Entenda o impasse entre Câmara e Senado que pode pôr fim ao Bolsa Família e outros medidas do governo Lula
Uma crise institucional que nasceu no Poder Legislativo pode pôr fim a medidas importantes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como a volta do Bolsa Família ou a reestruturação da Esplanada dos Ministérios.
Trata-se da disputa entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal acerca do rito de tramitação de medidas provisórias (MP), que foi alterado em março de 2020 por conta da pandemia de covid-19.
Antes de entrar no imbróglio, cabe esclarecer o que é uma MP e qual sua importância para o governo Lula.
O que é uma MP?
Editada pela Presidência da República, uma MP tem força de lei e vigora por até 120 dias — prazo de 60 dias, sendo possível uma prorrogação por igual período. Se não for aprovado pelo Congresso, perde a validade.
Durante a tramitação, qualquer parlamentar pode apresentar emendas ao texto, sendo que a MP deve ser submetida aos plenários da Câmara e do Senado, em votação distintas.
Se a MP não for votada em até 45 dias contados da publicação, ela passa a trancar a pauta da Casa em que estiver tramitando, desde que já tenha saído da comissão mista.
Se aprovada sem alterações, a medida provisória se torna lei. Caso tenha sofrido mudanças, deve ser enviada para o presidente da República para sanção ou veto.
Desde o início do mandato, o presidente Lula enviou 13 MPs ao Congresso. Entre elas, há medidas que instituem a volta de programas sociais como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida e Mais Médicos; além da criação de novos ministérios.
Por conta disso, o atraso no andamento das MPs no Legislativo tem preocupado membros do governo, que temem que algumas dessas medidas percam a validade.
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Entenda a disputa entre Câmara e Senado
O impasse entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), surgiu em fevereiro deste ano, quando a Mesa Diretora do Senado decidiu, sem o aval da Câmara, pelo retorno das comissões mistas para analisar as MPs editadas desde o dia 1ª de janeiro.
Em tese, a decisão do Senado segue a Constituição, visto que a análise de medidas provisórias por uma comissão mista é uma determinação constitucional. Seguindo a revolução do Congresso, tais comissões devem ser formadas por 12 deputados e 12 senadores — sendo que as Casas revezam a relatoria do texto.
Entretanto, durante a pandemia de covid-19, o rito de tramitação das MPs foi alterado e a etapa de análise por uma comissão mista foi excluída do processo. Com isso, a tramitação das MPs passou a começar na Câmara, que concentrou a relatoria da matéria, para depois seguir ao Senado.
Na prática, a alteração no rito de tramitação conferiu mais poder para o presidente da Câmara, Arthur Lira, que passou a ter a prerrogativa de indicar o relator das MPs editadas pelo Executivo.
Agora, Lira e os deputados não querem abrir mão do poder que adquiriram com a alteração do rito, enquanto Pacheco e os senadores tentam encontrar um caminho para ampliar o próprio poderio sobre a agenda legislativa do governo.
As propostas de cada Casa
A principal crítica de Lira às comissões mistas é que o modelo produziria uma sub-representação da Câmara, uma vez que a Casa indica o mesmo número de membros que o Senado, mesmo que seja numericamente maior — há cerca de 7 deputados para cada senador.
Deste modo, ele defende que o número de membros indicados para a comissão seja proporcional ao tamanho de cada Casa legislativa.
Pacheco, por sua vez, sugere que a Constituição seja alterada para acabar com as comissões mistas, mas estabelecendo que o início de transmissão das MPs seja alternado entre a Câmara e o Senado.
A escalada da crise
O ápice da crise no Legislativo aconteceu na última quinta-feira (23), quando, sem entrar em acordo sobre o rito de tramitação, Pacheco acatou um pedido do senador Renan Calheiros (MDB), desafeto político de Lira em Alagoas, que determinou a volta das comissões mistas.
No mesmo dia, Lira classificou a ação do presidente do Senado como “truculenta” e afirmou que as MPs não vão avançar “um milímetro” no plenário da Câmara.
“As medidas provisórias do governo Lula, se o Senado decidir fazer de forma unilateral a instalação das comissões e a indicação dos membros da Câmara, isso pode levar as medidas perderem a validade”, disse a jornalistas.
Com a escalada da crise no Legislativo, o presidente Lula e membros do governo atuam para apaziguar a relação entre Lira e Pacheco. O desafio é encontrar uma solução que não faça com que uma das Casa se sinta prejudicada.
Nos bastidores, ainda há a percepção de que o impasse no rito de tramitação das medidas provisórias tem como pano de fundo a influência de Lira e Pacheco no controle e indicação de cargos e liberação de emendas parlamentares.
*Com informações da agência Reuters