para viabilizar essa nova infraestrutura e atender às exigências de uma indústria automotiva em transformação.

Montadoras voltam a investir no país: Veja quantos bilhões foram anunciados

Só em 2024, os anúncios de investimentos para os próximos anos no Brasil vindos das montadoras já ultrapassam R$ 110 bilhões. Em geral, esses aportes visam aprimorar as fábricas, com foco em inovação tecnológica, sustentabilidade e preparação para a produção de veículos eletrificados.

Veja os investimentos anunciados pelas montadoras no Brasil:

  • BMW: R$ 500 milhões
  • BYD: R$ 5 bilhões
  • Caoa Chery: R$ 4,5 bilhões
  • General Motors (Chevrolet): R$ 17 bilhões
  • Great Wall Motor: R$ 10 bilhões
  • HPE (Mitsubishi): R$ 4 bilhões
  • Honda: R$ 4,2 bilhões
  • Hyundai: R$ 5,45 bilhões
  • Nissan: R$ 2,8 bilhões
  • Renault: R$ 5,1 bilhões
  • Stellantis: R$ 30 bilhões
  • Toyota: R$ 11 bilhões
  • Volkswagen: R$ 16 bilhões

Em termos de Investimento Estrangeiro Direto (IED), o setor automotivo registrou um valor anunciado de US$ 14,2 bilhões desde o início do ano.

A retomada nos investimentos foi tanta que a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) anunciou o retorno do Salão do Automóvel em 2025 — sendo que a última edição foi realizada em 2018. A previsão é de que o evento seja realizado de 22 de novembro a 1º de dezembro.

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Negócio da China (e o carro também)

Durante a pandemia, as fábricas de automóveis no Brasil enfrentaram grandes desafios. Com as vendas paralisadas e a escassez de semicondutores afetando o setor, muitas linhas de produção foram interrompidas, resultando em períodos de inatividade.

Foi bem nesse período, mais especificamente 2021, que a Ford fechou sua fábrica de Camaçari, na Bahia. O que ninguém imaginava era que a planta seria comprada por uma empresa, até então, desconhecida pela maioria dos brasileiros: a BYD.

E companhia chinesa entrou no Brasil em 2013, inicialmente, o foco na fabricação de equipamentos voltados para a energia solar e soluções em baterias. Logo em seguida, ela lançou uma linha de ônibus elétricos no país — o avanço para o segmento de carros de passeio era só uma questão de tempo.

Até outubro de 2024, a BYD chegou perto da marca de 59 mil veículos vendidos do país, um crescimento de 227% em relação a 2023. E os planos são grandes: a fábrica de Camaçari terá capacidade inicial de produzir 150 mil veículos por ano e chegará a 300 mil na segunda etapa.

“O Brasil é o principal foco da BYD fora da Ásia e temos planos ambiciosos de chegar, nos próximos anos, entre os primeiros no ranking geral de vendas. Agora em outubro superamos nossa marca histórica mensal de mais 9 mil unidades vendidas e tivemos 58.690 carros emplacados nos primeiros 10 meses de 2024”, afirma Alexandre Baldy, vice-presidente sênior da BYD no Brasil.

Para conseguir atender o mercado nacional, a empresa investiu mais de R$ 6 milhões em um laboratório de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) para módulos fotovoltaicos — dispositivos que transformam a luz do sol em eletricidade– exclusivamente no Brasil, totalizando mais de R$ 65 milhões em investimentos em P&D.

No entanto, nem tudo são flores. Baldy relembra que compreender o que as pessoas buscam ao comprar um carro novo foi o principal desafio inicial da empresa para trazer os produtos para o Brasil. Além disso, o mercado dos carros elétricos ainda demanda de melhorias, como avançar na estrutura de recarga e número de pontos de abastecimento.

“Mas essa é uma realidade que tem mudado rapidamente. Nas grandes cidades, já é possível encontrar milhares de carregadores e a tendência é de um grande crescimento nos próximos anos. Mais do que construir eletropostos e espalhar carregadores por aí, é preciso investir também em informar a população sobre os benefícios desse tipo de mobilidade, desmistificar alguns mitos e descomplicar a utilização do carro movido a energia elétrica”, afirma.

Do Brasil para o mundo: País é visto como base para expansão na América latina

Além do mercado nacional, as montadoras que estão investindo no Brasil estão de olho na expansão pela América Latina. Esse é o caso da chinesa Great Wall Motor, mais conhecida como GWM.

A empresa focada em carros eletrificados anunciou sua entrada no mercado brasileiro em 2021, após a aquisição da antiga fábrica da Mercedes-Benz em Iracemápolis, interior de São Paulo. A planta está passando por reformas e a sua inauguração está prevista para meados do ano que vem, com a produção do SUV híbrido Haval H6. Enquanto isso, os carros estão sendo importados para o país.

Ricardo Bastos, diretor de Assuntos Institucionais da GWM no Brasil, destaca que o país é um dos mercados mais relevantes globalmente para o setor automotivo, com uma expectativa do mercado de fechar o ano com uma produção de 2,5 milhões veículos.

Não é à toa que a empresa está em plena expansão: já são 250 funcionários, com previsão de chegar a 700 até o meio de 2025. Além disso, a meta é produzir até 50 mil unidades por ano na futura fábrica e expandir para 100 concessionárias até o final deste ano — atualmente, são 83 lojas espalhadas por todos os Estados. 

No entanto, ele lembra que, quando olhamos para a região da América do Sul e Latina, o mercado é ainda mais significativo, principalmente quando o assunto são carros elétricos e híbridos.

“A GWM já está presente em vários países, como Argentina, Uruguai, Peru e Colômbia, mas os veículos são importados da China. Nosso objetivo é, futuramente, exportar nossos carros do Brasil, deixando que a matriz na China cuide de outros mercados, concentrando a América do Sul em nossa operação”, afirma Bastos.

A estratégia de utilizar o Brasil como base para negócios em toda a região não é nova. A Volkswagen, por exemplo, exportou quase 79 mil unidades entre janeiro e outubro de 2024 para 18 países latino-americanos, com destaque para Argentina, México e Colômbia. Os modelos mais procurados são o Novo Polo, Saveiro, Nivus e T-Cross.

A Fiat também é um exemplo de expansão além da América Latina. No ano passado, a montadora anunciou que a picape Strada, fabricada no Brasil e já exportada para países latino-americanos, agora está sendo enviada também para mercados na África.

Além disso, montadoras como General Motors, Toyota, Honda, Renault, Nissan e Hyundai estão entre as empresas que exportam veículos e peças automotivas do Brasil para diversos países, reforçando o papel do país como um centro estratégico de produção e exportação automotiva para a região.

O executivo da GWM chama a atenção para o Uruguai. Embora o mercado seja pequeno, é um dos principais para veículos plug-in na América do Sul, pois é um país plano e com abundância de energia elétrica — o Uruguai consome pouco mais de 10% da energia que gera, o que é visto por Bastos como um grande potencial para substituir o petróleo por energia elétrica no transporte.

Além de um polo de produção e exportação, o Brasil também é visto como um centro de inovação. O modelo Haval H6, por exemplo, conta com a tecnologia heads-up display (HUD), capaz de projetar informações importantes, como o velocímetro, diretamente no para-brisa.

Bastos relembra que, no início do planejamento, a ideia era importar o para-brisa com HUD da China para montar aqui. O problema é que a peça que pode quebrar durante o transporte, e o Brasil ainda não possuía uma produção local de para-brisas com essa tecnologia.

“Fomos atrás de fornecedores, pedindo para que fizessem uma amostra e, para nossa surpresa, a qualidade superou a do produto original. Essa amostra foi tão bem feita que decidimos enviá-la para a China como referência. Esse é apenas um detalhe, mas demonstra a força da indústria automotiva brasileira”, afirma.

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