Opinião

Empiricus: É melhor dividir o bolo do que ficar sem nenhum pedaço

03 out 2019, 10:23 - atualizado em 03 out 2019, 10:23
Mercados
Colunista discorre sobre assimetria de informações e investimentos (Imagem: Reuters/Lucas Jackson)

Por Bruno Mérola

São 8h50 da manhã em São Paulo e você espera seu Uber chegar a qualquer momento, torcendo para que ele tenha habilidades especiais e te teletransporte para a reunião com o cliente mais importante (e pontual) da empresa, às 9h.

Já dentro do carro, o motorista não indica o menor sinal de pressa. Em geral, você até se importa com o ar-condicionado, com a música tocando na rádio e aceita uma água, enquanto “aproveita” o trânsito para ler as notícias do dia e responder alguns e-mails.

Mas não hoje. Sem tempo a perder, lança no colo dele a missão impossível: “Se você transformar esses 15 minutos que o Waze está indicando em 10 minutos, te pago 5 reais a mais, além do valor da corrida”.

No jargão empresarial, podemos afirmar que os interesses estão alinhados. Se você alcançar o resultado positivo de chegar a tempo da reunião, o motorista do Uber ganha a mais pelo bom serviço prestado.

Se ele não conseguir bater essa meta, paciência. Pelo menos colocou no bolso o valor fixo que já estava combinado desde o início, sem incorrer em nenhuma perda financeira.

Nessa situação, o motorista é o único especialista. Ele conhece todos os caminhos e atalhos possíveis, assim como os trechos de maior congestionamento naquele horário. E sabe que é possível chegar em 10 minutos, mas não sem tomar alguns riscos na direção e no trajeto escolhido.

Será que valeria a pena o esforço por apenas 5 reais a mais se o valor original da corrida fosse de 30 reais? E se ela fosse de 10 reais, a decisão seria outra?

Na maioria das situações como essa, que envolve contratar um serviço especializado, existe assimetria de informação.

E, com a assimetria, surge o dilema conhecido nas ciências políticas e econômicas como o problema do principal-agente, quando o contratado (agente) tem mais informações do que quem o contratou (principal) e pode tomar decisões em benefício próprio em detrimento de quem ele representa.

Isso pode acontecer, por exemplo, quando o conselho de administração de uma empresa, representando seus acionistas, indica um novo e caro presidente para a companhia que, ao se inserir no cotidiano do negócio, obtém mais informações sobre o negócio do que os próprios conselheiros.

Com salários astronômicos e a meta de lucro atingida, qual incentivo ele teria para arriscar em projetos mais ousados e gerar mais valor para o acionista?

No universo dos fundos, os maiores especialistas (e detentores da informação) são os gestores, aqueles que tomam todas as decisões de investimento para cuidar melhor do seu dinheiro e decidir como e onde alocar cada real de confiança depositada.

Quanto você pagaria para um especialista desses gerir o seu dinheiro?

Existem dois fatores muito importantes:

1) O que ele faz é replicável, isto é, você consegue seguir exatamente a mesma estratégia do gestor por conta própria? Negociando os mesmos ativos na mesma quantidade e no mesmo momento?

Por exemplo, se a estratégia do fundo é simples e ele investe apenas em Tesouro Selic (LFT), títulos do governo federal com baixíssimo risco, você teria a opção de fazer a mesmíssima coisa por meio do Tesouro Direto. Nesse exemplo de gestão passiva, você deve pagar o mínimo possível para o gestor.

Por outro lado, muitos fundos se propõem a “bater o mercado”, ou seja, acertar a hora certa ao comprar e vender determinados ativos, às vezes em diferentes mercados e regiões do mundo. Esses gestores precisam remunerar toda a estrutura física, as pessoas e a tecnologia que geram a inteligência do negócio.

Qual é a chance de a pessoa física contar com uma estrutura parruda como essa para replicar as mesmas estratégias do fundo? Nesses casos, nada mais justo do que remunerar adequadamente essa gestão ativa.

2) Quem fica com o maior pedaço do bolo quando o gestor gera retornos acima do objetivo do fundo? Você ou ele?

Voltando ao exemplo do início, aquela gorjeta de 5 reais para o motorista do Uber pode não valer o esforço se o valor inicial da corrida era de 30 reais. Para que correr mais riscos no trânsito de São Paulo para ganhar apenas 5 reais a mais?

Da mesma maneira, se uma estratégia tem um desempenho de 2% acima do CDI após um ano e esse fundo cobra uma taxa de administração de 2% ao ano (muito comum no Brasil), o gestor fica com o bolo inteiro só para ele e o investidor recebe apenas o equivalente ao CDI, após o desconto da taxa.

Para evitar que o gestor fique tomando água de coco no sul da Bahia enquanto ganha 2% ao ano de taxa de administração sem tomar muito risco, é muito comum que os melhores fundos do mercado também cobrem uma taxa de performance, um bônus adicional para o gestor que depende do quanto ele exceder o objetivo do fundo. É como se o motorista do Uber ganhasse 1 real, por exemplo, por cada minuto economizado.

“Com mais custos, não sou eu que vai acabar pagando essa viagem para a Bahia?”

Pelo contrário, a taxa de performance pode ter o efeito de cancelar essa viagem e fazer com que o gestor fique no escritório para obter retornos maiores para você, investidor, já que ele ficará com uma parte disso também.

Então a estrutura ideal seria o modelo de um corretor imobiliário, com uma remuneração fixa mínima e quase tudo vindo de suas vendas, zero de taxa de administração no fundo e o máximo de taxa de performance?

Provavelmente não também. Se toda a remuneração do motorista do Uber fosse variável, como ele se viraria para pagar as contas do mês em casa? Como ficaria a sua saúde emocional e a capacidade de tomar boas decisões sob estresse?

No caso do gestor que teria de conviver apenas com taxas de performance, é a mesma coisa. O incentivo seria para ele tomar um risco muito maior do que o combinado, já que não tem nada a perder nessa relação assimétrica: afinal, você divide os ganhos com ele, não as perdas.

Nem Yin, conceito do taoísmo que representa a passividade, nem Yang, o princípio da atividade. O mundo ideal precisa da melhor combinação dos dois: o equilíbrio entre a remuneração fixa e a variável para o gestor do seu fundo.

Com as taxas básicas de juros no Brasil caminhando invariavelmente para níveis abaixo de 5% ao ano, nossa responsabilidade aumenta de maneira inversamente proporcional para sermos ainda mais inflexíveis com taxas elevadas na gestão passiva e com estruturas de incentivo desalinhadas na gestão ativa.

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