Coluna da Alessandra Velloso

Entenda o impacto da inadimplência no resultado dos bancos

04 set 2023, 10:56 - atualizado em 04 set 2023, 10:56
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Inadimplência: Em julho, quatro em cada 10 brasileiros com mais de 18 anos estavam com as contas atrasadas. (Imagem: REUTERS/Dado Ruvic/Illustration)

O primeiro semestre foi de temor no mercado financeiro, em virtude do efeito dominó em alguns bancos ao redor do mundo. Instituições como Silicon Valley Bank, Silvergate Capital Corp e First Republic Bank se viram numa onda de saques em massa e queda na confiança, trazendo preocupação.

Esses bancos têm uma característica em comum: a dependência de certas modalidades financeiras, como os empréstimos para casa própria ou comerciais. Nos Estados Unidos, por exemplo, pequenas e médias instituições respondem por índices de 60% a 70% nessas categorias, o que os sujeita aos efeitos dos aumentos de taxa de juros, inadimplência e todas as volatilidades do cenário econômico do país.

Embora não tenhamos o risco de quebras por aqui, os bancos médios brasileiros também compartilham dessas dores. E o momento para essas organizações não poderia ser mais complicado, considerando o perfil dos seus produtos e as altíssimas taxas de inadimplência no país.

Com sua atuação mais restrita, os bancos médios concentram suas operações em categorias tradicionais de financiamento, como o crédito pessoal, empréstimos consignados, financiamento para empresas e de veículos.

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Inadimplência no Brasil

E os números não poderiam ser mais difíceis neste momento: em julho, quatro em cada 10 brasileiros com mais de 18 anos estavam com as contas atrasadas, segundo a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas. No caso das empresas, de acordo com a Serasa, eram 6,5 milhões negativadas — o que se refletiu, também, em quase 600 pedidos de recuperação judicial somente no primeiro semestre.

A inadimplência do crédito pessoal também está alta, chegando a praticamente 50% apenas no rotativo do cartão de crédito — que tem a taxa de juros mais cara de todas para a pessoa física. No caso do financiamento de veículos, dado da Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras mostrava que 6,2% das operações tinham atrasos acima de 90 dias em 2023 — e de cada dez pedidos de financiamento, sete são recusados.

Parece uma tempestade perfeita: a inflação cresceu, a taxa de juros chegou a níveis que há muito não víamos, o custo das medidas emergenciais da pandemia começou a ser cobrado e a atividade econômica ainda custa a se fortalecer. Quando virá a bonança — e ela virá?

Uma centelha de luz no fim do túnel surge no horizonte. Tivemos a queda da taxa de juros e, depois de crescimentos contínuos, a inadimplência caiu por dois meses seguidos. O mercado vê perspectivas positivas com a aprovação da reforma tributária e do novo arcabouço fiscal.

Contudo, ainda há preocupações: o governo federal aponta para um aumento dos gastos públicos, ancorado por um crescimento da arrecadação que pode não se concretizar. Ao invés de ampliar o rigor nas contas, anuncia medidas como a volta do Programa de Aceleração do Crescimento — quando o anterior sequer chegou perto de se realizar.

O programa Desenrola está tendo algum efeito positivo na inadimplência, mas não pode ser recorrente, sob risco de gerar ainda mais endividamento com a expectativa de medidas semelhantes ali na frente.

Essa extensa digressão mostra a complexidade do cenário macroeconômico que impõe encruzilhadas para os bancos médios. Se não temos riscos de falta de liquidez ou quebra da confiança como no exterior, essas instituições possuem um perfil bastante suscetível ao momento financeiro do país.

Em tempos como os atuais, as dificuldades para esses bancos são ainda maiores — e as medidas de recuperação econômica devem compreender a preservação e fortalecimento dessas instituições, dada sua grande relevância para o financiamento de pessoas físicas e jurídicas.

As dores desses indivíduos e companhias são sentidas e compartilhadas por esses bancos, num ciclo que impacta todo o mercado financeiro e, por consequência, todos que estão inseridos no sistema bancário. E, por isso mesmo, precisamos de medidas claras, adequadas e realistas para nossa economia. Caso contrário, a tempestade não passará.