Empresas cripto e fintechs precisam de alvarás bancários nos EUA?
Nessa quinta-feira (15), o Congresso Americano uniu um grupo de especialistas jurídicos para uma audiência sobre o uso de alvarás bancários por fintechs.
Grande parte do debate focou em um assunto principal: se uma empresa cripto quiser oferecer certos serviços bancários, o Escritório do Controlador da Moeda (OCC, na sigla em inglês) poderia conceder um alvará bancário?
A audiência, intitulada “Inovação Bancária ou Evasão Regulatória? Explorando Tendências de Alvarás de Instituições Financeiras”, também contou com a participação de três professores de Direito, um representante da Associação Nacional de Uniões de Crédito Federalmente Assegurado (NAFCU) e o ex-controlador do OCC Brian Brooks.
O que constitui um banco?
Grande parte dos palestrantes criticou o trabalho de Brooks em emitir alvarás bancários para fintechs durante seu cargo como líder do OCC.
Apesar de supervisores nos círculos cripto terem parabenizado o trabalho do OCC na época, Brooks causou ira em democratas do congresso antes de deixar o cargo.
Erik Gelding, professor na Faculdade de Direito da Universidade do Colorado, diretamente pediu que o Congresso agisse para evitar que o OCC concedesse novos alvarás a entidades que não planejam aceitar depósitos.
Na opinião de alguns palestrantes, entidades que só realizam algumas atividades reguladas por um alvará bancário, mas não todas ou grande parte das atividades que entram sob essa supervisão, não deveriam ser reguladas como bancos nacionais.
Segundo Kristin Johnson, professora de Direito na Universidade Emory, “um banco nacional que não recebe depósitos é um paradoxo”.
A natureza das criptomoedas apresenta um velho problema para legisladores nesse contexto: sua incapacidade em entender o que tais empresas estão exatamente fazendo. De acordo com o representante Sean Casten:
Em relação a alguns dos emergentes players fintechs, quando vêm até nós, sempre ouvimos o que não são […]. Raramente os ouvimos dizer o que são, pois isso seria o mesmo que dizer “e, assim, eu gostaria de ser regulamentado sob essa estrutura”.
O primeiro passo no esclarecimento de reguladores, segundo Johnson, é a clareza das próprias empresas sobre como definem suas próprias operações.
Georgia Quinn, conselheira geral da Anchorage — o primeiro banco operacional focado em cripto e com alvará federal —, afirmou que a licença se provou como a estrutura adequada para a empresa.
“É um absurdo dizer que, se você não fornece todos os serviços que um banco pode fornecer, então você não é um banco”, contou ela ao The Block.
“Muitos bancos — senão grande parte — não se qualificariam sob essa condição, pois bancos devem obter permissão por cada serviço que oferecem por sua reguladora, e poucos dos maiores bancos oferecem cada possibilidade de serviço bancário de uma única entidade.”
Por que se tornar um banco?
A ideia que fintechs possam fornecer serviços bancários aos sub-bancarizados, principalmente em áreas rurais, distantes de filiais bancárias tradicionais, gerou certo interesse durante a audiência.
Conforme Brooks destacou, fintechs conectam pessoas com novas fontes de capital. Conectar partes sub-representadas da nação a serviços financeiros é um mandato que o Congresso levou realmente a sério nos últimos anos.
Porém, para tal, Brooks disse que algumas empresas precisam de licenças bancárias federais, que reduzem o processo complicado e custoso, independente de qual tipo de serviço uma empresa é focada.
Por exemplo, ter de obter uma licença de transmissão de dinheiro de cada estado como uma empresa de pagamentos iniciante seria o suficiente para tirá-la do mercado.
Brooks acredita que o mandato do OCC soluciona isso, mas outros discordam. Gelding assegurou que o Congresso deveria fornecer a uniformidade que cripto precisa por meio de estatutos em vez de o OCC fazer isso “nos bastidores”.
Anchorage, por sua vez, afirmou ter encorajado reguladores, como o OCC, em “exercitar sua jurisdição” para monitorar empresas emergentes.
“No Anchorage, acreditamos que produtos relativamente bancários deveriam ser regulados por reguladores bancários”, disse Quinn. “Isso cria condições equitativas, onde todas as instituições bancárias são avaliadas sob as mesmas regulamentações.”
A preocupação
Grande parte da preocupação se dá pelo medo de que grandes empresas possam abusar das oportunidades concedidas por um alvará bancário.
Gelding cita receios de que conglomerados possam usar o dinheiro de seguros de depósitos federais para “jogos” que a Corporação Federal de Seguros de Depósito (FDIC) não seria capaz de supervisionar — ou pior: seria usado para apoiar qualquer tipo de risco indevido que a FDIC pode não conhecer até se tornar um grande problema.
Existe um precedente para essa linha de pensamento: durante a crise de 2008, segundo Gelding, quando Goldman Sachs e Merril Lynch, dentre outros, usaram dinheiro do governo em vez de impulsionar usar suas empresas de empréstimo industrial (ILCs).
Isso porque algumas estão pressionando um projeto de lei chamado “Lei de Fechamento da Lacuna das ILCs”.
Também existe a preocupação de que empresas como Facebook e Amazon solicitem alvarás bancários para realizar algumas dessas atividades, resultando em receios referentes à privacidade de “bigger data” e de práticas anticompetitivas.
Além disso, alguns representantes do Congresso Americano ainda estão tentando entender como cripto funciona e outros ainda aderem à narrativa de que o bitcoin (BTC) e outras criptomoedas permitem muitas atividades ilícitas.
“O bitcoin não é apenas para terroristas. É para sonegadores de impostos também”, afirmou Brad Sherman.
Outros acreditam que muitas das empresas cripto que buscam obter alvarás bancários usam bitcoin para fins de proteção, como reservas por depósitos ou requisitos de capital líquido. Alguns também têm receio de que tais empresas tenham bitcoin em suas reservas, o que não é geralmente o caso.
Ainda assim, as empresas que agora sofrem com a fiscalização do Congresso podem ter a chance de pôr tudo em pratos limpos.
Em um primeiro momento, o representante Ed Perlmutter preparou o terreno para outras audiências e espera que players da indústria trabalhem diretamente com o Congresso nessa questão.