Opinião

Felipe Miranda: Top Gun – ases ou gênios indomáveis?

01 nov 2018, 19:39 - atualizado em 01 nov 2018, 19:41

Por Felipe Miranda, estrategista-chefe da Empiricus Research

“Se houver 10 por cento ou mais de mulheres em uma festa, você não vai poder servir apenas cerveja. Mas a maioria dos homens bebe vinho. Então, você só precisa de um jogo de taças ao servir apenas vinho – é uma espécie de doador universal, para usar a linguagem dos grupos sanguíneos.”

As referências a Baco são apropriadas na véspera do feriado. Já volto ao parágrafo acima, do nosso quase amigo Rory Sutherland, com quem tivemos o prazer de conversar por 15 minutos na última passagem por Londres.

Antes, quero lhe contar sobre meu dia de ontem. Não porque ache que você se interesse pela minha rotina, é óbvio – nem eu mesmo me interesso pela minha rotina. Mas porque minha quarta-feira trouxe um sopro de arejamento, uma convivência com um Brasil que eu, infelizmente, ainda não conhecia de perto, um tipo de conhecimento que valorizo muito: aquele do mundo real, sem platonismo, fora das planilhas, dentro das conversas de homem (no sentido da hombridade, não de gênero necessariamente), transcorridas olho no olho depois de um firme aperto de mãos.

Tive a honra de palestrar ontem para o Alto-Comando da Aeronáutica, no evento “Ampliando Horizontes”. Falei as bobagens de sempre: convexidade, liberalismo e o futuro do Brasil. É curioso como, nesses momentos, você mais absorve do que transmite.

Daquela apresentação e das conversas um a um, me veio uma epifania, daquelas do tipo cafona (mas seríssima!) da trilha do filme “Top Gun”, take my breath away…

Como o último romântico dos litorais deste oceano Atlântico, após recuperar a respiração, percebi: está em curso no Brasil não somente uma transformação do espectro político, da esquerda intervencionista para a direita liberal, tampouco apenas o prognóstico de retomada do crescimento econômico catalisado por uma agenda de reformas fiscais e em prol da eficiência de mercado. Existe algo maior, fora dos livros-textos de economia e da ciência política. Algo que as planilhas de Excel, por mais sofisticadas e cientificistas (bem diferente de científicas) que sejam, jamais poderão capturar.

O Brasil passa, neste exato momento, por uma mudança de paradigma ético e moral. Há uma emergência de novo substrato para compor a egrégora dos valores, talvez até em linha com o que, de fato, compunha a égide dos preceitos e da filosofia de Dom Pedro, perdida no tempo em meio aos movimentos modernistas e à veia macunaímica dos heróis sem nenhum caráter.

Podem lhe parecer anedotas, mas presenciei cenas da mais absoluta disciplina, seriedade, retidão, respeito ao dinheiro público, compromisso com o erário e, desafiando a noção estereotipada que a imprensa tradicional tenta compor dos militares, bastante erudição. É gente séria, estudando com profundidade o Brasil.

Ontem, quando acabou o tempo destinado à parte de perguntas e respostas, havia outras cinco pessoas na fila para novas indagações. Eu estava ali disposto a tentar atendê-las mesmo dentro de minha ignorância (pergunta boa é aquela que o professor sabe responder!). Mas, de repente, fomos avisados que o tempo havia acabado. Os próprios questionadores abaixaram suas mãos e desistiram de ir ao microfone, sem esboçar qualquer frustração ou descontentamento. Apenas é. Uma lição de estoicismo.

Saí do púlpito para o almoço. Conversei com o gestor do fundo da Aeronáutica e vi uma pessoa absolutamente dedicada àquilo, com profundo conhecimento de mercado e muito respeito à própria atividade. “Sabe, isso aqui não é o meu dinheiro pessoal. É dinheiro público. A responsabilidade de tocar isso é enorme. Com muito trabalho e muita disciplina, temos conseguido bons resultados” – eu vi os números e era realmente verdade.

Então, fui conhecer o centro de comunicação da FAB. A mesma seriedade, o mesmo zelo com o dinheiro público. E mais: algumas iniciativas altamente tecnológicas (e baratas), que nem mesmo a gente aqui na Empiricus adota.

Compare esse ambiente com o universo das negociatas, dos campeões nacionais criados pelo BNDES sem o menor rigor, com os amigos do rei (o melhor investimento dos empresários nos últimos anos era uma passagem para Brasília), com a podridão, por exemplo, do Porto de Santos – por favor, estude como as coisas acontecem naquele antro chamado Porto de Santos.

Não tome isso como um discurso descolado do ambiente econômico estrito, sem impactos sobre seus investimentos. Pela primeira vez em muito tempo, vamos ter um mercado e uma atividade empreendedora funcionando fora do obscurantismo e do ocultismo. A transformação ética e moral é também uma transformação em direção ao real capitalismo, em prol da eficiência e dos ganhos de produtividade. Nada disso vai ser capturado pelos modelos econométricos.

Nesse escopo se inserem a redução do número de ministérios proposta pelo presidente eleito e a nomeação potencial de Sergio Moro para o superministério da Justiça.

“Ah, mas o enxugamento de ministérios pode, em si, não representar uma economia tão significativa e material.” Ok, pode ser, mas tem simbolismo. Transmite uma mensagem. Na Empiricus , por exemplo, eu pago meus almoços no cartão pessoal, mesmo quando eles são de trabalho. A economia objetiva é obviamente ínfima, mas sinaliza para o resto qual é a mentalidade da empresa, em prol do não desperdício, da perseguição da eficiência e do zelo para com a companhia.

Moro no ministério da Justiça – às favas com a retórica vazia do golpe e de qualquer coisa parecida – passa a mesma ideia. A ética, o fim das negociatas, a correção, a falta de piedade com a corrupção. É um novo zeitgeist.

“E o Congresso nessa história toda, que sempre funcionou conforme a velha política?”

Há sinais interessantes nesse sentido. PDT, PSD e PCdoB, pela primeira vez em muito tempo, deixam de ser satélites e de compor com o PT, falando em fazer uma oposição propositiva e positiva, diferentemente da prática histórica de apenas ser do contra e ponto.

E o Centrão? Esse aí já veio. Para desafiar a etimologia, o Centrão nunca foi de centro, sempre foi de direita no Brasil. O Congresso, no geral, é conservador.

Aliás, aqui há algo positivo pragmaticamente no dito “extremismo de Jair Bolsonaro”. Um aspecto relevante escapa dos doutos e supostos especialistas – e aqui volto a me conectar com a frase que abre esse texto.

Quando você está na ponta extrema, seus eleitores e seus parceiros são inflexíveis e sempre votam com a facção. Mas alguns eleitores e parceiros flexíveis também podem votar com a facção extremista. Lembre-se de como sempre foi difícil compor unidade dentro do MDB e do PSDB. Bolsonaro é diferente. Ele tem apoio irrestrito da direita e ainda pode atrair para si o centro.

É uma reação não linear e típica dos sistemas complexos, em que as interações importam muito mais dos que as partes em si. É aquilo que Nassim Taleb chama de “regra da minoria”.

Se, numa família de quatro pessoas, uma delas se torna vegetariana, é provável que em pouco tempo aquele quarteto inteiro passe a não ingerir carne (ao menos dentro de casa).  A minoria inflexível impõe sua vontade sobre a maioria. A pessoa que cozinha precisará fazer apenas um prato se atender os anseios da vegetariana. Os não vegetarianos comem tudo que os vegetarianos comem, mas o inverso não é verdadeiro. Há uma assimetria aqui. Nesse sentido, a vontade do extremo predomina, mesmo desafiando a intenção da maioria.

Por incrível que pareça, ao sair da Aeronáutica, eu não lembrei de “Top Gun: Ases Indomáveis” (embora pague um baita pau pro Tom Cruise). Pensei mesmo em Will Hunting, de “Gênio Indomável”: “Você precisava vê-la, ela iluminava todo o ambiente”. Se foi o fim do Brasil em 2014, inclusive sob a ótica ética e moral, agora há uma luz a iluminar um novo começo.

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