Emissão de dívida corporativa volta aos dias de glória no Brasil
O mercado local de emissão de dívida corporativa no Brasil está crescendo de novo após o colapso do ano passado.
Parece ser um retorno aos dias de glória de alguns anos atrás, quando os fundos de crédito estavam entre os investimentos de crescimento mais rápido à medida que os brasileiros se afastavam da poupança e dos títulos do governo em busca de rendimento. Esse mercado parou no ano passado, quando o coronavírus se instalou e os cotistas dos fundos de crédito correram para retirar dinheiro.
Neste ano, a venda de papéis de dívida de empresas aumentou 70% em relação ao mesmo período de 2020, segundo dados compilados pela Bloomberg, com os investidores estimulados pelas expectativas de juros mais altos.
O renascimento do mercado ainda está em estágios iniciais, após apenas três meses de captação positiva líquida dos fundos de crédito desde que a pandemia começou, mas já abre o caminho para um boom no financiamento de projetos de infraestrutura. Depois que os resgates do ano passado levaram gestores a fecharem fundos de crédito, a indústria está levantando dinheiro em meio a sinais de que a economia pode estar saindo de sua pior fase.
“Não há mais pressão de venda, já que os maiores vendedores, os fundos de crédito mais frágeis, simplesmente desapareceram”, disse Alexandre Muller, sócio e gerente de portfólio da JPG Gestão de Recursos no Rio de Janeiro, que tem R$ 29 bilhões em ativos sob gestão. “Teve um efeito de limpeza,” disse.
A recuperação está chegando depois de um doloroso 2020. Enquanto os mercados de crédito em todo o mundo sofreram perdas acentuadas no início da pandemia, na maior parte do mundo desenvolvido eles voltaram no terceiro e quarto trimestres. Não foi assim no Brasil, onde a emissão de títulos de dívida no mercado local caiu 41% no ano passado, com os investidores retirando dinheiro de fundos de crédito por 11 meses consecutivos.
Os preços despencaram com apenas alguns bancos como compradores, queimando investidores que só recentemente se sentiam confortáveis com a ideia de comprar fundos mais arriscados.
O total de ativos sob gestão nos fundos de crédito havia disparado para um pico de R$ 100 bilhões em junho de 2019, de R$ 15 bilhões em 2014, de acordo com a JGP, que contabiliza apenas as gestoras independentes.
Uma das razões para a popularidade crescente foi que cerca de metade dos fundos passaram a permitir que os investidores retirassem seu dinheiro quase sem aviso prévio. Isso transformou esses fundos em uma fonte de dinheiro imediato para os cotistas que tiveram de enfrentar as consequências da crise do coronavírus.
Os fundos de crédito registraram saídas recordes de R$ 9,6 bilhões em março de 2020, seguidas por R$ 4,1 bilhões em abril, de acordo com a JGP. As retiradas só pararam em fevereiro agora, quando o total de ativos sob gestão nos fundos de crédito atingiu R$ 60 bilhões.
A retomada começou em março, quando os fundos de crédito captaram R$ 486 milhões. Em abril, ourtros R$ 2,1 bilhões foram levantados.
“A demanda está voltando à normalidade, com foco em papéis líquidos e com um bom yield”, disse Rogerio Monori, diretor corporativo e de banco de investimento do Banco BV em São Paulo.
É claro que o mercado ainda não retornou ao seu pico e continua minúsculo em relação ao total de dívida do governo no mercado local, que era de R$ 5 trilhões em março. Também há o risco de que a pandemia que ainda dilacera o país minar o renascimento do mercado.
Por enquanto, porém, os juros do Brasil encontraram um ponto ideal para encorajar a emissão de dívida. Os prêmios de risco de crédito médios sobre a taxa de referência do CDI caíram para 2% depois de chegar a 5% no ano passado, de acordo com um índice calculado pela JGP. Essa é uma taxa atraente para os emissores.
A varejista de roupas Lojas Renner (LREN3) vendeu em março títulos com vencimento em 2025 com prêmio de risco de 160 pontos-base, abaixo do prêmio de 300 pontos-base que pagou em maio do ano passado por notas de vencimento um pouco mais curto. A concessionária Aegea Saneamento e Participações vendeu notas com vencimento em 2027 em abril a um prêmio de 215 pontos base, em comparação com um prêmio de 300 pontos base nas notas de curto prazo vendidas em setembro.
Embora o prêmio de risco de crédito tenha encolhido, a taxa de referência deve subir nos próximos meses, aumentando o apelo da dívida corporativa em relação a ações ou outros investimentos mais arriscados. O Banco Central elevou a taxa básica de juros em 75 pontos base, para 2,75% em março, e indicou outro aumento do mesmo tamanho em maio. O mercado já está com a expectativa de aumentos adicionais de 250 pontos-base ainda este ano, o que levaria a taxa básica para 6%.
“Os spreads ainda estão bons para o comprador em relação ao risco de crédito das companhias”, disse Laurence Mello, gestor de fundos de crédito da AZ Quest Investimentos, que administra R$ 17 bilhões.
As empresas também estão encontrando mais facilidade para vender dívidas de mais longo prazo, com vencimentos de até 10 anos para os títulos indexados à inflação e de seis anos para aqueles indexados ao CDI, de acordo com Felipe Wilberg, diretor-gerente responsável pela área de renda fixa e produtos estruturados do Banco Itaú BBA, líder na emissão de títulos corporativos no mercado local brasileiro neste ano, segundo dados compilados pela Bloomberg.
A maioria das empresas brasileiras emitiu dívida no ano passado para comprar rivais menores, disse Wilberg. Neste ano, as operadoras de aeroportos, ferrovias e rodovias passam a fazer parte do mix, em meio a novas concessões leiloadas pelo governo e se aproveitando do tratamento tributário favorável aos títulos vinculados à infraestrutura.
À medida que o mercado continua a se normalizar, espera-se que mais empresas emitam títulos no mercado local. A concessionária de água do Estado do Rio de Janeiro Cedae foi privatizada na semana passada e vai precisar de mais de R$ 22,7 bihões em investimentos, com possível financiamento no mercado de capitais local.
Mais emissão de dívida corporativa é uma boa notícia para os investidores que estão com altos níveis de caixa e procurando oportunidades de colocar seu dinheiro para trabalhar.
“Estamos bastante animados com a classe de ativos”, disse Artur Nehmi, gestor de renda fixa em São Paulo da Sparta Fundos de Investimento, que administra R$ 3 bilhões. “Os preços ainda estão bons.”