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Enel: Como a briga de acionistas na Itália pode ter contribuído com apagão em São Paulo

08 nov 2023, 18:18 - atualizado em 08 nov 2023, 19:22
Enel Companhias Luz Brasil Itália
Minoritários da Enel questionam indicação de novo CEO pelo governo da Itália (Imagem: Money Times/ Gustavo Kahil)

O apagão de cinco dias em São Paulo e o questionamento sobre o serviço prestado aos paulistanos não são a primeira controversa protagonizada pela Enel em 2023.

Meses atrás, e a um Atlântico e meio e de distância, uma guerra civil foi deflagrada no conselho da companhia.

De um lado, o Tesouro italiano, maior acionista da Enel, com 23,6% das ações.  Do outro, acionistas minoritários, como o hedge fund sediado em Londres, Covalis Capital, com 1% de participação, e o fundo soberano de petróleo da Noruega, com cerca de 2% da participação da Enel.

Os acionistas minoritários queriam contestar a nomeação —  apoiada pelo governo e considerada arbitrária por acionistas rebeldes — de Paolo Scaroni à presidência do conselho da Enel.

Scaroni, 76 anos, é uma figura carimbada do empresariado italiano, aliado próximo do ex-primeiro ministro Silvio Berlusconi e atual presidente do Milan. 

Tinha inclusive passado pelo comando da Enel duas décadas atrás, antes de assumir a Eni, petroleira da Itália que também conta com participação acionária do governo.

Além da sua longa relação com a política local, o mercado via com ressalvas a falta de experiência prévia de Scaroni no ramo de energias renováveis — mercado no qual a Enel desempenha papel de liderança e que conta com a atenção especial dos investidores estrangeiros.

Por fim, a percepção de uma proximidade de Scaroni com Moscou não lhe ajudou no processo. Na década anterior, o empresário tinha conduzido a expansão de contratos da Eni com clientes russos.

Mais recentemente, o empresário italiano disparou contra as sanções econômicas da União Europeia. Na oportunidade, Scaroni havia dito que o banimento do petróleo da Rússia beneficiava apenas grandes petroleiras dos Estados Unidos e da Noruega.

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Enel viveu ‘processo tóxico’, segundo minoritário

Canalizando o sentimento avesso dos mercados, Zach Mecelis, presidente e representante da Covalis Capital no conselho da Enel, resolveu tornar públicas suas críticas diante da nomeação do governo.

Em entrevista ao Financial Times, o acionista criticou duramente o que via como falta de transparência e governança. Segundo ele, aquele processo estava se tornando “tóxico” para a empresa, que vinha sendo castigada na bolsa. “O devido processo faria a ação da empresa subir 30% a 40%”, havia dito Mecelis na oportunidade.

Segundo Mecelis, o governo não deveria ser capaz de ditar as escolhas de uma companhia de capital aberto, papel devido ao conselho.

No fim, o poder de acionista do Tesouro italiano foi o suficiente para conduzir Scaroni ao cargo, apesar do inédito protesto dos acionistas. A vitória do governo no conselho foi sacramentada com a aprovação de Flavio Cattaneo, a indicação do governo de Giorgia Meloni, ao cargo de CEO da Enel.

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Plano de venda de ativos e déficit fiscal da Itália

Embora os ruídos acerca da transição de cargos na Enel tenham ficado para trás, ainda não estão sanadas as perguntas sobre o caminho estratégico que a empresa tomará sob Paolo Scaroni.

De acordo com a Reuters, investidores da companhia temem que o plano de alienação de ativos da companhia esteja ocorrendo de uma maneira drástica, cortando as divisões mais lucrativas da companhia e colocando em risco a sua presença internacional.

Ainda segundo fontes citadas pela agência de notícia, teme-se que o processo de desalavancagem da companhia poderia ser acelerado por pressões internas do governo de Giorgia Meloni.

Eleita no fim de 2022, a primeira-ministra da Itália comanda uma pauta econômica baseada na repatriação de euros, no intento de reduzir o déficit fiscal do país, que hoje representa cerca de 142.4% do PIB.

Revelado cerca de um mês após a eleição de Meloni, ainda sob o antigo presidente Francesco Starace, o plano de desalavancagem da Enel busca levantar 21 bilhões de euros aos cofres da companhia no triênio 2023-25. Este processo deverá ocorrer através da venda de ativos e o fim das operações da elétrica na Argentina, no Peru, na Romênia e acordos de venda já sacramentados no Chile.

O plano, com vigência de 3 anos, busca reduzir parte da montanha de cerca de 60 bilhões de euros em dívidas que foram acumuladas por anos, parte devido aos contratos de investimento em energia renovável, parte atribuída à elevação de custos com a crise energética na Europa e a ampliação dos períodos de seca.

Na oportunidade, o então presidente Starace reafirmou que a desalavancagem proporcionaria à Enel a capacidade de investir mais na transição energética e na operação de seis “mercados de núcleo” — Itália, Espanha, Estados Unidos, Brasil, Chile e Colômbia.

Francesco Starace não “sobreviveu” à chegada da coalizão de Georgia Meloni ao poder. Segundo a imprensa local, o empresário não tinha o apoio do ciclo mais próximo da primeira-ministra e acabou preterido.

Plano econômicos de Georgia Meloni podem tirar força internacional da Enel (Imagem: REUTERS/Yara Nardi)

Cortes de investimentos da Enel atingem Brasil

Embora o Brasil tenha permanecido como um dos mercados nucleares da Enel, houve também aqui comunicados de venda de ativos.

Ao fim de 2022, a empresa anunciou o fim da sua presença em Goiás, operando a concessão de distribuição elétrica nos estados do Ceará, São Paulo e Rio de Janeiro.

Neste contexto, a divisão brasileira executou um corte de 36% de seus funcionários, segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Anel),

Em 2019, a empresa contabilizava 23.835 colaborados, entre próprios e terceirizados. O número passou para 15.366 no terceiro trimestre de 2023.

Ao mesmo tempo, de acordo com o balanço divulgado pela companhia, o número de clientes atendidos pela empresa subiu 7%. Em São Paulo, cerca de 7,8 milhões de domicílios são atendidos pela empresa italiana.

No Estado mais populoso do país,  o lucro da companhia passou de R$ 777 milhões ao fim de 2019 para R$ 1,4 bilhão ao término de 2022. A margem Ebitda, que indica a rentabilidade operacional, saiu de 16,1% para 22,2% no mesmo período.

Questionada, a Enel SP alega que os cortes não diminuíram a capacidade de resposta da empresa diante da falta de luz, mas evitou relacionar a questão à falta de funcionários.

A companhia argumenta que, em 2019, a reação após fortes chuvas conseguiu religar a energia de 650 mil clientes em até 24 horas. Em 2023, a capacidade de reação foi mais ampla, com quase 1 milhão de consumidores reconectados.